Ciência
08/04/2020 às 14:00•4 min de leitura
Adolf Hitler tinha um plano — na verdade, ele tinha vários. Um deles, a eugenia das raças, era apenas a ponta do iceberg de seus princípios, que eram bem mais gananciosos. Os campos de concentração na Alemanha serviram como um ensaio para o que ele ansiava alcançar. Um dos planos do político alemão foi o intitulado Plano Geral do Leste e visava a um genocídio e uma limpeza étnica que seria realizada em todos os territórios ocupados pela Alemanha Nazista, partindo do Leste Europeu.
Se a Grã-Bretanha tivesse caído para o nazismo, Hitler introduziria uma nova lei que definiria que todos os homens saudáveis entre 17 anos e 45 anos de idade fossem transferidos para a Europa continental para serem usados como escravos. As mulheres e as crianças ficariam em casa, mas todo o tipo de bem material seria tirado delas, deixando-as com menos do que o essencial para viverem. A iniciativa previa ir mais longe e exterminar pelo menos 80% da população britânica.
Em adição a isso, tomado de um nacionalismo extremo, Hitler queria colocar em prática o plano de Espaço Vital (Lebensraum), que estabeleceria a Nova Ordem, criando uma geração de jovens arianos fisicamente aptos e obedientes através de programas nazistas, como o Juventude Hitlerista, pois eles seriam os responsáveis por unir a Alemanha e torná-la a nação mais forte do mundo.
A eugenia das raças era um dos principais planos de governo de Hitler.
Entre um dos planos também estava o Casamento Duplo. Com muitos soldados do Partido Nazista abatidos durante os conflitos, todo homem clinicamente elegível, preferencialmente de origem ariana, saudável e membro do Partido Nazista, deveria procriar o máximo possível para preservar a chamada "supremacia racial". Sendo assim, mulheres dariam à luz a no mínimo oito filhos, automaticamente se tornando heroínas do Reich e salvando a raça que estaria em toda a face da Terra.
Os nazistas planejavam colocar um gigantesco espelho espacial com 1,6 quilômetro de diâmetro em órbita, a cerca de 35,9 mil quilômetros acima do globo terrestre. A ideia era basicamente o equivalente a um garotinho nazista espacial com sua lupa queimando formigas com os raios solares. Toda a vez que alguém deixasse os nazistas enfurecidos, eles inclinariam o espelho para refletir os raios do sol na cidade ofensora e puni-la. Em tese, os raios solares se transformariam em raios ardentes que incendiariam tudo o que tocassem.
Mas Hitler queria ir além. Ele tinha mais ambições do que um simples espelho espacial. Fazendo uma aliança com os irmãos Heck, o líder nazista queria iniciar um processo de "desextinção".
Lutz Heck
Lutz Heck era filho do diretor de um zoológico em Berlim, então toda a formação de sua infância e as mais tenras memórias dele estavam vinculadas com a vida selvagem que ele cresceu vendo o pai gerir. Mas ele não esteve sozinho nesse universo, pois teve ao seu lado o irmão mais novo, Heinz Heck. Conforme foram crescendo, ambos perceberam que, em vez de simplesmente protegerem os animais, nutriam um pensamento mais obscuro: queriam submetê-los a experimentos.
A vontade de explorar a raça animal fez de Lutz Heck zoologista e de seu irmão biólogo. Eles se envolveram em debates ferrenhos sobre o papel dos seres humanos na prevenção da extinção e na criação de novas espécies. Foi Lutz quem se mostrou mais entusiasmado com a possibilidade de ressuscitar auroques (uma espécie de bovino selvagem extinto que habitou a Europa, a Ásia e o norte da África), recriando um fenótipo extinto por meio de criação seletiva.
Eles viajaram pelos continentes em busca de espécies domésticas adequadas que apresentassem as principais características da linhagem genética dos auroques, como o touro espanhol e o gado escocês das montanhas. Assim, poderiam recriar os animais escolhendo cor e comportamento do chifre e refazendo as outras partes até que tivessem algo parecido com os auroques.
