Artes/cultura
28/01/2021 às 15:00•4 min de leitura
Em 9 de outubro de 1941, o então presidente Franklin Roosevelt aprovou o Projeto Manhattan, um programa especializado no desenvolvimento de dispositivos nucleares responsável pela criação e detonação das bombas Little Boy e Fat Man sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki.
Os químicos e físicos Harry Daghlian e Louis Slotin, do Laboratório de Los Alamos, no Novo México, eram as principais mentes por trás da concepção das bombas nucleares, inclusive as que foram detonadas sobre as cidades japonesas, aniquilando mais de 214 mil pessoas. Os Estados Unidos estavam prontos para dar continuidade aos ataques ou para uma ameaça de retaliação, quando o imperador Hirohito entrou em rede nacional pela primeira vez na história para anunciar a rendição da nação japonesa, em 15 de agosto de 1945.
Na época, os cientistas trabalhavam em uma esfera de 6,2 kg de plutônio e gálio refinados para ser encaixada como núcleo de uma bomba em qualquer dispositivo. A princípio, o governo permitiu que o dispositivo, intitulado “Rufus”, fosse retido para mais testes, em caso de emergências futuras e, durante esses experimentos nas profundezas das instalações do laboratório, a esfera recebeu o apelido de “núcleo do demônio”.
O “núcleo do demônio” media 89 milímetros de diâmetro e estava dividido em três partes, dois hemisférios de plutônio-gálio prensados a quente e um anel revestido por uma fina camada de níquel que foi feito para proteger o plutônio da ferrugem e impedir que o fluxo de nêutrons (partículas subatômicas sem carga) emanasse da superfície unida entre os hemisférios durante a sua implosão.
O dispositivo foi fabricado com a intenção de ser uma arma ainda mais mortífera e rápida de explodir, tanto que era necessário apenas 5% a mais de plutônio para que o núcleo atingisse o estágio de supercrítico e “arrebentasse” em radiação. Ou seja, a arma estava sempre à beira de uma explosão.
Quando uma reação em cadeia é alcançada em seu limite – que é a “queima” de subprodutos em uma sequência de reações idênticas que se repetem continuamente sem intervenção até que a matéria-prima se esgote – significa que o núcleo radioativo de uma bomba atingiu o estado de criticidade e está em explosão. Portanto, o material nuclear se torna supercrítico quando a reação acelera e ultrapassa seu estado estável.
Os cientistas do Grupo de Montagem de Criticidade de Los Alamos faziam testes para desestabilizar o núcleo, e um deles consistia em reverter os nêutrons liberados de volta para o próprio núcleo, pois reduziria a massa necessária dele, enquanto a atenuação da fissão com um absorvedor iria requerer mais massa. Eles fizeram isso construindo um refletor de nêutrons ao redor da esfera de plutônio com tijolos de carboneto de tungstênio.
Em 21 de agosto de 1945, o físico Harry Daghlian, então com 24 anos, trabalhava sozinho no laboratório de Los Alamos colocando os tijolos de tungstênio ao redor da esfera, tentando descobrir quantos seriam necessários para tornar o núcleo crítico.
Assim que o contador de nêutrons que ele usava para medir a radiação emitida pelo núcleo indicou que com mais um tijolo a montagem atingiria o estágio de supercrítica, ele parou; no entanto, o tijolo escorregou de sua mão e caiu sobre a esfera. Daghlian removeu-o depressa, porém o núcleo já havia entrado em estado supercrítico. Ele viu uma explosão de luz azul e sentiu uma onda de calor atravessá-lo dos pés à cabeça.
O físico foi exposto a uma dose de 200 rads, sendo o máximo que um ser humano pode suportar 200 rads por ano. Sua mão queimou com a radiação e ele sentiu muita náusea e dores pelo corpo durante 2 semanas até que entrasse em coma.
Ele morreu 25 dias depois por síndrome aguda da radiação. O guarda que estava sentado à mesa à 3 metros de distância de Daghlian desenvolveu leucemia e morreu 33 anos depois do acidente.
Apesar dos debates que surgiram entre os cientistas e chefes do Projeto Manhattan por causa do acidente, o que prevaleceu foi o fato de que o “núcleo do demônio” ainda não estava pronto. Portanto, cerca de 9 meses depois, foram desenvolvidas cúpulas feitas de berílio que seriam colocadas sobre o núcleo da esfera como um novo método de refletor de nêutrons.
O processo aprimorado consistia em colocar manualmente as esferas ao redor do núcleo e aproximá-las lentamente com uma chave de fenda, sem deixar de prestar atenção nos medidores de radiação. Era importante que o operador das esferas não permitisse que elas se fechassem completamente, pois resultaria na formação instantânea de uma reação em cadeia letal.
Em 21 de maio de 1946, quando o físico Louis Slotin, então com 35 anos, demonstrava para seus colegas de laboratório o experimento de criticidade que já havia repetido dezenas de vezes, ele deixou cair a chave de fenda, que fez a cúpula de berílio cobrir totalmente o núcleo por alguns instantes. O resultado foi o mesmo que o anterior: um clarão de luz azul junto a uma onda de calor que durou segundos.
Slotin foi mais rápido que seu companheiro Daghlian para remover a peça do núcleo, porém não foi o suficiente. Ele foi exposto a mais de 1 mil rads, sendo de 400 rads o nível de radiação em 1 quilômetro do marco zero da explosão da bomba de Hiroshima. Os outros 7 físicos que estavam na sala na hora do acidente receberam doses de 33 a 166 rads.
Desde o momento em que foi atingido até a manhã seguinte, Slotin não conseguiu parar de vomitar. A mão que empunhava a chave de fenda e foi exposta a 15 mil rads adquiriu um aspecto azulado, ceroso e foi coberta por bolhas. Os médicos tentaram usar gelo para minimizar o inchaço e a dor, mas nada retardou sua deterioração.
Após 5 dias, a contagem de leucócitos de Slotin caiu vertiginosamente e sua temperatura começou a oscilar, indicando que começava ali a morte do físico. Depois desses sintomas, vieram as náuseas, perda de peso, episódios de confusão mental extrema e dores abdominais ininterruptas. Os médicos alegaram que a radiação havia destruído seus órgãos e tecidos internos.
No sétimo dia, após ser colocado em uma tenda de oxigênio, Slotin entrou em um coma profundo e 2 dias depois faleceu de síndrome aguda da radiação.
A partir desses dois acidentes, o governo dos Estados Unidos desenvolveu novos protocolos que envolviam o uso de maquinário especializado para que os cientistas fizessem a manipulação dos núcleos radioativos remotamente, a uma distância de vários metros e dentro de cabines especiais.
O “núcleo do demônio” foi derretido e voltou para o estoque nuclear da potência norte-americana para ser usado como componente de outros núcleos de dispositivos. Temendo o histórico da esfera de plutônio, o governo nunca permitiu sua detonação integral.