O assassinato da mulher que lutou pelo divórcio no Brasil

13/12/2021 às 13:002 min de leitura

O direito ao divórcio é relativamente recente no Brasil. Ele foi constituído em 1977, por meio da Lei do Divórcio, que instituía a possibilidade de um homem ou uma mulher se casarem novamente — até então, vigorava a regra do “desquite”, que previa apenas a separação de corpos e bens. Dentre as muitas pessoas que lutaram por isso, está uma dentista que teve um fim trágico: ela foi assassinada em sua própria casa, em um crime que nunca foi solucionado.

Essa é a história de Anita Carrijo, uma mulher à frente de seu tempo. Nascida em São Paulo em 1900, Anita era filha de um produtor de café da cidade de Santos, conhecido por seu espírito progressista: ele se posicionava contra a Igreja Católica e defendia a livre circulação de ideias.

Anita era a caçula de seis filhos. Ainda muito jovem, casou-se com o filho de um diplomata francês que era um estudioso da cultura indígena guarani. O casamento durou apenas três anos, mas deu a ela sua única filha, Arlette. Com a separação, Anita cursou Odontologia e passou a trabalhar para sustentá-la.

Anita com a filha, Arlette, e uma das netas.Anita com a filha, Arlette, e uma das netas.

Ativismo na defesa das mulheres

A dentista passou a se envolver cada vez mais com os círculos de intelectuais de São Paulo — muitos deles, frequentados por pessoas conhecidas por serem comunistas e anarquistas. Em 1949, publicou o livro A mulher no século XX. 

Com o passar dos anos, seu ativismo em prol dos direitos das mulheres se tornou cada vez mais evidente. Passa a participar da Federação das Mulheres do Estado de São Paulo (FMESP), que agrupava mulheres da esquerda e era associada ao Partido Comunista Brasileiro. Curiosamente, elas não se apresentavam como feministas — isso ocorria porque a palavra tinha um viés pejorativo, e era comum que críticos ao movimento empregassem o termo para desmerecer a luta das mulheres.

Anita encabeça a causa da luta pelo divórcio, que ainda não era legalizado. Até então, a única possibilidade aos casais desfeitos era separar-se, mas perderem o direito de contrair novo matrimônio. Por consequência, as uniões posteriores eram vistas como ilegítimas, chamadas de “concubinato”; os filhos desses novos casais perdiam vários direitos.  

A dentista conclamava o apoio público de políticos. Ela dizia: “é preciso darem o seu apoio ao movimento divorcista publicamente, sem receio de ofenderem seus princípios religiosos, já que os mesmos não nos dão, em caso de infelicidade no matrimônio, nenhuma solução moral compatível com a realidade da vida”.

Sua filha Arlette, que havia se casado com um oficial da Marinha dos Estados Unidos, morava no país do marido. Ela e a mãe se correspondiam frequentemente por cartas, mas a correspondência passou a ser monitorada pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Em memorando do mesmo órgão, Anita foi descrita como “militante comunista; suas atividades em prol da ideologia comunista vêm se manifestando desde princípios de 1949”.

Manchetes de jornais brasileiros anunciaram a morte de Anita.Manchetes de jornais brasileiros anunciaram a morte de Anita.

Em 11 de maio de 1957, um sábado, Anita se arrumou e foi ao casamento de uma de suas pacientes na companhia de Irma Sargentelli, sua amiga e funcionária. Voltou para casa sozinha. Na segunda-feira, seu corpo seria descoberto em seu apartamento. Ela havia sido asfixiada e foi encontrada com pés e mãos amarrados. Seu assassinato nunca foi esclarecido — as pistas de uma execução de fundo político foram acentuadas pelo fato de que nada de valor foi levado da casa.

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