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29/01/2021 às 15:00•4 min de leitura
Definitivamente, o início da década de 1970 foi o ano em que os norte-americanos não sabiam se largavam o jornal pela quantidade de catástrofes que acontecia no país ou se agarravam a ele com medo de serem atingidos de repente. Os Estados Unidos ainda ferviam com a renúncia do presidente Richard Nixon e suas declarações polêmicas no Escândalo Watergate, enquanto o mercado de ações perdia quase metade de seu valor com a economia estagnada em uma inflação a 12%, e a crise petrolífera estabelecia uma das taxas mais altas da história no preço de um galão pequeno de gasolina, que chegou a custar mais de US$ 15.
Além disso, o notório Assassino do Zodíaco reforçava seu horror pelas ruas da cidade de São Francisco após ter cometido cerca de 30 crimes, 5 deles com vítimas fatais e reconhecidas pelo homem, e enviado suas últimas cartas enigmáticas para o jornal San Francisco Chronicle.
Em meio a essa confusão, Patricia Hearst, neta de William Randolph Hearst – responsável por fundar a maior cadeia de jornalismo e comunicação do mundo –, foi sequestrada.
Mas esse não foi um sequestro qualquer por muitos motivos.
Nascida em 20 de fevereiro de 1954 em São Francisco, nos Estados Unidos, Patricia Hearst tinha apenas 19 anos quando o caso aconteceu. Apesar de milionária e envolvida em ações filantrópicas como sua bisavó, a jovem levava uma vida fora dos tabloides. Ninguém sabia que ela passava por um momento turbulento quando decidira se mudar para um apartamento em Berkeley, na Califórnia, para estudar na Universidade da Califórnia.
Descrita por Patricia como sua “derrocada emocional”, a descoberta de seus pais de que ela moraria sozinha com o seu namorado, Stephen Weed, cujo relacionamento ia de mal a pior, ocasionou depressão e comportamentos suicidas. Ela queria terminar com Weed, mas também não queria admitir o próprio fracasso aos pais.
Tudo aconteceu em um momento de despertar político para ela, em que os movimentos de contracultura ameaçavam os Estados Unidos com ataques, e jovens como ela estavam propensos a qualquer tipo de influência.
Fundado em 1973 por Donald DeFreeze, o Exército Simbionês de Libertação (SLA) era um grupo revolucionário com ideais de esquerda e orientação marxista, que seguia a mesma concepção de guerrilha urbana ao estilo sul-americano, semelhante ao movimento Tupamaros no Uruguai, e apoiado em ideias maoístas.
Apesar do nome, a organização envolvida em dois assassinatos, roubos a bancos e atos de violência nunca tinha “libertado” nada nem ninguém com sua ideologia. O “simbionês” era ligado à ideia de uma “simbiose política”, em que movimentos segregados trabalhariam juntos em harmonia para fins socialistas, mas o grupo nunca fez nada além de pregar atos de terror sem fundamento. Também não eram exército, visto que o grupo tinha no máximo 12 pessoas.
Contudo, foi exatamente essa falta de conexões e o fato de a organização ser pequena que contribuiu para o que eles fizeram e ainda fariam, pois quando o FBI precisou procurá-los, não havia caminho para nenhum dos membros.
Quando o SLA decidiu sequestrar Patricia, eles sabiam apenas o básico sobre sua vida pessoal: que ela cursava o segundo ano de artes cênicas na Universidade da Califórnia, que morava sozinha e que era uma Hearst – o fato mais importante. Os guerrilheiros visavam derrubar o que chamavam de “ditadura corporativa” instaurada por Nixon, e começar por uma das famílias mais ricas e influentes dos Estados Unidos era um ato de revolução, principalmente se tratando dos Hearst, cujo bisavô magnata era declaradamente anticomunista desde antes da Segunda Guerra Mundial.
O sequestro que chocaria o país começou em 4 de fevereiro de 1974, quando 3 rebeldes mascarados e armados invadiram o apartamento de Patricia Hearst, espancaram e amarram Stephen Weed, bem como um vizinho que ouviu toda a gritaria e tentou ajudar. Patricia foi carregada com a cabeça coberta até o porta-malas de um carro que esperava os guerrilheiros para a fuga, e os vizinhos que tentaram detê-los tiveram que recuar sob os disparos das armas.
Em 7 de fevereiro, quando a imprensa já publicava o rosto da herdeira em todos os lugares, o SLA anunciou em uma estação de rádio de Berkeley que Patricia era a prisioneira de guerra deles. Quatro dias depois, começaram as negociações com o SLA exigindo US$ 70 em alimentos para todas as pessoas necessitadas em várias cidades da Califórnia.
Randolph Hearst, pai da vítima, doou mais de US$ 2 milhões em comida, mas o SLA pediu mais US$ 6 milhões. Ele disse que aceitava a quantia se eles liberassem a garota, mas tudo o que o empresário recebeu foi uma fotografia de Patricia sentada em seu cativeiro com uma expressão indecifrável. A foto se tornou uma das mais emblemáticas da década de 1970.
Em 15 de abril, depois de mais de um mês sem notícias da jovem, o caso ganhou uma reviravolta inesperada que chocou o país: Patricia foi fotografada por uma câmera de vigilância enquanto participava de um assalto ao Banco Hibernia, em São Francisco. Ela estava parada do lado de fora segurando uma metralhadora, e sua aparência não parecia em nada com a da fotografia que ganhou o mundo.
Após ser flagrada, ela gravou e enviou uma fita ao FBI dizendo que havia se juntado à causa do SLA por vontade própria.
Em entrevista ao National Public Radio, Jeffrey Toobin, autor do livro American Heiress, não acredita que Patricia Hearst tenha sofrido lavagem cerebral ou Síndrome de Estocolmo, como a mídia cansou de anunciar. Para Toobin, a jovem simplesmente respondeu racionalmente às circunstâncias que teve que enfrentar: “Ela tinha 19 anos, estava sendo bem tratada pelo SLA, ouvindo que sua família e o FBI não se importavam com ela. Ela roubou três bancos. Disparou em uma rua em Los Angeles. Ajudou a plantar bombas em vários lugares no norte da Califórnia”, completou o escritor.
Durante o seu julgamento, que aconteceu após sua captura, em 18 de setembro de 1975, Patricia Hearst alegou que não queria fazer mais parte de toda aquela loucura, reconhecendo todo o amor e empenho de sua família em resgatá-la. Toobin observou que a maneira como Patrícia aceitou seus crimes racionalmente mostrou que ela havia assumido de fato uma personagem que precisou de suas “escapadas antissistema” para se livrar da vida “corrupta” em que ela foi criada. Em momento algum a jovem disse ter se arrependido, e afirmou que sua “rebeldia” não tinha sido contra a própria família.
Quando escolheu ficar com seus sequestradores, Patricia Hearst se transformou em um reflexo simbólico do que muitos jovens e adultos sentiam em relação à estrutura de governo norte-americano daquele momento.