Artes/cultura
16/02/2021 às 15:00•4 min de leitura
“Quando os Beatles mudaram tudo”, diz a chamada de uma matéria da CBS News, e essa não poderia ser a melhor definição para o fenômeno mundial que eles se tornaram. O impacto foi tamanho que até o termo “beatlemania” foi cunhado para descrever, à princípio, o frenesi que a banda causava em seus fãs, mas que depois serviu para descrever o “contágio” que a fama dos artistas provocou em todas as esferas sociais.
Em um dos capítulos de The Beatles: a Única Biografia Autorizada, escrita por Hunter Davies e publicada em 1968, o autor narrou como os fabricantes de vestuário em todo o país competiam para obter os direitos autorais da palavra Beatles em seus produtos. A moda masculina foi revolucionada para sempre, com a típica jaqueta sem gola e em veludo cotelê usada pela primeira vez pelo baixista Stuart Sutcliffe, os ternos brancos sólidos de John Lennon e as camisas de flanela, as calças jeans e os outros tecidos que viajavam do estilo hippie ao indiano.
A partir de novembro de 1963, houve uma enxurrada de matérias nos jornais contando sobre alunos que foram barrados de entrar nas escolas porque tinham deixado o cabelo crescer igual ao dos Beatles, e de funcionários que foram proibidos de entrarem nos locais onde trabalhavam por terem modificado a aparência e adicionado as famosas botas justas até o tornozelo.
Principalmente nos anos 1960, o rock se tornou um forte meio de comunicação, usado para causar uma revolução na estrutura cultural e social da época. Nos Estados Unidos, eles chegaram no topo das paradas norte-americanas 3 meses após o assassinato do presidente John F. Kennedy, em um momento em que as pessoas precisavam de algo leve para tentar esquecer o atentado, aliviar um pouco da tensão provocada pela Guerra do Vietnã e alegrar os ânimos das pessoas que iam às ruas para reivindicar seus direitos civis.
Os artistas foram chamados pela parcela religiosa e conservadora da sociedade de “sujos” e “aberrações” que tocavam um “lixo musical feito pelo diabo”. Com sua música muito alta e barulhenta, seus penteados e roupas que não condiziam com os “padrões” da sociedade – tampouco de como homens e jovens deveriam se vestir –, os Beatles queriam mesmo provocar e irritar a geração que se recusava a caminhar para frente.
O rock’n’roll que tocavam era considerado um som de “rebelião” e, portanto, de rebeldes, embora parecesse ridículo chamar aqueles jovens assim, já que não chegaram nem perto da revolução que os punks fizeram na década de 1970.
Em 1968, os Beatles acreditavam que não poderiam ir mais longe, até que lançaram seu 9º disco de estúdio, intitulado White Album, com clássicos como “Blackbird”, “Revolution” e a polêmica e controversa “Helter Skelter”. O álbum significou uma metamorfose no som da banda, que passou de um pop rock para um rock experimental sem o controle criativo do empresário Brian Epstein, que morreu de overdose em 27 de agosto de 1967.
Em meio a um trabalho considerado pelos críticos musicais até hoje como uma “perfeição acidental”, a faixa “Helter Skelter” foi alvo de críticas dos conservadores e fanáticos religiosos. Em muitos lugares falavam que a peça era um chamado “satânico” para entrar nas mentes dos jovens. Apesar de a primeira versão da canção ser “Hell for Leather”, Paul McCartney disse que “Helter Skelter” faz referência ao típico brinquedo britânico de parques de diversões, que consiste em um escorregador ao redor de uma alta torre. No livro Many Years from Now, escrito por Barry Miles, McCartney diz que a referência ao brinquedo é uma alegoria para simbolizar a ascensão e queda do Império Romano, a decadência, a tristeza e o “fundo do poço” emocional.
No entanto, a música adquiriu um significado maligno em 9 de agosto de 1969, quando integrantes do culto de Charles Manson invadiram a casa da atriz Sharon Tate a mando dele e assassinaram todos, escrevendo a palavra “helter skelter” com o sangue das vítimas nas paredes. Na madrugada seguinte, dando continuidade à matança iniciada com o intuito de começar a declarada “maior guerra da Terra”, Leno e Rosemary LaBianca tiveram a casa invadida pelos seguidores e foram brutalmente mortos, cada qual com cerca de 40 facadas. Além da palavra “guerra” esculpida no abdômen de Leno, mais uma vez “helter skelter” apareceu nas paredes.
Foi impossível para a mídia e as pessoas não relacionarem a palavra aos Beatles, ainda mais quando outros títulos de músicas, como “Piggies”, foram descobertos em ambos os locais. Rapidamente, o mundo inteiro começou a se questionar sobre o motivo de os seguidores de Manson terem escrito as faixas.
Em 24 de julho de 1970, diante do juiz Charles Older, o criminoso confessou em seu testemunho que cometeu tudo aquilo por causa dos Beatles e das músicas que eles gravaram. “Essas crianças ouvem essas músicas e captam as mensagens. É tudo subliminar”, declarou Charles Manson.
Ele alegou que a música dizia palavras de ordem como “levante-se”, “mate” e “apareça” nas entrelinhas. Manson deixou claro que nada daquilo significava que os Beatles iriam matar as pessoas, mas sim que queriam que um “exército” se formasse para dar início a essa “confusão”, feita por meio de um “relato bélico”.
“Então porque me culpar? Eu não escrevi a música. Eu não fui a pessoa que projetou isso na consciência das pessoas. Eu só segui o que estava sendo pedido”, acrescentou o criminoso para a promotoria.
De acordo com a ex-promotora federal Lis Wiehl, também autora do livro Hunting Charles Manson, acredita-se que Manson enxergou na fama, no respeito, no dinheiro e na dominação mundial dos Beatles atributos que ele queria desesperadamente – o que também explicava ele ter se autodeclarado o Messias e juntado seguidores para que o adorassem. Além disso, o homem sempre sonhou em se tornar músico, tanto que ele costumava cantar bastante para os membros de seu culto, porém a indústria não deu nenhuma oportunidade para sua falta de talento.
O próprio fracasso teria servido de gatilho para Manson iniciar sua guerra para destruir Los Angeles para que ele pudesse reinar único e soberano. “Ele enxergava as letras como um guia para orientar a sua família para propósitos futuros”, observou Bryanna Fox, professora de criminologia da Universidade do Sul da Flórida.
Sendo assim, o sentimento de rejeição e isolamento social desenvolvido na mente limítrofe de Manson o levou a entender que precisava de um “novo projeto”, para manter sua “família” firme em um propósito.
Naquela época, o testemunho do assassino serviu apenas para reforçar o estereótipo de que o rock era uma música de “desordem”, tanto sonora como espiritual, alimentando na cabeça das pessoas que o gênero tinha, de alguma forma, influências demoníacas. Então os Beatles, com todo o seu sucesso inexplicável, soaram como um “arauto vindo do inferno” para bagunçar a cabeça suscetível das “jovens crianças”, estimulando a morte e a matança com suas letras subliminares.
No documentário The Beatles Anthology, Paul McCartney deixa claro que não sabe como foi que Manson os interpretou como “cavaleiros do apocalipse”, tampouco de onde tirou a mensagem de que ele deveria sair e matar todos.