Artes/cultura
25/11/2020 às 15:00•4 min de leitura
Já faz 42 anos que o pregador religioso Jim Jones, líder da seita apocalíptica Templo do Povo, obrigou 909 seguidores, sendo 304 crianças, a cometerem suicídio por envenenamento. Eles consumiram cianeto no pavilhão central de Jonestown, uma fazenda na Guiana, onde foi formado uma colônia de fiéis. Essa tragédia se tornou o maior suicídio em massa da história.
Na década de 1970, o culto, que tinha base na Califórnia, na cidade de Ukiah, chegou a reunir mais de 3 mil membros, sendo que cerca de 70% a 80% deles eram afro-americanos e pobres. A igreja se mantinha por meio de doações dos devotos e também de pessoas ricas e influentes. Portanto, não demorou para que Jones criasse um império que vendia de tudo, chegando a ter até uma estação de rádio e a própria gravadora de discos.
Desde a fundação, em 1950, Jones enxergou o templo como uma maneira de fazer política. Marceline, a esposa do pregador, deixou claro que ele não se atraiu pelo ministério por causa de fé, mas sim porque viu que por meio dele conseguiria alcançar uma mudança social pelo marxismo.
Jones usou a religião para tentar tirar as pessoas do ócio que era a fé. Em suas palavras, o homem disse que “queria destruir esse ídolo de papel”, referindo-se à Bíblia.
Em 1953, foi conversando sobre comunismo com um superintendente metodista que ele conheceu, em um estacionamento de carros usados, aquele que conseguiu sua primeira igreja.
Jones subiu no púlpito do seu Templo do Povo para pregar uma doutrina que ele chamava de “Socialismo Apostólico”, a qual tinha como objetivo enxergar uma utopia baseada na não violência, com a igualdade social total, onde não havia ricos e pobres, tampouco divisão racial entre os seres humanos. Por muito tempo a fala evangélica, a música, a “cura” pela fé e outros tipos de show em tendas serviram para atrair e controlar os membros da classe trabalhadora, principalmente os idosos, que tinham Seguro Social e cheques de apoio do governo que eram necessários para manter o local em pé.
Foi aos poucos que o discurso de Jones perdeu o viés religioso para se transformar em uma “retórica socialista”. Em 1965, ele disse à congregação que uma guerra nuclear ocorreria em 15 de julho de 1967 — a típica manipulação em uma seita apocalíptica. Assim, foi a partir disso que a igreja se tornou um grupo de defesa do “bem-estar social” e uma organização política.
Para a sobrevivente Laura Johnston Kohl, o Templo do Povo surgiu no momento certo em sua vida. “Tive um casamento fracassado, estava procurando um lugar para poder ser política em um ambiente mais seguro depois de uma série de decisões erradas. Minha vida estava turbulenta”, revelou ela em entrevista à BBC.
Ela foi conquistada pelas ideias de benevolência e igualdade racial quando compareceu em uma reunião do grupo quando ele ainda era em Redwood Valley, no norte da Califórnia, em 1970. Quatro anos depois, Jones queria um lugar longe de todas as drogas e o álcool da América, por isso decidiu ir para uma fazenda na Guiana.
Era para o lugar ser um paraíso, um equilíbrio perfeito entre convívio social e sobrevivência, mas não foi o que aconteceu. A comunidade era afetada por problemas agrícolas que impediam o assentamento de ser autossuficiente, e Laura se lembra de ter que trabalhar horas a fio sob em um calor desgastante.
Em 1978, Laura foi convidada por Jones para se mudar a Georgetown (capital da Guiana) para trabalhar na sede da igreja. Ela agora percebe que foi um movimento calculado pelo homem por causa do crescente escrutínio fiscal e a visita do congressista Leo Ryan, que liderava uma investigação sobre cárcere privado reclamado pelos familiares dos membros do culto. Jones sabia que fanáticos como Laura falariam bem do local.
Aos poucos, o estado de espírito de Jim Jones estava se deteriorando, e o experimento de Jonestown começava a falhar. A pressão deixou o homem ainda mais louco com a possibilidade de perder sua utopia, tanto que, em maio de 1978, a assessora do pregador, Deborah Layton Blakey, fugiu para Georgetown com o objetivo de buscar refúgio na Embaixada Americana.
Ela declarou para o país que a colônia vivia sob um “domínio tirânico” do messiânico Jones, que passou a transmitir sermões agressivos em alto-falantes por horas a fio, repassando teorias da conspiração sobre o governo dos EUA, sobre os desertores e os parentes.
Além disso, Blakey expôs o sofrimento dos congressistas com a escassez de alimentos e surtos de doenças, como a diarreia. “O vício em drogas e os distúrbios de personalidade estavam piorando. Ele estava cada vez menos apto. Ele estava sentindo a pressão”, relatou Laura.
Jones destinou seus esforços para espalhar medo entre os membros, o que ficou claro que o projeto de sua vida era, na verdade, uma grande casinha de bonecas.
Em 18 de novembro de 1978, após a inspeção de Leo Ryan, Jones coagiu um grupo de fiéis a se armarem e a emboscarem o político na pista de pouso, matando-o, além de mais 5 pessoas. Na fazenda, o pregador pediu aos 900 seguidores que cometessem suicídio, alegando que os militares da Guiana invadiriam o complexo e levariam seus filhos por causa do tiroteio.
Cubas de ponche de frutas com cianeto foram distribuídas entre os fiéis que, psicologicamente lobotomizados, tomaram sem questionar. Por anos Jones ensaiava um suicídio em massa exatamente daquele jeito, sempre com a desculpa de que era um teste de “lealdade” ao propósito.
“Jim Jones era um vigarista. Fazia com que todos sentissem que ele era uma espécie de pai”, disse Laura. “Ele dizia: ‘você não pode voltar, não tem dinheiro’. O que era verdade, pois os membros tinham colocado tudo na igreja”, ela afirmou.
Na sede em Guiana, Laura estava do lado de fora quando a secretária de Jim Jones, Sharon Amos, recebeu a notícia de que todos em Jonestown estavam cometendo “suicídio revolucionário”. Os filhos de Jones se recusaram a seguir as instruções e recomendaram às outras filiais da igreja que fizessem o mesmo. No entanto, a secretária matou seus filhos e se matou em seguida.
“É difícil saber o que eu teria feito se estivesse com os outros quando as instruções chegaram. Eu acho que se eu estivesse em Jonestown e visse 900 pessoas boas que eu amo fazerem uma escolha, eu não conseguiria sobreviver a isso”, confessou Laura.
Junto dos 90 sobreviventes do Templo, ela fugiu e se escondeu nos Estados Unidos por anos, onde sofreu de transtorno pós-traumático sozinha. Só depois de 10 anos, Laura conseguiu reconstruir a própria vida, casando-se e tendo um filho.
Sua visão sobre liderança e religião mudaram e ela faz questão de alertar a todos sobre as pessoas que estão em posição de poder. Ela afirma a necessidade de cada um ser mais crítico, principalmente quando o assunto é ativismo, alegando que você pode facilmente ser engolido pelas “sombras da causa”.