Enquanto Heinz via toda a extinção como uma progressão natural do resultado de tribos nômades que caçavam, Lutz via a desextinção como parte da recriação da paisagem mítica alemã dos tempos antigos, quando a raça ariana era pura e livre de ameaças. Em adição a isso, o zoólogo acreditava que o ressuscitar dos auroques seria uma espécie de arauto nacional-socialista.
Foi aí que Lutz começou a demonstrar os primeiros interesses pela ideologia de Hitler.
Lutz e Goring também visavam à pureza da natureza.
Depois de muito flertar com as ideias, Lutz ingressou de vez no Partido Nazista e teve o próprio Hitler como apoiador oficial de seu projeto de desextinção, que passou a ser algo que pertencia totalmente ao nazismo. Os irmãos integraram a organização de pesquisa científica de Heinrich Himmeler, chamada Annenerbe, que era endereçada ao estudo do povo ariano e a sua extensão da raça.
Com a supervisão e as ideias de Hitler, Lutz começou a pedir a transformação de terras recém-conquistadas no leste para poder recriar a floresta descrita no poema épico germânico escrito na Idade Média, por volta de 1200, chamado Nibelungenlied (A Canção dos Nibelungos, em tradução livre). A ideia era remontar a era do nomadismo dos povos bárbaros, gerando um habitat propício para a espécie recriada. Lutz estudou crânios e pinturas rupestres para decidir como os auroques deveriam se parecer.
Então, em 1932, após fazer o cruzamento de vários tipos de gado, finalmente nasceu o primeiro touro, que passou a ser chamado de Glachl, e supostamente se tratava de um auroque. O animal era o resultado do cruzamento de 75% do gado da Córsega com 25% de gado cinza, gado escocês e gado de Angeln.
O gado de Heck, como ficou conhecido na modernidade, era uma espécie alta, com chifres grandes e personalidade agressiva. O animal era capaz de sobreviver com cuidados humanos limitados e foi espalhado por todo o país, passando a viver em todos os lugares, do zoológico de Munique de propriedade dos irmãos até uma floresta na fronteira da Polônia e da Rússia.
Em seu livro-documentário, Lutz, assim que lançou os seus pseudoauroques para o mundo, escreveu: "Os auroques antes extintos ressurgiram como espécies selvagens alemãs no Terceiro Reich".
Hermann Goring
O projeto dos irmãos, mas principalmente de Lutz em parceria com Hitler, deu aos nazistas e às noções de pureza racial uma dimensão especial, em que até mesmo o ambiente social que estavam "consertando" estava sendo refeito organicamente com a conservação e o design da paisagem, que seria tão importante quanto a higiene racial destinada a purgar a base da hereditariedade.
A maioria do gado de Heck morreu principalmente durante os bombardeios a Berlim no fim da Guerra. Antes disso, Lutz já tinha unido esforços com Hermann Goring, o braço direito e segundo líder do Partido Nazista, que viu a oportunidade de proteger a natureza da mistura espúria das raças. Lutz continuou as experiências de reprodução com o apoio do líder, dessa vez testando tarpãs (cavalos selvagens euroasiáticos). As criações do zoólogo foram mais uma vez disseminadas em várias florestas e reservas de caça, nas quais existem descendentes até hoje.
Além de tudo isso, os dois homens se montavam com armaduras, lanças e outras armas para refazer o cenário de como a Alemanha era, principalmente do modo como era retratada no poema mítico Nibelungenlied.
A fascinação pela pureza dos tempos, desde a terra até os animais, era tamanha que eles viviam uma espécie de fantasia, como se pudessem voltar antes de tudo ser contaminado por outras raças, em uma mescla "suja" da continuação da linhagem alemã. Era o retorno a um passado heroico, "limpo", que na verdade estava apenas atrelado ao nacionalismo extremo, à antimodernidade, à anti-iluminação e ao desejo de triunfar por meio de emoções irracionais, místicas e repletas de um essencialismo cultural que se transformou em dogma e, consequentemente, em loucura.