A bizarra indústria cosmética ao longo dos séculos

17/06/2020 às 14:003 min de leitura

Ainda que nem todas as pessoas sejam personificações de um Narciso, é impossível dizer que os seres humanos não são criaturas visuais. A imagem está associada ao meio social, por isso a aparência é a primeira coisa notada ao conhecer alguém, portanto é de se esperar que historicamente a preocupação com a beleza estética sempre tenha sido levada em consideração.

Cosméticos e cuidados com a pele existem desde os tempos antigos, quando as civilizações usavam maquiagem durante os seus rituais religiosos, tanto para aprimorar a beleza quanto para incitar a boa saúde em época de meios escassos. Os egípcios, por exemplo, são os povos mais reconhecidos pelo uso de maquiagem, tendo o delineador como uma marca registrada entre eles.

No entanto, ao longo do tempo, com a poluição, os agentes climáticos e a necessidade de se estruturar socialmente, as pessoas ultrapassaram todos os limites de preocupação com a aparência e começaram a ingerir ou passar substâncias nocivas na pele com a esperança de alcançarem uma falsa perfeição proporcionada pelo retoque estético.

Bonita para sempre

(Fonte: Research Gate/Reprodução)(Fonte: Research Gate/Reprodução)

Na Idade Média, o Bloodletting era muito praticado pelas mulheres. O método consistia em causar o próprio sangramento com o intuito de alcançar uma aparência mais pálida e jovem. A palidez da pele era um indicativo de riqueza, pois significava que nenhuma dessas pessoas trabalhavam fora. Na época, esse tipo de sangria também era tido como um cicatrizante natural para algumas doenças físicas. No entanto, sangrar por motivos cosméticos causava baixa imunidade, desmaios, fadiga e doenças oportunistas.

Foi em meados do século XVIII que a indústria cosmética começou a crescer. Todos os produtos eram feitos com altas doses de chumbo em sua composição. Foi dessa forma que mulheres como Maria Gunning, a condessa de Coventry, morreram pelo uso excessivo de ceruse veneziano. Esse composto era um pó branco de chumbo usado como branqueador de pele, embora também fosse aplicado na fixação de penteados. A condessa morreu envenenada aos 27 anos, em 1760.

Durante o período Vitoriano, os anúncios prometiam uma “palidez mortal” nos produtos que possuíam um pouco de arsênico. Até certo ponto eles estavam certos sobre isso, pois a substância letal usada por anos como veneno era também altamente cancerígena.

(Fonte: Quora/Reprodução)(Fonte: Quora/Reprodução)

Nos Estados Unidos do final do século XIX, por toda a parte começou a ser divulgado que bolachas cosméticas comestíveis contendo o mesmo veneno removeriam sardas, espinhas e outras marcas faciais indesejadas. "Bolachas de tez de arsênico", dizia o rótulo dos produtos, fazendo uma alusão à brancura mortal da Era Vitoriana.

Os estudos desenvolvidos pelo botânico Michael Largo apontam que as mulheres usavam a planta venenosa beladona ("mulher bonita", em tradução livre) como óleo para dilatar as pupilas e ganharem um aspecto mais sedutor. Vários cosméticos foram produzidos com o extrato dessa planta, que é a mesma usada por muitos assassinos em série em suas vítimas.

Uma beleza que queima

(Fonte: Quora/Reprodução)(Fonte: Quora/Reprodução)

Foi por volta de 1896 que os cientistas começaram a usar a radiação descoberta por Wihelm Röntgen sem ao menos compreenderem os efeitos fatais que ela poderia acarretar. No início do século XX, empresas, como a Radior e a Tho-Radia, fizeram questão de panfletar que os seus produtos eram à base de elementos muito radioativos, porém com o intuito de revitalizar a pele.

A maioria das pessoas acreditava que o rádio era uma substância química que podia curar qualquer coisa por simplesmente possuir energia, por isso houve o uso indiscriminado dele em sabonetes e maquiagens. A exposição a esse elemento pode causar câncer, deterioração da pele, doença da radiação, falência de órgãos e morte. O rádio descoberto por Marie e Pierre Curie, em 1898, é considerado um milhão de vezes mais radioativo do que o urânio, o mesmo utilizado em uma bomba nuclear.

Os produtos fabricados pela Tho-Radia não só continham rádio como também tório, que é outro elemento muito radioativo. A empresa francesa fundada pelo médico e farmacêutico Alexis Mousalli garantia aos clientes que seus produtos possuíam um “método científico único de beleza”. Em cremes como o La Crème Tho-Radia, o anúncio prometia que o produto ativaria a circulação, firmaria os tecidos, removeria a gordura, as rugas e também tonificaria a pele. Um tubo custava apenas 10 francos. O produto ainda era indicado para arranhões, contusões, ulcerações e impetigo.

Em 1933, a empresa lançava também a sua linha de maquiagem radioativa, tendo como carro-chefe o pó facial (que supostamente impedia a herpes) e o batom vermelho com “brilho reluzente”. Além disso, um creme dental que continha os isótopos mortais afirmava causar uma “irradiação” de brilho que durava até 24 horas.

Matando quem não compra

(Fonte: Pinterest/Reprodução)(Fonte: Pinterest/Reprodução)

O rádio se tornou um elemento muito popular no mercado, pois a radioatividade em si era uma descoberta muito recente e ainda pouco estudada, portanto significava uma tendência mundial usá-la em qualquer coisa. A fascinação era tanta que até mesmo o mero anúncio de algo com radiação era o suficiente para atrair milhares de consumidores. No final das contas, era uma falsa ideia de valor.

Felizmente, os cremes radioativos não causaram muitos danos na pele de seus consumidores, mas nos bolsos sim. Já os trabalhadores das indústrias não tiveram tanta sorte assim, pois muitos deles morreram devido à constante exposição a diversos níveis de radiação e ao manuseio inadequado de componentes químicos.

O Tho-Radia não fez vítimas diretas, mas alguns produtos alimentícios se provaram letais o suficiente. A bebida energética chamada Radithor, que consistia em água destilada com pequenas quantidade de rádio, prometeu servir de medicação para enfrentar várias doenças, entre elas a diabetes, a impotência e perda do apetite sexual.

Levava tempo até que a pessoa sofresse de uma morte horrível, com direito a abcessos no cérebro, buracos no crânio e até perda da mandíbula depois de ter acumulado rádio o suficiente nos ossos, como aconteceu com o atleta Eben Byers em 1932.

Atualmente, a indústria cosmética corresponde a 36,4% do mercado global, tendo os Estados Unidos como líder do ranking, com uma receita estimada de cerca de 62,46 bilhões de dólares, de acordo com dados levantados em 2016. É o suprassumo da beleza.

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