Artes/cultura
18/12/2019 às 14:00•5 min de leitura
Um estudo publicado em 2012 na revista Agression and Violent Behavior, definiu que as motivações por detrás da mente de uma pessoa que possui impulsos de perseguição incluem uma crença ilusória em um destino romântico a dois, uma necessidade de recuperar um relacionamento passado, um desejo sádico de atormentar a vítima ou uma hiper identificação psicótica com essa e o desejo de substitui-la. Psicologicamente, os stalkers acabam sendo afetados por diversos quadros clínicos, como desordens de personalidade, distúrbios psicóticos, ilusórios e esquizofrênicos.
Em alguns casos, a erotomania costuma se desenvolver no comportamento da mente perseguidora. O transtorno é marcado pela convicção irreal de que o objeto de desejo dessa pessoa está também secretamente apaixonado por ela. O indivíduo cria falsas comprovações que o levam a tirar essas conclusões, como acreditar que o outro se comunica com ele através de gestos de postura, contatos visuais e cumprimentos.
No outono de 1968, a estudante Tatiana Tarasoff foi uma das maiores vítimas da mente de um stalker.
Em 1967, Prosenjit Poddar era um estudante de engenharia naval intercambista de Bengal, na Índia. O garoto possuía uma mente tão brilhante para os estudos que foi o primeiro indiano do sistema de casta Dalit – trabalhadores pobres e braçais desprezados pela sociedade – que conseguiu ganhar o seu direito de estudar no exterior. Foi em setembro do mesmo ano que ele conseguiu uma vaga na Universidade da Califórnia, em Berkeley, como estudante em período de graduação.
No entanto, por detrás dos muitos anos dedicados aos livros, havia um garoto tímido, com baixa-autoestima e que jamais havia compartilhado de um momento com nenhuma garota. Ele nunca havia beijado ou tido relações sexuais, quanto mais se apaixonado.
Numa tarde de outono de 1968, já com os seus 22 anos, Poddar estava fazendo aulas de dança folk no mesmo pavilhão onde morava na universidade, quando viu pela primeira vez a russa Tatiana Tarasoff, de 18 anos de idade, e os primeiros sintomas de suas ilusões infectaram o seu sistema quase que imediatamente. Os dois conversaram e chegaram a formar um par durante a aula e isso foi mais do que o suficiente para alarmar todas as mais precoces fantasias do rapaz. Quando esse voltou para o seu quarto na república, ele escreveu para os seus pais que havia encontrado uma pessoa e de que o casamento poderia estar próximo. A partir daí, a sua obsessão só cresceu.
Filha de imigrantes russos que se mudaram primeiro para o Brasil e depois para os Estados Unidos, Tatiana Tarasoff vivia sob a superproteção dos pais e o regime de total controle das rédeas de sua vida. Ela era proibida de usar maquiagem, às vezes até mesmo de se vestir como desejava e tinha os horários e lugares para onde ia controlados por eles. Dessa forma, a jovem criava uma rede de mentiras para conseguir ter o mínimo de autonomia o possível e escapar da vista de Alex Tarasoff, seu irmão mais velho, incumbido de levar e buscá-la em todos os lugares.
Tatiana foi contagiada com a gentileza e o jeito manso de Prosenjit Poddar e, aos poucos, foi se aproximando cada vez mais dele, que também foi fazendo o mesmo. A garota começou a retribuir as gentilezas dele e a demonstrar que queria criar um elo de amizade, sobretudo por ver como o jovem era sozinho e excluído daquela realidade totalmente diferente. Eles iam ao cinema, saíam para comer e praticavam outras atividades juntos.
Enquanto isso, Poddar interpretava essa companhia como um desejo mútuo da garota. Por vezes, Tatiana até chegou a cruzar o limite de amizade e demonstrar um interesse mais íntimo, instigada por toda a sua privação, dando margens que foram interpretadas como possíveis chances de eles estarem juntos, alimentando ainda mais os sonhos mais selvagens do garoto. Em vista disso, Poddar montou um sistema de gravação em seu quarto para ter supostas provas concretas e indiscutíveis de que ela o amava. Porém, tudo o que Tatiana confessava era sobre suas privações, amenidades e de como existia um garoto que ela gostava.
Quando ele ofereceu um sari – roupa típica indiana – para Tatiana, como símbolo de um compromisso formal, ela se assustou e falou que não gostava dele da mesma forma que ele. E, à medida que a jovem foi se distanciando cada vez mais, o afeto dele só aumentou.
