Ciência
24/06/2023 às 05:00•4 min de leitura
Quando o arqueólogo Heinrich Schliemann partiu para Ítaca, na Grécia, em 1868, ele tinha uma missão em mente: encontrar a cidade antiga de Troia utilizando o livro épico de Homero, A Ilíada. Para ele, o livro era um mapa que mostrava onde essas cidades antigas estavam escondidas.
Nos anos seguintes, o alemão saiu viajando pelo Mediterrâneo, seguindo os conselhos de Homero para tudo — desde os costumes locais até como se cuidar de machucados. "Uma das coisas mais legais dele era o interesse histórico de verdade. Ele queria desvendar o mundo de Homero, saber se aquilo tudo era real, se a Guerra de Troia realmente aconteceu", conta o estudioso de clássicos D.F. Easton.
(Fonte: Wikimedia Commons)
Em 1871, Schliemann conseguiu realizar o sonho de encontrar a cidade de Troia. Essa descoberta lançou ele para a fama, e com ela, um monte de interesse em tudo que ele encontrou. O arqueólogo destemido achou a cidade homérica, mas achou outra coisa também — a suástica, um símbolo que ia ser usado para mudar a história do mundo.
"Combate entre Menelau e Heitor (da Ilíada). De uma bandeja do final do século VII." (Fonte: J. F. Horrabin/Wikimedia Commons)
Schliemann achou sua cidade épica — e a suástica — na costa da Turquia, no mar Egeu. Ele continuou as escavações que o arqueólogo britânico Frank Calvert tinha começado em um lugar chamado monte Hisarlik. Os métodos do Schliemann eram meio brutos — ele usava alavancas e outros "trambolhos" para cavar que, curiosamente, funcionavam.
Rapidinho, ele percebeu que o lugar tinha sete camadas diferentes de sociedades que existiram há milhares de anos. Schliemann encontrou Troia — e os restos de civilizações que vieram antes e depois dela. Nos cacos de cerâmica e esculturas encontradas nas camadas, ele achou pelo menos 1800 versões do mesmo símbolo: umas rodinhas chamadas "fuso", ou suásticas.
(Fonte: Steven Heller/Reprodução)
A partir daí, ele começou a ver a suástica em todo lugar, do Tibete ao Paraguai, de monumentos da deusa grega Artemis à representações de Buda; até na Costa do Ouro, na África, e em sítios dos nativos americanos. E, conforme as aventuras do arqueólogo ficavam mais famosas e as descobertas arqueológicas viravam uma forma de criar uma história nacional, a suástica foi ganhando cada vez mais destaque.
Virou moda como símbolo de boa sorte, aparecendo em produtos da Coca-Cola, materiais dos escoteiros, e até nos uniformes militares dos americanos, segundo a BBC. Mas, conforme a fama crescia, a suástica se envolveu com um movimento muito mais explosivo — uma onda nacionalista que estava se espalhando pela Alemanha.
(Fonte: Carsten Koall/Getty Images)
As descobertas da escavação de Schliemann de repente ganharam um significado mais profundo e ideológico. Para os nacionalistas, o símbolo "puro ariano" que Schliemann encontrou, não era mais um mistério arqueológico — era uma bandeira da superioridade deles.
Grupos nacionalistas alemães, como o Reichshammerbund — grupo anti-semita de 1912 — e os Freikorps bávaros — paramilitares que queriam derrubar a República de Weimar na Alemanha—, usaram a suástica para mostrar a "nova identidade" deles como raça dominante. Para esses radicais, pouco importava que, tradicionalmente, o símbolo significava boa sorte e positividade.
(Fonte: Getty Images)
"Quando Heinrich Schliemann descobriu decorações parecidas com a suástica em cacos de cerâmica em todos os níveis arqueológicos de Troia, isso foi visto como prova de uma continuidade racial e de que as civilizações que viviam lá eram arianos desde sempre", escreveu a antropóloga Gwendolyn Leick. "A ligação entre a suástica e a origem indo-europeia, uma vez feita, era impossível de ser ignorada. Isso permitiu que eles projetassem sentimentos e associações nacionalistas nesse símbolo universal, que passou a marcar a diferença entre identidade não-ariana, ou melhor, não-alemã, e a identidade alemã."
Conforme a suástica se misturava cada vez mais com o nacionalismo alemão, a influência de Hitler só aumentava — e ele pegou a "cruz torta" como símbolo do partido nazista em 1920. "Ele gostou porque o símbolo já estava sendo usado por outros grupos nacionalistas e racistas", conta Steven Heller, autor do livro A suástica: símbolo sem salvação?.
Os pesquisadores também acreditam que o ditador do Reich Alemão sentiu a necessidade de ter um símbolo forte, como o martelo e a foice — eternizados como o símbolo do comunismo. Para consolidar de vez a suástica como símbolo do poder nazista, Joseph Goebbels — ministro da propaganda de Hitler — lançou um decreto, em 19 de maio de 1933, que proibia o uso comercial não autorizado da cruz torta. O símbolo também marcou presença no filme propagandista Triunfo da vontade de Leni Riefenstahl, cineasta alemã representante dos ideais da estética nazista.
(Fonte: Ilia Yefimovich/Getty Images)
Os esforços para proibir a exibição da suástica e outras iconografias nazistas nos anos pós-guerra — inclusive as leis criminais alemãs atuais que proíbem o uso público da suástica e da saudação nazista — só serviram para consagrar ainda mais o regime maldito que adotou o símbolo. Hoje em dia, a suástica continua sendo uma arma nas mãos de grupos supremacistas brancos pelo mundo todo. Nos últimos meses, ela voltou com tudo nos Estados Unidos e no Brasil.
Ainda para Heller, essa é uma batalha perdida. "Enquanto esse símbolo continuar capturando a imaginação das pessoas, representando o mal, enquanto ele ainda tiver força, vai ser muito difícil purificá-lo." finaliza.
No Brasil, a exibição da suástica é proibida e constitui um crime. De acordo com a Lei n.º 7.716/89, que aborda os delitos de discriminação por crença, raça ou cor, é proibida a divulgação do ideário nazista, sendo considerado crime a fabricação, comercialização, distribuição ou associação de emblemas, ornamentos, distintivos ou propagandas que façam uso da cruz suástica ou gamada. A pena prevista é de dois a cinco anos de reclusão, além de multa. É importante respeitar essa legislação, pois se trata de um assunto sério e delicado e, claro — muito triste.