Estilo de vida
04/05/2022 às 12:00•4 min de leitura
É possível que você já tenha visto que o filme The Conqueror (1956), do produtor Howard Hughes, foi o "mais letal da História" pelo quanto expôs seus atores à poeira radioativa, causando a morte a longo prazo de vários daqueles que estiveram envolvidos na produção, incluindo de suas estrelas.
Bem como o fiasco perigoso que foi a produção do filme A Arca de Noé (1928), do diretor Michael Curtiz, lendário por sua direção de Casablanca, conhecido por ser responsável pela implementação de normas de segurança nos sets de filmagem de Hollywood, visando criar um ambiente mais seguro para os trabalhadores.
Mas demorou até a década de 1980 para que essas reformas se tornassem eficientes, além de significantemente atualizadas e controladas, porque a indústria de filmes ainda não havia se deparado com o terror que foi o filme Roar (Homens e Feras)
A comédia no estilo aventura foi escrita, produzida, dirigida e estrelada por Noah Marshall, em 1981, contando a história de Hank, um naturalista que vive em uma reserva natural na África com todos os tipos de animais selvagens, incluindo leões e tigres.
Então já é possível imaginar, tendo como base as loucuras hollywoodianas daquele tempo, por que o filme se tornou o mais perigoso de todos os tempos.
(Fonte: Black Hole Reviews/Reprodução)
Quando as filmagens começaram, em outubro de 1976, envolvendo toda a família de Marshall entre papéis principais e coadjuvantes, o homem também recrutou um elenco de animais que incluía 132 leões, tigres, leopardos, pumas e onças que teriam participação interativa com todos os atores.
Marshall e sua esposa, Tippi Hedren, com quem contracenava, queriam traduzir nas telas exatamente o que viram em uma reserva de caça em Moçambique: um edifício antigo repleto de leões, o que deu a inspiração para ambos escreverem o roteiro cinematográfico.
Uma vez que a premissa era de um cientista vivendo em plena harmonia com os leões, protegendo-os dos caçadores, o casal quis exatamente essa mesma atmosfera, e era obrigação contratual que o elenco estivesse confortável com isso. Em nenhum momento eles pensaram o quão perigosa a experiência poderia ser, sobretudo com uma quantidade enorme de animais selvagens de diferentes espécies, como um elefante touro de 450 quilos.
(Fonte: The Pulp/Reprodução)
Em 1971, anos antes do início das filmagens, ideia saiu tão fora de controle que o casal começou a criar filhotes de leão em sua casa, em Sherman Oaks, na Califórnia, imaginando que assim minimizaria as chances de o elenco e a equipe serem atacados quando as gravações começassem. Ou seja, ficou claro que em nenhum momento os animais foram profissionalmente treinados para serem inseridos naquele tipo de ambiente.
Em entrevista, Marshall admitiu que conviveu com os animais com a possibilidade de ser devorado todas as noites, mas sempre que isso não acontecia, ele foi desenvolvendo mais confiança.
Mas ele não fazia ideia do horror que estava por vir.
(Fonte: The Screening Room/Reprodução)
O resultado disso é que os ataques e uma atmosfera de angústia e medo foi traduzida para as telas, porque os atores simplesmente não conseguiam transmitir a coabitação pacífica entre espécies que a mensagem do filme inspirava.
A começar por Marshall, que foi tão mordido pelos animais que precisou ser hospitalizado por 6 meses devido às múltiplas lesões nas pernas após ser arrastado pelo set de filmagem, levando anos para se recuperar.
Melanie Griffith, filha adolescente do primeiro casamento de Hedren, foi escalada para o projeto e desistiu ao ver a situação de calamidade dos atores. Ceder à insistência da mãe foi o maior erro de sua vida, pois sofreu ataques tão severos no rosto de um leão que precisou de cirurgia reconstrutiva facial.
Como a cabeça de Jan de Bont ficou. (Fonte: News.com/Reprodução)
John Marshall, filho do casal, teve a cabeça mordida por um leão macho durante 25 minutos, tendo que receber 56 pontos. Apesar do trauma, ele voltou para a produção dois dias depois por insistência do próprio pai.
O diretor de fotografia, Jan de Bont, tendo que ficar tão próximo dos animais para poder capturá-los nas câmeras, sofreu um ataque que o escalpelou, terminando com 120 pontos para recolocar sua pele. Ainda assim, ele terminou de rodar o filme após sua recuperação, tendo sua postura definida por Marshall como a "de um verdadeiro soldado”.
Hedren foi espancada e severamente atacadas pelos animais por várias vezes, o que a fez desenvolver gangrena quando o elefante esmagou sua perna com a tromba. Ela também foi mordida na nuca por um leão, sofreu fraturas por uma das pernas e teve que ser submetida a vários enxertos de pele.
(Fonte: Bloody Disgusting/Reprodução)
O filme Roar foi rodado em Soledad Canyon, na Califórnia, a cerca de 80 quilômetros de Los Angeles, e teve que lidar com várias adversidades técnicas, como ser destruído por dois incêndios florestais e uma inundação.
O dilúvio foi responsável por matar vários leões, destruir equipamentos caros, fazer os animais selvagens fugirem e serem mortos por policiais. Como resultado, as gravações que deveriam durar apenas 6 meses, em meio as tragédias que os atores foram submetidos, levaram 5 anos para serem concluídas, sob um custo de US$ 17 milhões, em sua maioria financiado pelo casal após os investidores abandonarem o projeto.
(Fonte: Movie Web/Reprodução)
A maior parte de todas as mutilações e ataques que aconteceram por trás das câmeras, foram mantidos no corte final do longa, incluindo a cena de Hedren tendo a perna fraturada a olhos nus pelo elefante touro.
Pensando apenas na produção, Marshall colocou sua equipe e sua família em risco para obter os takes desejados, e não desistiu até que conseguisse, se recusando a falar "corta" mesmo quando os atores clamavam por ajuda durante os ataques.
Todo o abuso, desgaste e traumas psicológicos colocaram um fim no relacionamento de Marshall com Hedren, em 1982.
(Fonte: John Rieber/Reprodução)
Apesar de todo o processo de edição de Roar ter sido concluído em 1981, ele nunca foi exibido nos cinemas dos EUA devido aos anos de atrasos na produção. O filme tentou compensar o fiasco de nem passar perto do público de Hollywood, entrando em cartaz em vários cinemas ao redor do mundo, porém conseguiu arrecadas míseros US$ 2 milhões em bilheterias.
Foi só em 2015 que a produtora Drafthouse Films colocou a obra de Marshall para rodar em uma tela dos EUA, com direito a lançamento em DVD e exibição no SXSW Festival.
Em entrevista ao The New York Post durante as promoções feitas durante aquele ano, Noah Marshall declarou que toda a produção havia sido uma estupidez. "E papai também foi um idiota por fazer aquilo tudo com a nossa família", afirmou ele.