Artes/cultura
03/09/2018 às 09:30•5 min de leitura
No fim da tarde do domingo, dia 2 de setembro de 2018, o Museu Nacional do Rio de Janeiro, que é vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro, pegou fogo após o final do expediente de visitas. O incêndio se espalhou pelos três andares do casarão histórico chamado Palácio de São Cristóvão, que abrigou a família real portuguesa – e posteriormente a família imperial brasileira – de 1808 até 1892, quando passou a sediar o Museu Nacional, fundado há exatamente 200 anos.
A instituição abrigava um acervo impressionante com 20 milhões de peças – divididas entre as áreas de antropologia, botânica, entomologia, geologia e paleontologia, e das quais cerca de 3 mil estavam expostas ao público –, uma biblioteca com mais de 474 mil volumes, entre livros, periódicos e outras publicações sobre ciências naturais, e em torno de 2,4 mil obras raras.
Confira as peças mais importantes que estavam guardadas no Museu Nacional do Rio de Janeiro:
O Museu Nacional do Rio de Janeiro abrigava em seu acervo os fósseis do Maxakalisaurus topai, o primeiro dinossauro de grande porte encontrado e montado no Brasil. Tratava-se de um animal herbívoro com cerca de 13 metros de comprimento e 9 toneladas. Os fósseis que permitiram a descoberta desse dinossauro foram encontrados no estado de Minas Gerais, na Serra da Boa Vista, perto da cidade de Prata, que rendeu a ele o nome popular de “dinoprata”,
Além do museu abrigar os fósseis originais do Maxakalisaurus topai, ele exibia ao público uma réplica perfeita do esqueleto do animal, além de outros fósseis de outras espécies já conhecidas da paleontologia, todos descobertos em sítios arqueológicos brasileiros e importantes para retratar quais desses animais caminhavam pelo solo que hoje constitui o Brasil.
Réplica do esqueleto completo do Maxakalisaurus topai que estava em exposição no Museu Nacional
Na sala também se encontravam móveis similares aos da época que foram emprestados ao museu
O Palácio de São Cristóvão, que sediava o Museu Nacional, serviu anteriormente como residência da família imperial brasileira. Lá nasceu o imperador Dom Pedro II, que governou o Brasil de 1831 até a Proclamação da República em 1889, e nesse mesmo local ficava a famosa sala do trono, onde acontecia a famosa cerimônia de beija-mão do monarca.
O museu mantinha na sala um dos tronos de Dom Pedro II e dava destaque para a pintura inigualável das paredes do cômodo: ela criava uma ilusão especial de alto relevo criada pelo pintor italiano Mario Bragaldi. Na sala também se encontravam móveis similares aos da época que foram emprestados ao museu para imitar o mobiliário original da época.
Parte da Sala do Trono de Dom Pedro II
Dom Pedro II era um grande admirador das Ciências Naturais e da História e um grande colecionador de artefatos que remetiam ao Egito Antigo. Entre os que se encontravam no Museu nacional estava o esquife de Sha-amun-em-su, uma cantora/sacerdotisa que teria vivido em torno de 750 a.C. no Egito e morrido com seus 50 anos de idade. O imperador brasileiro ganhou o caixão do quediva Ismail – uma espécie de soberano local na época do Império Otomano – em uma visita ao país africano. Deu a ele em troca um livro sobre o Brasil.
Também se encontravam no Museu Nacional cerca de 700 peças de arqueologia egípcia, a maior e mais importante coleção dessa área na América Latina
O esquife foi mantido no gabinete do imperador até sua derrubada com a Proclamação da República em 1889 e passou a fazer parte do acervo do museu desde então. Dizem que Dom Pedro II estimava tanto essa peça que chegava até a trocar algumas palavrinhas com ela quando sozinho em seu escritório. A peça havia passado por análises de todos os tipos para o melhor entendimento da sociedade dos antigos egípcios.
Também se encontravam no Museu Nacional antes de seu incêndio uma máscara dourada datada de 304 a.C., período conhecido como ptolemaico; a Estela de Raia, de 1.300 a 1.200 a.C.; a múmia da princesa Kherima, de raríssimo método de mumificação com apenas outros oito exemplos no mundo e mais cerca de 700 peças de arqueologia egípcia, a maior e mais importante coleção dessa área na América Latina, que foi iniciada por Dom Pedro I e ampliada por seu filho e herdeiro.
