A história da urna eletrônica e das eleições no Brasil

09/10/2018 às 07:006 min de leitura

Estamos em ano de eleições e, aproveitando o momento, nossos colegas do Tecmundo — site que é "irmão" mais velho do Mega Curioso —  decidiram dedicar um episódio da série História da Tecnologia à política. Mas, calma! O negócio aqui não tem nada a ver com propaganda: a ideia é contar como se desenrolou a história do voto no Brasil até chegarmos na urna eletrônica. Isso inclui a origem, a evolução e, claro, as polêmicas.

Bem antes do eletrônico

Antes de contar a história da urna, a gente precisa  falar rapidinho de como era o voto no Brasil antes disso. A primeira eleição em terras nacionais aconteceu em 23 de janeiro de 1532, quando os moradores da vila de São Vicente, em São Paulo, elegeram o Conselho Municipal.

O voto foi indireto, ou seja, eles elegeram as pessoas que elegeriam o conselho — o que já era um começo.

Aí saltamos pra 1821, quando o voto não é mais separado em cada município, mas sim em caráter nacional. Homens livres de 25 anos (ou 21, pra casados e militares), alfabetizados ou não, elegem representantes da corte portuguesa. O voto não era secreto e não tinha partidos.

José Antônio Saraiva.José Antônio Saraiva.

Três anos depois, em 1824 e já independente, o país ganha a sua primeira legislação eleitoral, pra eleger a assembleia que ajudou a definir a constituição daquele ano. Em 1881, é promulgada a Lei Saraiva, de autoria do ministro José Antônio Saraiva. Ela traz a obrigatoriedade do título de eleitor e eleição direta pra vários cargos. Só que rolava muita fraude nessa época, porque os processos eram bem falhos e sem grande fiscalização.

A era da República

Em 1891, data da constituição republicana, é instituído pela primeira vez o voto para presidente. Mas a eleição daquele ano, que elegeu o marechal Deodoro da Fonseca, foi indireta. E o período da República Velha, de 1889 a 1930, ficou conhecido por muita malandragem.

Era a "república do café com leite", com políticos paulistas e mineiros se alternando no cargo, e a chamada eleição a bico de pena. Essa expressão é o método da época, com voto aberto e não secreto, com o eleitor divulgando o candidato pra ser registrado pelo mesário.

Aí tinha voto de gente morta, a mesma pessoa votando em várias seções, voto alterado na hora da escrita e o chamado "cabresto", que era o controle de coroneis e grandes figuras da época, que abusavam do poder e usavam até ameaças pra comprar votos de cidades inteiras. Cabresto é aquele arreio de corda pra controlar animais.

Uma máquina de votar

Só em 1932 o voto para mulheres é liberado ainda de forma restrita e a Justiça Eleitoral é criada pra organizar eleições. O código eleitoral desse ano dava margem pro uso de uma "máquina de votar", e Sócrates Puntel em 58 monta a primeira urna mecânica. Ela tinha duas teclas e réguas pra mostrar os cargos. A invenção é reconhecida, mas não chegou a ser usada.

Uma máquina.

Aliás, nesse ano é instituída a urna de metal e madeira pra guardar os votos. Depois, era usada uma urna de lona pra fazer isso. Aliás, só em 1955 surge a primeira cédula eleitoral oficial, na eleição vencida por Juscelino Kubitscheck com um funcionamento bizarro: presidente e vice podiam ser de chapas separadas.

Um papel.A primeira cédula eleitoral do Brasil.

Por conta dos períodos eleitorais de 1937 a 1945, que foi o Estado Novo de Getúlio Vargas, e de 1964 até 1985, com o regime militar, eleições diretas pra cargos majoritários nacionais foram proibidas. No segundo caso, o congresso chegou a ser dissolvido e só dois partidos foram permitidos por vários anos: a ARENA e o MDB. O povo brasileiro exigiu o retorno do voto direto em 1983 e 84, o que demorou mais um pouco pra acontecer.

O início da tecnologia

O ano de 1986 marca uma revolução da tecnologia na política. É aí que começa o cadastramento único de eleitores, informatizando dados de 70 milhões de brasileiros. Com as fichinhas descentralizadas de antes, fraudes eram fáceis. Em 1988, temos eleições diretas novamente para algumas categorias municipais e o voto pra analfabetos é reinstituído. O voto ainda era completamente manual, a contagem era demorada e cheia de chance de dar errado.

Pessoas.Uma apuração de votos em uma urna de lona.

Aí a gente precisa ir até Brusque, interior de Santa Catarina. O juiz Carlos Prudêncio tinha um sonho de fazer a apuração dos votos de forma mais rápida. Ele começou a pensar em usar uma novidade da época, o computador, mas recebeu um não do Tribunal Regional Eleitoral de lá. Mas ele tocou a ideia com a ajuda do irmão, dono de uma empresa de eletrônicos, e em 82 já fez uma contagem eletrônica de votos na região, sem testar em período eleitoral.

Em 89 teve eleição presidencial e no primeiro turno Brusque virou destaque nacional por uma apuração registrada antes de todo o resto do Brasil. O motivo? Os votos foram feitos por um computador adaptado e um software inovador. Como o sistema não era oficial, o voto foi contado também pelo processo tradicional, e o resultado bateu.

Uma pessoa.Carlos Prudêncio e um dos computadores usados.

Nas eleições municipais de 90, outra seção de Brusque foi informatizada agora até com terminal pra apuração. Representantes do TSE, o Tribunal Superior Eleitoral, foram cidade dos tecidos conferir o feito, mas o projeto não foi adiante.

