Estilo de vida
21/11/2022 às 05:21•3 min de leitura
Quando agentes policiais guianeses e agentes do FBI chegaram à comunidade de Jonestown, na Guiana, em 18 de novembro de 1978, a cena era aterradora. Centenas de corpos sem vida estavam espalhados pelo chão do agrupamento de casas e cabanas instalado próximo à cidade de Port Kaituma, no norte do país.
As cerca de 900 pessoas que morreram naquele dia — das quais 304 eram crianças e adolescentes menores de 17 anos — eram todas norte-americanas e estavam instaladas na Guiana para formar uma comunidade rural autossustentável afastada dos Estados Unidos, sob a chancela da igreja Peoples Temple (O Templo do Povo, em tradução livre) e lideradas pelo pastor Jim Jones.
Um verdadeiro fenômeno dos anos 70, o reverendo pastoreou fiéis, em sua maioria afrodescendentes, de uma congregação predominantemente negra norte-americana, convencendo-os a abandonar o país e construir uma nova sede para a sua fé, longe da sua terra natal e de toda a especulação midiática que cercava Jones.
A misteriosa comunidade, no entanto, nunca saiu do radar de algumas das autoridades do país. No dia 14 de novembro 1978, o deputado Leo Ryan decidiu visitar o acampamento para averiguar se as pessoas que haviam se mudado para lá estavam, de fato, em segurança. Ele recebia relatos de trabalho forçado, prisões e condições insalubres de vida.
Depois da visita, no entanto, Ryan percebeu que as pessoas estavam descontentes e deixou Jonestown levando alguns dos membros da seita. Ele não chegou a decolar no voo de volta, quando sua comitiva foi pega de surpresa por homens armados que deixaram quatro pessoas mortas, entre elas o próprio Ryan.
A tragédia poderia ter parado por aí. Mas não foi o caso: em Jonestown, Jones reunia seus seguidores e convidava todos para comerem, juntos, uma fruta que na verdade continha cianeto, uma substância mortal. O próprio Jones foi encontrado morto, mas, ao invés do veneno, tinha um tiro na cabeça, que, acredita-se, foi dado por sua enfermeira, Annie Moore, que cometeu suicídio com a mesma arma logo em seguida.
Por que tantas centenas de pessoas se deixaram levar pelas palavras do reverendo, a ponto de cometerem suicídio? A verdade é que até hoje não se tem certeza de que os fiéis do Templo do Povo sabiam que as frutas estavam envenenadas. Há quem aponte que, na realidade, o massacre de Jonestown tenha sido um assassinato em massa, já que as pessoas teriam sido coagidas pelo pastor. Uma das hipóteses do FBI é a de que Jones teria dito a elas para ingerirem as frutas; caso contrário, os militares guianeses chegariam e retirariam as crianças da comunidade.
Ainda assim, o massacre de Jonestown é considerado o maior suicídio em massa da história dos Estados Unidos.
Depois fundar uma igreja na Indiana, Jones percebeu que precisava ir além e, sob a justificativa de "fugir de uma eventual bomba nuclear", mudou-se para a Califórnia, para onde levou boa parte dos fiéis com ele até uma cidade chamada Esquire, considerada uma das mais seguras em caso de um ataque do tipo.
O grande atrativo do Templo do Povo, além do sedutor e manipulador discurso de Jones, era o apelo inter-racial. Ali, não importava de qual raça ou cor a pessoa fosse: ela era aceita como parte da família.
Em um documentário sobre Jonestown feito nos anos 2000, alguns dos ex-participantes da comunidade e da igreja People's Temple relatam uma verdadeira lavagem cerebral. As pessoas estavam felizes lá, a princípio.
Inusitado e atrativo para o público, com suas palavras, promessas e seu mascote, o macaquinho Mr. Muggs, ele convencia os seguidores a vender seus bens e entregar o dinheiro acumulado durante toda uma vida para a igreja, em troca de cuidado e um local para morar. Porém, na prática ele explorava sua mão de obra, convencendo os membros da igreja a trabalharem, muitas vezes cerca de 20 horas por dia, em prol do templo.
Utilizando técnicas para convencer os frequentadores da igreja, como a simulação de milagres e curas, chantageando alguns dos seguidores e seduzindo outros, ele chegou a se relacionar sexualmente com muitas das mulheres que integrava o templo. “Ele dizia que todo mundo era homossexual. Todas as mulheres eram lésbicas, todos os homens eram gays. Jim era o único heterossexual do planeta”, diz uma das participantes da comunidade que sobreviveu.
Depois do ocorrido em Jonestown, os poucos sobreviventes conseguiram retornar para os Estados Unidos, muitos deles tendo perdido familiares e amigos durante o massacre. As histórias dessas pessoas já foram contadas em filmes e documentários, que apontam as razões e saídas encontradas por elas.
É o caso, por exemplo, de uma mãe e seu filho de 3 anos que haviam saído da comunidade algumas horas antes e caminhado quase 60 quilômetros para finalmente conseguir fugir, usando a desculpa de que estavam indo para um piquenique — não era permitido sair de Jonestown sem autorização, e as entradas e saídas eram guardadas por homens armados.
Outra história emblemática é a da idosa Hyacinth Thrash, que estava dormindo durante o momento do massacre. Isolada do centro da ação por estar no prédio dos idosos, ela acordou no final da manhã de 18 de novembro e saiu para caminhar pelo acampamento, quando viu as centenas de corpos cobertos por lençóis. "Lá estavam todos aqueles mortos sendo colocados em sacos, pessoas que eu havia conhecido e amado... Deus sabe que eu nunca quis ir para lá, para começo de conversa. Eu nunca quis ir para a Guiana para morrer e eu não pensei que Jim faria algo assim. Ele nos decepcionou muito."
Você pode assistir ao documentário completo sobre Jonestown aqui: