Artes/cultura
13/04/2020 às 14:00•5 min de leitura
Mary Ann Robson nasceu no dia 31 de outubro de 1832. Ela era filha de um casal de jovens pobres que tinham uma vida de nomadismo por conta do pai, Michael Robson, que era marinheiro e normalmente encontrava trabalho longe de onde eles moravam.
Mary Ann cresceu escutando de todos que ela tinha uma beleza fora do comum. Além disso, teve o privilégio de desfrutar de sua infância apenas brincando e estudando, muito diferente da realidade de outras crianças.
Por volta de 1839, quando Mary tinha 6 anos, a família se mudou para uma aldeia perto de Murton (Inglaterra), assim que a Hetton Colliery (ferrovia para minas de carvão) se estabeleceu. Porém, quando a garota tinha 9 anos, o seu pai caiu dentro de um poço de carvão e morreu. O fato trágico marcou e mudou a vida de Mary Ann, no entanto não se sabe se foi marcante também de forma psicológica (deixando sequelas nunca recuperadas em sua psique infantil).
Mãe e filha permaneceram na aldeia após a morte do homem e tiveram a ajuda de inquilinos para os quartos da casa que alugaram, como forma de sustento para suas vidas. Aos 16 anos, Mary Ann foi embora de casa por não se dar bem com o novo marido de sua mãe, o mineiro George Scott. Durante esse período, ela foi trabalhar como enfermeira, professora dominical e criada para uma família endinheirada de South Hetton. Ela voltou após 3 anos à casa da mãe apenas para aprender a ser costureira.
Mary Ann Cotton mais jovem.
A essa altura, Mary Ann já era uma mulher, só que diferente. Durante os 3 anos que passou com a família rica, ela foi introduzida a um universo de deslumbre pautado em oportunidades mais "valiosas" do que o conforto comprado pelo dinheiro. Nesse ínterim, a mulher usou e abusou da beleza que pendurava nela. Assim, atraindo uma atenção fora do comum para uma pessoa pobre como ela e que deveria passar “despercebida” como toda a criadagem.
Assim que fez 20 anos, Mary Ann se casou com um mineiro chamado William Mowbray em uma cerimônia em Newcastle — lugar bem longe de onde seus familiares moravam, pois já estava grávida e não queria ser mal vista pelos outros.
O casal se mudou para o subúrbio da Cornualha, perto do rio Tamar, por conta do trabalho de Mowbray. A partir desse momento, a vida da mulher se tornou triste e obscura. Mesmo assim, ela teve “4 ou 5 filhos” (a mulher nunca conseguiu se lembrar do número exato), mas quase todos morreram precocemente. A exceção foi uma garota que ela nomeou Margaret, mas em 1860 a menina sucumbiu à escarlatina.
Então, mudaram-se para a região costeira de Sunderland, conhecida pela variedade de bares, marinheiros e bordéis. Lá, Mary e William tiveram mais 3 filhos: Margaret, Jane e John, mas o último faleceu de diarreia com apenas um ano de vida.
Em um curto período, a mulher tinha enterrado pelo menos 6 filhos. A dispensabilidade e sensação de abandono criaram raízes na vida emocional dela. Em vista disso, com o marido frequentemente fora de casa, ela começou a ter um relacionamento com um mineiro chamado Joseph Nattress. Ela engravidou e o bebê — que ela dizia ser de Mowbray — morreu logo depois que foi batizado, em setembro de 1864. No ano seguinte, William Mowbray morreu de tifo e, convenientemente, Mary Ann passou a receber o seu seguro.
A mulher sempre foi prestigiada pela sociedade da época.
A mulher começou a trabalhar como enfermeira em Sunderland assim que Margaret e Mowbray morreram, e Jane foi morar com a avó materna. Mary Ann ficou conhecida como uma profissional incrível e adorada. No hospital onde trabalhava, ela conheceu o belo George Ward, com quem engatou um romance e se casou semanas depois. Como de praxe, ninguém da família soube de nada. Depois de 15 meses, Ward morreu sob o atestado de cólera e febre tifoide, embora os sintomas descritos não batessem para os médicos. O homem deixou apenas o dinheiro do seguro para a esposa.
Sem filhos e marido, tampouco parecendo sofrer a dor do luto, Mary Ann se mudou de novo e arranjou um trabalho como doméstica. Ela prestava esse serviço a James Robinson — um viúvo e pai de cinco filhos — no subúrbio de Sunderland. Um dia depois, o filho recém-nascido dele supostamente morreu de febre gástrica.
Não demorou para que a mulher se aproveitasse da fragilidade do homem e se envolvesse com ele. No início de 1867, já grávida de Robinson, Mary Ann foi visitar a sua mãe doente, que morreu 9 dias depois, apesar de ter demonstrado melhoras. Então, Mary levou Jane consigo para a casa onde trabalhava. Porém, em um espaço de 4 dias, mais 2 filhos de James morreram e depois de 6 dias Jane Mowbray também faleceu (em 30 de abril de 1867, aos 9 anos).
Para evitar a ilegitimidade de seu próximo filho, Mary Ann e James se casaram à sombra das mortes de tantas outras crianças. A mulher nomeou a criança de Mary Isabella, que ficou doente e morreu em março do ano seguinte. O segundo filho do casal nasceu em junho de 1869 e lhe foi dado o nome George Robinson.
Logo após o nascimento do último filho, James Robinson descobriu que Mary Ann estava roubando a sua conta bancária e incentivando os filhos deles a penhorar os seus pertences para pagar as dívidas dela. Então, ela foi expulsa da casa do homem. Até hoje não se sabe com o que Mary Ann estava gastando dinheiro.
Frederick Cotton.
Ninguém nunca achou curioso o frequente fato de as pessoas morrerem ao redor de Mary Ann. A sociedade vitoriana da época se importava mais com a troca rápida de marido da mulher e como ela conseguia sempre atrair um mais bonito e bem-sucedido do que o outro. Então, ela seguia "feminina", prestativa e dedicada, sendo um estereótipo ambulante daquela sociedade.
Para o assombro de todos ao seu redor, Mary passou um tempo sozinha até conhecer Frederick Cotton, irmão de uma amiga sua, Margaret Cotton. Ela rapidamente fez de tudo para seduzir o viúvo que perdera 2 de seus filhos, pois descobriu que Frederick receberia o seguro de 60 euros caso a sua irmã morresse. Algumas semanas depois, Margaret apareceu morta, e Mary Ann grávida.
Em setembro de 1870, Frederick se casou na igreja St. Andrews, em Newcastle, sem saber que Mary Ann já era casada. A família se mudou para o sul de Durham, e Frederick morreu no ano seguinte sem nunca saber da bigamia de sua esposa. Mary Ann, por sua vez, recebeu uma indenização pelos 2 filhos do homem e mais a ajuda de Joseph Nattress, um antigo caso amoroso que a reencontrou e foi morar com ela.
Na primavera de 1872, misteriosamente, morreram Nattress e mais 2 crianças da família Cotton. Quando indagada por Thomas Riley, um paroquiano local, se o filho em seus braços não a atrapalharia enquanto prestava cuidados a uma mulher que estava doente de varíola, Mary Ann simplesmente respondeu: “Eu nunca me incomodo por muito tempo. Eles sempre se vão”. Cinco dias depois, o último membro da família Cotton, Charles, ficou doente de repente e morreu.
Mary Ann, como uma nuvem escura e sinistra, seguiu a vida.
Contudo, Thomas Riley recebeu a notícia da morte do garotinho com suspeita, pois a criança parecia perfeitamente bem dias antes. Enquanto todos consolavam a mulher, ele alertou a polícia e os convenceu a abrir um inquérito. Quando o médico reteve amostras do estômago de Charles Cotton depois de exumá-lo, descobriu que continham resquícios de arsênico no organismo do garoto.
A mídia da época fez do caso um circo.
Para a surpresa de todos, Mary Ann Cotton foi presa no dia 18 de julho de 1872 pelo assassinato de Charles Cotton. Ela se manteve uma muralha de silêncio com relação a tudo, porém as investigações começaram a fazer o trabalho que a língua da mulher não faria. Eles refizeram a vida inteira dela e foram exumando os cadáveres de Nattress, Frederick Cotton Jr e Robert, nos quais descobriram mais arsênico.
Isso foi mais do que o suficiente para o juiz. No entanto, Mary Ann já tinha ido muito além: ela havia assassinado absolutamente todos os seus filhos, exceto os 6 primeiros que tivera com William Mowbray; todos os maridos; a sua cunhada; e até a própria mãe. Todos com doses de arsênico. Porém, foi a sua postura, o seu jeito resignado e de falsa dor que nunca permitiu aos médicos irem além. Afinal, ela era só mais uma mulher enlutada.
Mary Ann Cotton, usando a estrutura social em que se encaixava para desenvolver o seu modus operandi, foi a primeira assassina em série da história da Europa. Esse histórico só foi ofuscado por seu sucessor: Jack, o estripador.
Em 24 de março de 1873, a mulher foi enforcada. O cadáver dela permanece suspenso até hoje no folclore europeu, como o canto de uma antiga canção infantil: “Mary Ann Cotton, ela está morta e podre. Deitada na cama com os olhos abertos. Oh, o que devo cantar? Mary Ann está amarrada com barbante...”.