Esquife da sacerdotisa Sha-amun-em-su
Muitos outros objetos ajudavam a contar a história dos povos africanos, principalmente aqueles que foram trazidos à força pelo regime de escravidão
Também com cerca de 700 itens, a coleção de etnologia africana e afro-brasileira era um dos destaques do Museu Nacional. Dentre as peças com maior destaque está o Trono do Daomé, presente do rei Adandozan, do antigo reino do Daomé – onde hoje é o Benim, na África – para o então Rei de Portugal e do Brasil Dom João VI. Trata-se de uma réplica do trono do avô de Adandozan, o rei Kpengla. A peça datava do fim do século XVIII.
Além do trono, o museu também exibia objetos de uso diário de reinos africanos, máscaras ritualísticas, instrumentos musicais, armas de caça e de luta e uma bandeira de guerra do Daomé. Muitos outros objetos ajudavam a contar a história dos povos africanos, principalmente aqueles que foram trazidos à força pelo regime de escravidão que durou até 1888 no Brasil e fazem parte importante e inseparável da cultura do nosso país.
O Trono do Daomé
Talvez o item mais singular e importante presente no Museu Nacional fosse o fóssil de Luzia, um dos esqueletos humanos mais antigos já encontrados nas Américas e certamente o mais antigo do Brasil, com cerca de 11.500 anos. Luzia foi encontrada em Lagoa Santa, perto de Belo Horizonte, em Minas Gerais, no ano de 1975 por um grupo de arqueólogos brasileiros e franceses. Ganhou esse nome do arqueólogo Walter Neves em homenagem à Lucy, o fóssil de australopiteco (esse com 3,5 milhões de anos) encontrado na Etiópia um ano antes. Seria a nossa versão brasileira do mais antigo habitante humano do nosso território.
A descoberta de Luzia é sem sombra de dúvida um dos marcos mais importantes para a compreensão da ocupação humana das Américas
A descoberta de Luzia fez muitos estudiosos reverem suas teorias de ocupação humana das Américas, pois suas feições, de acordo com análises de diversos tipos, mostram que o esqueleto encontrado pertencia a uma jovem de etnia mais similar aos negros africanos ou aborígenes australianos, diferente dos povos mongoloides que teriam chegado à América do Norte inicialmente vindo da Sibéria por meio do estreito de Bering.
A descoberta de Luzia é sem sombra de dúvida um dos marcos mais importantes para a compreensão da ocupação humana das Américas e, portanto, para a antropologia do mundo como um todo. A perda dos fósseis que compunham seu esqueleto é gigantesca para o mundo das ciências naturais e, claro, da cultura como um todo.
Crânio de Luzia
A única peça de destaque do museu que, até agora, sabe-se que sobreviveu ao incêndio é o meteorito do Bendegó, ou pedra do Bendegó, o maior meteorito já encontrado em solo brasileiro. Ele foi achado em 1784 por um garoto, Domingos da Motta Botelho, em uma fazenda perto de onde é hoje a cidade de Monte Santo, no sertão da Bahia.
Sua sobrevivência ao incêndio do museu, porém, não é de se espantar, visto que o meteorito suportou temperaturas altíssimas em sua entrada na atmosfera
A peça é considerada o 16º maior meteorito já encontrado no mundo e pesa pouco mais de 5 toneladas. Ele é composto principalmente de ferro e níquel e mede 2,2 metros por 1,45 metros por 58 centímetros. Foi Dom Pedro II que tomou conhecimento do objeto em 1886 e enviou uma comissão de engenheiros para transportar a pedra para a capital.
Sua sobrevivência ao incêndio do museu, porém, não é de se espantar, visto que o meteorito suportou temperaturas altíssimas em sua entrada na atmosfera terrestre e muitas outras provações por parte de quem o estudou na tentativa de remover pedaços para análises mais detalhadas.
Meteorito do Bendegó
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Sem nenhuma dúvida, é impossível calcular o tamanho da perda causada pelo incêndio do Museu Nacional do Rio de Janeiro. São 200 anos de História queimados pelo descaso das autoridades responsáveis pela produção de cultura no Brasil e, como diz a sabedoria popular, um país sem história é, infelizmente, um país sem futuro.