O Regimento Azov ucraniano e a relação com o neofascismo

14/10/2022 às 06:304 min de leitura

Desde que Vladimir Putin deu início à invasão russa à Ucrânia, em 24 de fevereiro deste ano, o mundo viu com clareza alguns horrores que foram comuns durante os tempos de guerra que marcaram o século XX.

Campos de filtragem que "roubaram" milhares de ucranianos, perseguições, êxodo em massa, ameaças de catástrofes nucleares, mortes, destruição e bombardeamentos. Em meio a isso, aconteceram movimentações de entidade paramilitares, como o Grupo Wagner, financeiramente apoiado pelo governo russo em missão para executar o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky.

Em agosto, a Suprema Corte russa designou o Regimento Azov, até 2014 conhecido como Batalhão Azov, como uma organização terrorista. A antiga formação de voluntários, com raízes de extrema-direita e ideologia neonazista, foi formalmente integrada à Guarda Nacional da Ucrânia em 2014 porque ajudava a combater os separatistas apoiados pelo Kremlin no leste ucraniano.

Segundo Putin, a presença dessa unidade no exército da Ucrânia teria sido um dos motivos para que ele lançasse a "operação militar especial para desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia". Zelensky e os aliados alegam que a afirmação de Putin era apenas um pretexto para uma guerra de agressão, e o próprio regimento Azov negou ter relação com a ideologia nazista.

A idealização de uma mente

(Fonte: The Japan Times/Reprodução)(Fonte: The Japan Times/Reprodução)

Nascido em 5 de agosto de 1979 em Carcóvia, na então União Soviética, o jogador de futebol, político e ativista Andriy Biletsky desde pequeno demonstrou um patriotismo exacerbado, e isso cresceu depois que ele recebeu do pai o livro História da Ucrânia para crianças, escrito por Anton Lototsky.

Quando se formou em História na Universidade Nacional da Carcóvia, o projeto de conclusão de curso dele foi sobre o Exército Insurgente Ucraniano, formado na região de Volínia, em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, cujo objetivo era proteger os interesses nacionais das populações ucranianas por meio de um movimento nacionalista como organização militar.

Em 2002, Biletsky ingressou na carreira política de vez, chegando a se tornar líder de um dos ramos da organização paramilitar ucraniana de extrema-direita Tryzub, fundada em 1993 pelo Congresso dos Nacionalistas Ucranianos. Em 2005, ele iniciou um processo de renascimento do antigo partido Patriota da Ucrânia, só que independente de qualquer facção política, afiliado apenas a organizações extremistas, inclusive à Tryzub.

Andriy Biletsky. (Fonte: QIRIM News/Reprodução)Andriy Biletsky. (Fonte: QIRIM News/Reprodução)

Foi só durante a onda de manifestações civis pela Ucrânia, conhecida como Primavera Ucraniana, entre novembro de 2013 e fevereiro de 2014, cujo objetivo dos manifestantes era maior integração europeia, além de providências quanto à corrupção no governo e eventuais sanções por parte da Rússia, que Biletsky surgiu novamente na mídia.

Com a ajuda de políticos do Patriota, ele fundou o Setor Direito no mesmo mês que iniciou as agitações civis, um partido e um movimento político ucraniano de extrema-direita, com inclinações neofascistas e de ideologia ultranacionalista, criado como uma confederação paramilitar de várias organizações nacionalistas.

Finalmente, em 5 de maio de 2014, Biletsky fundou o Batalhão Azov e se autointitulou o comandante. A formação foi composta de membros do Patriota, fãs de futebol e do grupo neonazista da Assembleia Nacional Social (SNA), conhecido por ideais xenófobos e racistas, pela violência contra migrantes e qualquer um que se opusesse às opiniões defendidas por ele.

