Ciência
18/01/2021 às 15:00•3 min de leitura
Aos 27 anos, Karen Byrne, moradora de Nova Jersey (EUA), foi submetida a uma delicada cirurgia no cérebro para tratar de um quadro muito agudo de epilepsia, que lhe causava convulsões quase constantes. Assim que acordou, ela estava se sentindo muito bem, apesar do torpor causado pela forte sedação.
Sentada na cama do hospital, ela conversava com seu cirurgião quando, de repente, sua mão esquerda se ergueu no ar de maneira meio descontrolada e se atirou em direção ao seu próprio peito. Então, os dedos começaram a percorrer os botões de seu roupão e abri-los um por um. Por incrível que pareça, em momento algum Byrne pensou em fazer aquilo, mas mesmo assim seu corpo estava fazendo. “Meu cirurgião disse: ‘Karen, você percebe o que está acontecendo?’. E eu disse: ‘Sim, algo está errado’”, contou Byrne em entrevista à National Public Radio.
Depois disso, simplesmente a mão foi “possuída” por um acesso de raiva e arrancou rapidamente os botões do roupão. A mulher queria parar, porém a mão “não a obedecia”. O médico pediu a ela que tentasse controlá-la, mas sem sucesso. A mulher sentia que a ação era “mais forte do que ela”.
Byrne e a sua mão entraram em uma luta horrenda, como se ela tivesse vida própria. A mulher começou a chorar de desespero, então o médico decidiu intervir e também acabou “lutando contra a mão”.
A paciente teve que voltar para a casa mesmo com a mão de modo que não parecia mais pertencer ao seu corpo. Às vezes, estava tudo bem, mas de repente a mão dava um soco no rosto de Byrne ou a estapeava freneticamente, avançando contra a mulher quando era detida pela outra mão. O comportamento impulsivo era constrangedor, além de fisicamente muito dolorido e extenuante para a norte-americana.
Karen Byrne foi diagnosticada com Síndrome da Mão Alheia, também conhecida como Síndrome da Mão Alienígena, uma condição para qual não há cura. Quando a mulher foi submetida à cirurgia para ser curada da epilepsia, seu cérebro foi dividido ao meio, bem no corpo caloso (uma estrutura neural responsável por conectar os dois hemisférios cerebrais, direito e esquerdo). Isso gerou uma falta de comunicação entre as duas extremidades, por isso a mão de Byrne passou a receber instruções principalmente do lado direito de seu cérebro.
A síndrome é comum de acontecer em procedimentos cirúrgicos que visam pôr um fim em casos extremos de epilepsia e psicose epiléptica, em que ambos há a separação dos hemisférios cerebrais. O fenômeno se comporta exatamente do jeito que aconteceu com Byrne: uma das mãos não está sob o controle da mente, por isso a pessoa sente que o membro “não a pertence”.
A síndrome da mão alheia surgiu em meados de 1940, quando os cirurgiões decidiram partir o corpo caloso para tratar a epilepsia pela 1ª vez. O neurobiologista Roger Sperry foi o responsável por conduzir os experimentos para poder estudar o fenômeno. Em um deles, Sperry filmou um paciente tentando resolver um quebra-cabeças que exigia a reorganização dos blocos para que correspondessem ao padrão da imagem. O homem tentou resolver com a mão esquerda, controlada pelo hemisfério direito de seu cérebro, e tudo correu normalmente. No entanto, quando Sperry pediu para que ele fizesse com a mão direita, controlada pelo hemisfério oposto, a mão não sabia o que fazer, pairando sobre as peças e se comportando de maneira errática. Quando o paciente tentou ajudá-la com a outra mão, ambos entraram em uma luta.
Em uma pesquisa que lhe garantiu um Prêmio Nobel, Sperry concluiu que cada hemisfério é um sistema consciente por si só, que percebe, pensa, lembra, raciocina, deseja e se emociona. A prova disso é que, no caso de Karen Byrne, a mão sem controle passou a se “enfurecer” com a mulher quando ela tinha comportamentos reprováveis, como fumar, xingar ou ser desrespeitosa com os outros. Sempre que isso acontecia, Byrne era punida com um ataque violento de sua mão.
“Quando vou acender um cigarro, por exemplo, a mão apaga ele com um tapa”, revelou a mulher. É como se o outro lado de seu cérebro percebesse que Byrne precisava ter uma conduta melhor e parar de repetir hábitos que não eram saudáveis para ela mesma.
Karen Byrne teve sua história contada no documentário The Brain: A Secret Story – Broken Brains, produzido pela BBC em 2011. Nele, ela revelou que os médicos encontraram uma medicação que possibilitou a ela ter mais controle de sua mão esquerda para melhorar sua qualidade de vida. Atualmente com 64 anos, a mulher ainda não está feliz com esse comportamento mais “moral” de sua mão, mas aprendeu a conviver com ele.