Não fazia sentido na cabeça de Poddar que Tatiana não queria estar mais com ele, principalmente depois de terem saído tanto e conversado sobre intimidades de suas vidas. Sendo assim, ele continuou a tentar fazê-la mudar de ideia a todo custo, aparecendo na casa dela, ligando por diversas vezes sem parar, seguindo ela pelos lugares e surgindo sem ser convidado.
Nos meses seguintes sem a presença da garota, Prosenjit Podar sucumbiu a uma profunda depressão, deixando de ir ao trabalho, a faculdade, de tomar banho, comer e sair de casa. Imerso em desespero, ele se aproximou de Alex Tarasoff, chegando a se mudar para poder ficar mais perto da irmã do garoto. Os picos de ódio mortal que faziam tê-lo vontade de incendiar a casa de Tatiana Tarasoff se misturavam com uma eloquência apaixonada.
Nas férias de verão de 1969, Tatiana Tarasoff viajou para o Brasil e o jovem enlouqueceu de vez apenas por não poder a inspecionar de perto ou saber onde a encontrar. Ele teve uma crise nervosa tão grande que teve que ser hospitalizado e medicado. Por sugestão de um amigo próximo, ele acabou aceitando a sugestão de uma assistência psicológica.
Prosenjit Poddar começou a visitar o consultório do Dr. Lawrence Moore, psicólogo do Hospital Memorial Cowell, em Berkeley. Durante as sessões semanais, ele confidenciou toda a sua história e começou a expressar as suas vontades de matar Tatiana, por não aguentar mais ficar longe dela. Ele disse que planejava comprar uma arma e depois esfaqueá-la. Para ele, não havia vida enquanto não pudesse tê-la.
À essa altura, o diagnóstico do médico foi de que o rapaz sofria de esquizofrenia paranoica aguda e grave, embora aparentasse um estado racional e equilibrado. Lawrence Moore ficou preocupado e se perguntou várias vezes se deveria quebrar o sigilo médico e contar às autoridades sobre a ameaça que o garoto representava. Porém, ele apenas pediu que Poddar jurasse que interromperia qualquer vínculo com a garota.
Em seguida, o jovem parou de visitar o consultório do médico.
Na noite do dia dia 27 de outubro de 1969, certo de seus sentimentos e absorto num tormento interno, Prosenjit Poddar tocou a campainha da casa de Tatiana Tarasoff. A garota atendeu a porta e, aos berros, ordenou que ele fosse imediatamente embora e a deixasse em paz. Contudo, o jovem apenas sacou o revólver e o descarregou na direção dela. Em pânico, Tatiana correu, mas Poddar a perseguiu até conseguir agarrá-la. Então sacou a faca de cortar carne e golpeou a garota por oito vezes para “acalmá-la”, segundo ele mesmo declarou.
Depois de consumado o crime, ele entrou na casa da garota e fez uma ligação para a polícia: “Eu acabei de matar a minha namorada”.
Tatiana morreu assim que chegou ao hospital. Poddar foi considerado culpado pelo homicídio e condenado a cinco anos de prisão. No entanto, o advogado recorreu à sentença e um novo juiz concordou em libertar Prosenjit Poddar sob a condição de que ele seria deportado para a Índia e proibido de voltar aos Estados Unidos.
Não conformados com a pena e o fato de que a Lei poderia ter evitado o crime, os pais de Tatiana insistiram e fizeram da morte da filha o caso Tarasoff vs. Regentes da Universidade da Califórnia, levando-o até à Suprema Corte da Califórnia. Só em 1976, após anos de intensos debates e deliberações com a Associação Americana de Psicologia, foi determinado que os psicoterapeutas têm o dever de romper o sigilo paciente x terapeuta, uma vez que proteger vítimas em potencial e a segurança pública é mais importante do que o compromisso com o cliente. O profissional pode cumprir o seu dever perante à Lei notificando a polícia, avisando a vítima pretendida ou tomando outras medidas razoáveis.
Apesar da grande controvérsia no âmbito médico, a Lei de Tarasoff, conhecida como Dever em Proteger (Duty to Warn), foi adotada em muitos estados norte-americanos e possui legislações semelhantes em vários outros países, dando menos oportunidades que outras pessoas tenham o fim de Tatiana.