Mas quando começou pra valer? Em 94, o TSE do ministro Sepúlveda Pertence estreou o processamento eletrônico dos resultados com recursos da Justiça Eleitoral. Essa rede, que nasceu antes da urna, é um dos fatores que ajuda na divulgação rápida dos vitoriosos.

O nascimento da urna

Um ano depois, uma equipe de especialistas assume o projeto. Os escolhidos eram os ninjas, batizados pelo mistério do projeto e pela ascendência japonesa da maioria. Seus nomes são Paulo Nakaya, Osvaldo Imamura, Mauro Hashioka, Antonio Marcondes e Giuseppe Janino. Três deles eram técnicos do Inpe, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, um analista da CTA, Centro Técnico da Aeronáutica, e um servidor do próprio TSE, o Giuseppe, que hoje é atual secretário de lá em tecnologia de eleições.

Giuseppe JaninoGiuseppe Janino e a sua criação.

Logo de cara, usar um PC tava fora de cogitação por não ser seguro e porque o brasileiro tava começando a ter a sua primeira máquina em casa. Aí nasceu o projeto do "coletor eletrônico de voto", ou CEV, que foi rebatizado pra um nome bem melhor que é urna eletrônica.

Desde o começo ele já tinha características bem definidas. É um dispositivo que funciona de forma individual e combina tela, teclado e CPU numa só máquina. Precisa ser muito fácil de usar, e as teclas numéricas são parecidas com de um telefone. O primeiro modelo tinha teclado de membrana, depois substituído pelo de relevo.

Uma urna.

Em 1996, pela primeira vez o TSE usou a urna eletrônica. Foram 57 cidades com o equipamento pra 200 mil eleitores, e desde já pra votar em branco tinha tecla, mas pro nulo precisava colocar números que não eram de nenhum candidato. Esse modelo de 96 era fabricado pela OMNITECH e tinha uma impressora acoplada que imprimia o voto, depois depositado em uma urna de plástico. Isso foi abolido em 98, voltou em 2002 e foi substituído em 2004 por um registro digital.

Evoluindo o método

Aí em 2000, com novas eleições municipais, todo eleitor brasileiro passa a usar esse novo sistema, que ainda ganha suporte a fones de ouvido pra deficientes auditivos. Em 2002, a urna larga o VirtuOS e passa a usar Windows CE como sistema operacional. Em 2009 é que entrou uma modificação do Linux feita diretamente por uma equipe do TSE.

Em 2005, a urna foi usada em uma situação diferente: a do referendo que decidiu sobre o comércio de armas de fogo e munição, quando a proibição venceu.

Um aplicativo.

Em 2008, começa outra nova tecnologia, a da biometria, que logo passa a ser obrigatória. Já em 2010 a novidade é o voto em trânsito pra quem não está na sua zona eleitoral. A evolução mais recente é de 2018, com um aplicativo pra smartphones que substitui o título do eleitor.

A urna atual foi remodelada em 2017 pra ser mais moderna, funcional e modular, mas o visual novo tá sendo implementado aos poucos. Ela tem uma estrutura simples, com uma bateria de 12 horas de duração pro caso de falta de luz, além de duas memórias.

Uma urna.

E esse formato de voto tecnológico se espalhou, queira você goste ou não. Em 2014, foram cerca de 530 mil urnas usadas no Brasil, e são 23 países e alguns estados norte-americanos que usam um sistema parecido com o nosso em pleitos nacionais.

E a segurança?

Casos de corrupção estão presentes desde a época do Império, mas o TSE garante que a urna eletrônica nunca foi invadida durante uma eleição e que o aparelho é inviolável nas condições atuais de segurança. De acordo com o órgão, softwares não autorizados resultam no bloqueio da urna, e o tribunal inclusive faz testes públicos de segurança pra que equipes de especialistas tentem burlar a assinatura digital.

Quem discorda é um pesquisador chamado Diego Aranha, que era da Universidade Estadual de Campinas. A equipe dele é a principal crítica do TSE há anos por vários motivos: o software proprietário, o Termo de Confidencialidade dos testes, o pouco tempo de acesso às urnas, falta de transparência e por aí vai. Vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal negou o voto impresso como confirmação do eletrônico agora pra 2018, o que já pouparia algumas críticas.

Uma pessoa.Diego Aranha.

Os responsáveis por descobrir falhas já tiveram acesso ao log de votos de um sistema e não descartam que é possível mudar resultados ou alterar textos na tela, com uma invasão bem grave executada em testes de 2017. O que falta é tempo pra testar esses ataques nas condições que simulam as reais. Até agora, todas as vulnerabilidades encontradas em testes foram corrigidas pelos técnicos do TSE.

Os nossos colegas do TecMundo fizeram uma entrevista bem completa com o professor Diego Aranha. Recentemente, ele até deixou o Brasil por uma desilusão generalizada, mas esses esforços de fiscalização não vão acabar.

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E essa é a história da urna eletrônica, uma tecnologia que de um jeito ou de outro faz parte da história da tecnologia e do Brasil. Não vamos entrar na discussão de segurança ou da falta dela, já que aqui o papo foi a história e a evolução. Os dois lados foram apresentados — e cada um escolhe a explicação que ache mais correta —, mas o fato é que esse sistema existe e é o vigente por aqui. 

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A história da urna eletrônica e das eleições no Brasil [vídeo] via TecMundo

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