Artes/cultura
26/02/2021 às 05:00•3 min de leitura
Na ciência médica, a animação suspensa consiste na pausa ou desaceleração temporária das funções vitais do corpo sem causar a morte do indivíduo, podendo ser por um curto ou longo prazo. Nesse estado, os batimentos cardíacos, a respiração e outras funções ainda podem funcionar, porém só conseguem ser detectadas através de meios artificiais.
Nesse tipo de hibernação , a pessoa seria dada como morta sem morrer, enquanto o ambiente em que está propicia que suas funções neurológicas e fisiológicas sejam preservadas.
Com casos de pessoas como Jean Hilliard, que sobreviveu em condições climáticas adversas por meio da hibernação, desde a década de 1970 que os médicos tentam induzir o corpo humano à hipotermia para conseguir ter tempo de salvar os pacientes gravemente feridos, doentes ou submetê-los a processos cirúrgicos.
No entanto, o maior fator de risco é que o estado hipotérmico fornece apenas uma quantidade limitada de tempo para uma operação, aumentando demais a possibilidade de danos irreversíveis aos tecidos e ao cérebro. É por isso que os cientistas trabalham dia e noite para entender como o corpo humano pode alcançar um estado de animação suspensa através de uma inibição fisiológica gradual, reduzindo a demanda de oxigênio e obtendo a conservação de energia ideal.
Através de estudos anteriores, eles chegaram à conclusão que, para o corpo sobreviver às condições ambientais adversas, é necessário que eventos fisiológicos ou bioquímicos regulem a temperatura corporal antes de causar a hipotermia. Na natureza, esse processo é conhecido como “estivação”.
Em 2019, os médicos conseguiram colocar um ser humano em estado de animação suspensa pela primeira vez na história. O procedimento consistiu em esfriar rapidamente o cérebro a -10º C, substituir o sangue do paciente por uma solução salina gelada, bombeando diretamente para a aorta.
O doutor Samuel Tisherman, da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, descreveu o processo como “algo surreal” para à revista New Scientist. Contudo, ele não revelou mais nenhuma informação sobre o que aconteceu depois com o paciente.
Era 7 de outubro de 2006, quando Mitsutaka Uchikoshi aproveitava o dia com seus amigos, comendo e bebendo em uma das áreas de lazer do Monte Rokko, uma cadeia montanhosa localizada a sudeste da província de Hyogo, no Japão.
Depois que terminaram o piquinique que faziam, eles voltaram pelo teleférico instalado na montanha, porém Uchikoshi decidiu que faria a descida a pé porque não era muito difícil. Ele de fato não estava errado, porém, para uma pessoa sem experiência, os riscos dessa caminhada eram enormes.
O homem começou sua jornada se perdendo no caminho, o que o desnorteou porque ele sabia o que acontecia com pessoas que se perdiam nas montanhas, e ele definitivamente não queria ter aquele tipo de fim. Desesperado, Uchikoshi escorregou enquanto cruzava um riacho, caiu e quebrou sua pélvis. Não havia nada e nem ninguém por perto, sequer a linha de teleférico para poder pedir ajuda a algum visitante.
Conforme as horas foram se passando, Uchikoshi começou a se sentir sonolento e até que perdeu a consciência. Ele disse que só se lembra de no dia seguinte ter enxergado o sol alto, provavelmente do meio-dia, e que ele estava em um campo vasto que o fazia se sentir confortável. No entanto, é impossível de afirmar se aquela visão era parte de uma alucinação ou não.
Depois disso, o homem adormeceu de vez e só acordou 3 semanas depois, já em um hospital.
O homem foi encontrado por um alpinista profissional que fazia a sua rotineira descida do Monte Rokko. Com o pulso extremamente baixo, a temperatura corporal de Uchikoshi estava na casa dos 22º C, cerca de 14 graus a menos do que é considerado normal para o corpo humano. Já no hospital, os médicos ficaram surpresos em como ele havia sobrevivido 24 dias sem água, comida, com o metabolismo aparentemente parado e exposto às condições climáticas adversas.
Contudo, ainda que vivo, Uchikoshi não “voltou à vida” inteiramente bem. Ele teve uma perda grande de sangue no tempo em que ficou desaparecido, e foi diagnosticado com falência múltipla dos órgãos.
O Dr. Shinichi Sato, responsável pelo tratamento do homem, revelou que o corpo dele entrou em um estado hipotérmico semelhante ao da hibernação. Apesar de várias pessoas já terem passado por situações iguais a de Uchikoshi, nenhuma delas ficou exposta a esse estado por tanto tempo e de maneira tão severa.
“Ele entrou em um estado semelhante à hibernação e muitos de seus órgãos ficaram mais lentos, mas seu cérebro estava protegido”, revelou Sato. “E eu acredito que a capacidade cerebral dele se recuperou 100%”.
O caso gerou um clamor na comunidade científica. Todo mundo queria descobrir como o corpo de Uchikoshi respondeu daquela maneira. Os pesquisadores queriam entender se o organismo dele foi induzindo o corpo a um estado de morte lenta ou não.
“As pessoas podem estar profundamente hipotérmicas e sobreviverem por períodos moderados de tempo, mas esse é um caso extraordinário. Nunca ouvi falar de nenhum semelhante, tampouco com a mesma duração de sobrevivência”, declarou Mike Grocott, um especialista em terapia intensiva da University College London.
Mitsutaka Uchikoshi recebeu tratamento médico por algumas semanas, e depois teve alta médica por causa de seu assustador quadro de recuperação completa.