Como a segurança das nossas injeções dizimam os caranguejos-ferradura

21/11/2023 às 14:003 min de leitura

Médicos e agulhas andam juntos na medicina moderna. Segundo a literatura médica, a história da injeção começou em algum momento entre 1642 e 1650, quando Christopher Wren, mais conhecido por ser arquiteto do que por sua formação médica, usou uma técnica de corte venoso (em que a veia é exposta cirurgicamente e uma cânula é inserida nela sob visão direta) para injetar seiva de papoula em cães por meio de "agulhas" feitas de pena de ganso.

O experimento foi desastroso, bem como o realizado em humanos pelos médicos Major e Esholttz, em 1660, com resultados fatais devido ao desconhecimento da dosagem adequada e da necessidade de esterilização dos utensílios. A documentação das consequências desastrosas desses experimentos atrasou o uso de injeções por cerca de 200 anos.

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

Em 1776, Kohler, na Alemanha, eliminou uma infecção no esôfago de um paciente por meio de uma infusão intravenosa de tártaro emético, induzindo vômitos que ajudaram a curar o problema. Esse experimento crucial fez a medicina dar uma nova chance às injeções.

Na segunda metade do século XX, Florence Seibert inventou o primeiro método para esterilizar uma injeção. Hoje, se não morremos ao tomar uma injeção, é graças aos caranguejos-ferradura, que estão sendo extintos por isso.

Seibert, a visionária

Florence Seibert. (Fonte: Florida Women's Hall of Fame/Reprodução)Florence Seibert. (Fonte: Florida Women's Hall of Fame/Reprodução)

Na década de 1930, a bioquímica estadunidense, nascida em Easton, na Pensilvânia, trabalhou em um método para eliminar a contaminação bacteriana presente nas soluções destinadas a vacinas e outras injeções, como parte do seu trabalho de pós-graduação.

Seibert percebeu que os pacientes vítimas da tuberculose sofriam de um padrão de febre súbita durante ou após injeções e tratamentos intravenosos. Ao descobrir quais proteínas causavam as doenças devido à contaminação bacteriana da água destinada a fazer as soluções, Seibert inventou um aparelho de destilação que evitava a contaminação bacteriana. Assim nasceu o Teste de Pirogênios.

(Fonte: Inventricity/Reprodução)(Fonte: Inventricity/Reprodução)

Pirogênios são partículas que derivam de vírus, bactérias, leveduras, fungos ou substâncias químicas que podem induzir a uma reação imune inflamatória quando injetados e metabolizados no corpo humano.

Por duas décadas, os coelhos foram escolhidos como cobaias para o teste, que teve um impacto significativo na segurança de produtos farmacêuticos e médicos, sendo o centro do controle de contaminações. 

A partir de 1950, surgiram preocupações éticas relacionadas ao uso indevido de animais em experimentos laboratoriais, uma vez que o Teste de Pirogênio envolvia submeter coelhos ao desconforto e, em alguns casos, ao sofrimento.

Sangrando a todo custo

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

Os coelhos foram substituídos com sucesso pelos límulos, mais conhecidos como caranguejos-ferradura, assim que o patobiólogo Frederik Bang e o pesquisador médico Jack Levin perceberam que o sangue desses animais coagula de maneira mais sensível à presença de endotoxinas bacterianas por carregar uma proteína chamada amebocianina. Assim foi criado o Teste de Limulus para extrair o reagente Lisado de Amostra de Limulus (LAL).

Com isso, pesquisadores acadêmicos, empresas de biomedicina e a Food and Drug Administration (FDA) dos EUA refinaram a produção de LAL e o aprovaram como novo método para testar medicamentos para endotoxinas. O problema é que, por ano, meio milhão de caranguejos-ferradura são capturados para que 30% de seu sangue seja drenado em laboratórios, antes de serem devolvidos vivos (ou não) ao oceano.

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

A colheita de caranguejos-ferradura e seu uso indevido como isca cresceu à proporção que a produção de LAL aumentou desde a década de 1990. A regulamentação em todo o litoral estadunidense foi limitada, tornando as empresas cada vez mais secretas e propensas a recorrerem a práticas ilegais para obter uma quantidade maior de caranguejos. Registros obtidos pela National Public Radio indicaram que, em alguns estados, pescadores pagos pelas empresas de sangria manusearam caranguejos de maneira que causaram danos ou violaram as leis de colheita e não foram punidos.

Enquanto isso, cerca de 94% das aves costeiras migratórias do tipo Calidris canutus desapareceram nos últimos 40 anos, classificadas pelo governo federal como ameaçadas de extinção. Elas dependem de ovos de caranguejos-ferradura para alimentação durante a primavera, principal estação migratória do ano, fornecendo energia suficiente para completarem sua jornada, que pode ir da ponta da América do Sul ao Ártico canadense.

A população de caranguejos esgotou moderadamente ao longo da costa atlântica, onde são capturados para sangrar e usados como isca em larga escala. Ao redor da Nova Inglaterra, a União Internacional para a Conservação da Natureza determinou que esses animais são notados como "vulneráveis à extinção".

Indústria mafiosa

(Fonte: GettyImages/Reprodução)(Fonte: GettyImages/Reprodução)

Na década de 1990, pesquisadores da Universidade Nacional de Cingapura inventaram o primeiro processo para criar um composto sintético de detecção de endotoxinas usando DNA de caranguejo-ferradura e tecnologia de DNA recombinante. Assim, surgiu o Fator C recombinante (rFc), um esforço para tentar coibir a indústria da pesca e da biomedicina, impedindo que a população de caranguejo-ferradura seja destruída.

Ao longo do tempo, várias empresas biomédicas produziram suas próprias versões de rFc, mas o LAL continua sendo usado porque a Farmacopeia Americana (organização quase regulatória que estabelece padrões de segurança para produtos médicos) considera o rFc um método "alternativo" na detecção de endotoxinas, exigindo validação caso a caso para uso – um processo potencialmente demorado e caro.

Portanto, as empresas acabam recorrendo cada vez mais ao método tradicional de sangria dos caranguejos-ferradura. Os conservacionistas desejam que a Farmacopeia certifique o rFc para uso na indústria sem precisar de testes ou validação extras. Acredita-se que os produtores de LAL estejam bloqueando a aprovação do sangue sintético para proteger seu mercado, colocando o dinheiro na frente de um recurso finito e de um prejuízo ambiental potencialmente irrecuperável.

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