Ciência
04/12/2020 às 15:00•4 min de leitura
ATENÇÃO: esse texto pode trazer conteúdos sensíveis por abordar um caso real.
“No que você está pensando, Amy? Quem é você? O que está sentindo?”, são essas as indagações do personagem Nick Dunne no thriller policial Garota Exemplar, escrito por Gillian Flynn. Nick queria saber o que fez sua linda e inteligente esposa simplesmente desaparecer e deixar para trás apenas a cena de um crime que nunca existiu.
Há 60 anos, todos fazem essa mesma pergunta sobre Joanne Risch, quando ela sumiu em uma tarde comum, deixando apenas um rastro de um mistério absurdo.
Nascida em 12 de maio de 1930, no Brooklyn, em Nova York (EUA), sua infância foi marcada por infortúnios. Seus pais morreram em um incêndio criminoso sem solução quando ela tinha apenas 10 anos, e ela foi molestada e abusada sexualmente durante o período que morou na casa de seus parentes, mas nunca revelou quem foi seu agressor.
Ela foi adotada formalmente pelos tios, só se mudando da casa deles quando pode ter uma vida independente. Isso ocorreu depois que ela se formou em Literatura Inglesa, em 1952, pela Wilson College na Pensilvânia.
Dois anos depois, Joanne conheceu seu futuro marido, o empresário Martin Risch, com quem teve dois filhos: Lillian e David. A mulher, então, deixou o trabalho de assistente editorial para construir uma família, e eles se mudaram para uma casa ampla de classe média em Old Bedford, em Lincoln (Massachusetts).
“Acho que eles eram extremamente felizes, pois tinham uma bela casa, dois filhos adoráveis e eram companheiros agradáveis”, confessou Alice Nattrass, mãe adotiva de Risch. Os vizinhos e amigos também rotulavam o casal como “a família perfeita”, e realmente eles não só aparentavam isso como de fato eram entre quatro paredes, apesar dos conflitos comuns do cotidiano.
Enquanto administrava a casa e os filhos, Risch se envolveu com a Liga das Eleitoras, uma organização que visava à inclusão de mulheres no âmbito político, e também começou a pesquisar um meio de se tornar professora para compartilhar seu amor pela Literatura.
Desde que se tornara um executivo na empresa Fitchburg Paper Company, Martin passou a fazer muitas viagens a negócios. Assim, em 24 de outubro de 1961 não foi diferente, ele saiu cedinho para pegar o voo das 8h para Nova York e deixou a família em casa.
Risch levou Lillian, de 4 anos, ao dentista e voltou para casa por volta das 11h depois de fazer compras para o almoço. Vizinhos que viram a mulher e os filhos testemunharam que eles pareciam muito alegres, apesar de cansados da manhã movimentada.
Aproximadamente entre 11h15 e 11h45, o motorista de uma lavanderia estacionou seu veículo na frente da casa da família, e Risch entregou os ternos sujos de Martin. Investigadores acreditam que às 12h, ela colocou David, de 2 anos, para dormir e, às 14h, ela mandou Lillian à casa da família Baker para que a menina brincasse com o filho deles, Douglas, alegando que precisava sair.
Quinze minutos mais tarde, Barbara Baker informou ter visto Risch vestindo um sobretudo e carregando um objeto vermelho que ela não identificou o que era. Às 15h, Virginia Keene, filha de um dos vizinhos dos Risch, viu um carro desconhecido estacionado na garagem da família quando desceu do ônibus escolar.
Às 15h40, Barker levou Lillian de volta para sua casa porque ia fazer compras com seus filhos, mas a mulher não entrou na residência. Às 16h15, ela encontrou Lillian na porta de sua casa: “A mamãe foi embora e a cozinha está cheia de tinta vermelha”, disse a menina. Baker foi até a casa de Risch e se deparou com uma cena hedionda: as paredes estavam cheias de manchas de sangue e havia uma pequena poça no chão da cozinha.
Havia um rastro sangrento que levava até o berço de David, o qual chorava porque precisava de uma troca de fralda. Tinha sangue respingado que levava até o porta-malas do carro de Risch. Às 16h33, a polícia foi acionada.
A equipe de investigadores notou que o telefone havia sido arrancado da parede e jogado na lixeira ao lado de uma lista telefônica aberta em uma página com números de emergência, embora não houvesse nenhuma chamada feita no registro. Além disso, havia uma mesa tombada e um rolo de papel derrubado, mas nada estava fora do lugar ou parecia ter sido roubado. Tudo estava impecável, à exceção das manchas de sangue.
Portanto, eles descartaram a possibilidade de uma luta ter acontecido. Além disso, a falta de pegadas de sangue intrigou a todos e principalmente o fato de que havia apenas uma marca de mão com impressão digital não identificada em uma das paredes. No entanto, a perícia confirmou que o sangue pela casa era do mesmo tipo de Risch, porém, por não terem suas digitais registradas, eles não puderam confirmar se pertencia a mulher.
A polícia havia descartado sequestro, e assassinato se tornou a única possibilidade, apesar da falta de um corpo e de evidências que sustentassem a teoria. Quando o caso emplacou na mídia, com todos querendo saber onde estava Joanne Risch, a repórter investigativa Sareen Gerson, do jornal local The Fence Viewer, fez uma descoberta intrigante.
De acordo com o registro da biblioteca do bairro, nos últimos meses Risch teria alugado cerca de 25 livros sobre assassinatos e desaparecimentos, incluindo A caça a Richard Thorpe e Into Thin Air, que narra a história de uma mulher que plantou as próprias manchas de sangue antes de sumir.
Assim como muitos que conheciam Risch, Martin não acreditava nessa possibilidade. Para ele a mulher poderia ter-se acidentado de alguma forma e estava com amnésia. Por outro lado, muitas pessoas usaram o passado fragilizado de Joan para endossar uma razão de ela ter desaparecido, embora ela aparentasse ser uma pessoa estável e competente.
Independente disso, Risch jamais abandonaria os filhos, tampouco causaria um trauma expondo-os a uma falsa cena de crime. A mulher sempre teve oportunidades menos impactantes para que isso acontecesse, como deixar as crianças na casa dos avós adotivos.
Por causa do carro desconhecido na garagem e as latas de cervejas na lixeira, surgiu a especulação popular de que ela tivesse um amante e que eles tivessem brigado, apesar de nenhuma evidência apontar para isso. A vida dela foi vasculhada por investigadores, e nenhum homem além de Martin foi encontrado. A tentativa de um aborto ou de um acidente doméstico também foram considerados, mas ambos descartados.
No final das contas, por mais que nada parecesse ter ligação, os investigadores adotaram a encenação de um crime como resposta. Ainda assim, eles queriam entender o porquê do sangue ter sido limpo em vários pontos da casa, como se alguém tivesse tentado minimizar os rastros ou até mesmo se livrar deles.
O que aconteceu com Joan Risch naquela tarde de 24 de outubro de 1961? Martin Risch foi para seu túmulo em 2009 certo de que a esposa voltaria, inclusive morou na mesma casa até sua morte, mas ela nunca apareceu.
A mulher se tornou o maior mistério do século XX e, se ela não morreu naquele ano, certamente hoje já está morta e enterrada com sua história e qualquer chance de resolução.