O passado obscuro

(Fonte: Poder 360/Reprodução)(Fonte: Poder 360/Reprodução)

A princípio, a organização funcionaria como um batalhão territorial do serviço de patrulha a favor da Ucrânia contra as forças separatistas pró-Rússia durante o conflito em Donbas, sobretudo após o Ministro do Interior da Ucrânia de 2014 ter reconhecido que as forças militares do país eram fracas demais para combater os separatistas e, portanto, dependia de forças voluntárias paramilitares como o Azov.

Por muito tempo, ou pelo menos até que a força ucraniana conseguisse recapturar a cidade portuária estratégica de Mariupol, o Batalhão Azov foi financiado de maneira privada por oligarcas, principalmente por Igor Kolomoisky, um bilionário da energia e então governador de Dnipropetrovsk. Ele também apoiou outras entidades paramilitares voluntárias, como as Unidades Dnipro 1 e 2, Aidar e Donbas.

Em 12 de novembro de 2014, após o sucesso na retomada de Mariupol, a unidade Azov foi oficialmente integrada à Guarda Nacional da Ucrânia. O então presidente ucraniano Petro Poroshenko chegou a declarar durante a cerimônia de premiação: "Esses são nossos melhores guerreiros. Nossos melhores voluntários".

Ele estava se referindo a homens liderados por Biletsky, que já havia dito que o propósito nacional da Ucrânia era "liderar as raças brancas do mundo em uma cruzada final contra as raças inferiores lideradas pelos semitas". 

Ainda assim, ele foi eleito para o parlamento no mesmo ano da integração do Azov, deixando o cargo na unidade porque funcionários eleitos não podem estar em forças militares ou policiais. Até 2019, ele viveu o sonho antigo de se tornar deputado e em outubro de 2016 estabeleceu o partido de extrema-direita Corpo Nacional, cuja base é de veteranos do Azov.

A nova divisão

(Fonte: Cisac/Reprodução)(Fonte: Cisac/Reprodução)

Com a absorção do Azov à Guarda Nacional, o Estado passou a conseguir supervisionar a unidade com considerada atenção, fazendo uma limpeza nas fileiras de elementos de extrema-direita como parte de um processo de desradicalização. O resultado foi de um atual Regimento Azov com pouca relação com a milícia desorganizada que foi o Batalhão Azov de 2014.

O regimento foi reconstituído, deixando para trás membros extremistas e abandonando até o emblema pseudopagão. Atualmente, a unidade é descrita como "despolitizada", e os recrutas se juntam a ela não pela ideologia, e sim pela reputação de combate rígida.

A mídia russa lançou uma grande propaganda para enraizar o bicho-papão do nazismo na Ucrânia, tanto para justificar a invasão quanto para continuar fomentando a guerra e tentar pintar a imagem, principalmente para o próprio país, de que está fazendo isso pelos princípios certos. A brutal destruição de Mariupol pelas tropas russas foi amplamente divulgada como uma resposta à suposta ameaça Azov neonazista armada.

(Fonte: BBC/Reprodução)(Fonte: BBC/Reprodução)

Nada ironicamente, Dmitry Utkin, fundador e comandante do Grupo Wagner, tem o corpo coberto de tatuagens explicitamente nazistas, mas mesmo assim foi premiado como Herói da Federação Russa em pleno 2016, com direito a uma foto sorrindo ao lado de Putin.

Como Robert Horvath refletiu no livro Os fascistas de Putin, o Kremlin construiu laços com grupos neonazistas na Rússia para policiar a dissidência interna, tornando-se o principal patrocinador da extrema-direita ocidental por décadas.

A narrativa de um batalhão nazista ucraniano ativo no momento acaba gerando uma sensação de "procrastinação moral" em relação à invasão da Rússia, como Anton Shekhovtsov observa no Tango Noir, já que a inação acaba se tornando "moralmente justificada" quando a guerra coloca dois lados igualmente problemáticos um contra o outro.

Isso torna a tomada de difíceis e coletivas decisões mais complicada para enfraquecer a máquina da guerra russa, causar um desmonte e a levar ao fim.

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