Ciência
02/03/2022 às 12:00•2 min de leitura
O período medieval, compreendido entre os séculos V e XV na Europa, foi marcado pelo alto teor mitológico, envolvendo dragões que destruíam cidades, serpentes aquáticas que engoliam navios e criaturas que tentavam arruinar a vida dos humanos, seduzindo-os para os levar ao Inferno. Estas eram as bestas, uma horda de auxiliadores do Diabo que despencaram do Paraíso no início dos tempos após serem coibidos com justo juízo para um plano de danação eterna.
Para ensinar e também alertar as pessoas, assim surgiram os bestiários, compêndios que listavam as diversas criaturas e os significados delas, cada qual seguida de uma ilustração acompanhada por uma lição de moral.
Por outro lado, o bestiário também incluía todos os tipos de animal, desde fantasiosos até os reais, por exemplo o leão, descrito como o "governante de todos os animais".
Naquela época, o livro foi a obra mais próxima de uma enciclopédia natural, mas explicada por meio de uma visão cristã. Os animais foram interpretados como evidência de um plano de Deus para o mundo, pois ele teria colocado neles comportamentos e características no início de tudo para refletir as verdades bíblicas, visto que vieram antes dos seres humanos.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
Os filósofos naturais tentaram desconsiderar essas observações fantasiosas, amplamente interpretadas e consideradas verdadeiras, mas a popularidade dos bestiários e da fé eram maiores que qualquer conclusão científica.
Muito influentes na Inglaterra e na França do século XII, os bestiários tiveram origem em um texto grego do século II chamado Physiologus, que continha alguns animais descritos e um pequeno número de árvores e rochas.
Tudo foi interpretado como reflexo de um aspecto da vida de Cristo ou de sua doutrina e, em algum momento do século XI, essas informações integraram o texto Etimologias, escrito por Isidoro de Sevilha, arcebispo de Sevilha.
(Fonte: Pinterest/Reprodução)
O texto era uma enciclopédia medieval de conhecimento mais popular e incluía quase 250 animais. Um deles, o unicórnio, era considerado uma fera selvagem que só podia ser capturada se uma virgem se sentasse sozinha na floresta e esperasse que ele se aproximasse e deitasse sua cabeça em seu colo. Então, um caçador poderia matá-lo.
A história era uma alegoria cristã para a encarnação de Jesus no ventre da Virgem Maria, e sua subsequente vulnerabilidade como humano nas mãos dos homens. Assim, o unicórnio era visto como uma contraparte do mundo natural para Cristo.
Os monstros e as criaturas antinaturais encontraram seu lugar nos bestiários como uma forma de representar parte do plano divino e ensinar aos homens o perigo dos pecados, reunindo no mesmo lugar os pensamentos religioso e científico, visando fazer deles uma só ideia.
(Fonte: Getty Center/Reprodução)
Em Esquecidos por Deus — Monstros no Mundo Europeu e Ibero-Americano, a historiadora Mary Del Priore ressalta que os bestiários eram a "ênfase na moralidade apregoada pela Igreja Católica", dando um novo sentido alegórico aos monstros. A Igreja buscava conciliar a filosofia com a crença popular, adicionando um significado espiritual nas entidades mitológicas e ensinamentos sobre bons costumes.
Os bestiários perderam influência com a entrada do século XVII, principalmente com a potência do Iluminismo na Europa.