A cidade italiana que celebra o início da primavera com cobras vivas

No dia 1º de maio, uma celebração bizarra ocorre nas ruas da cidade de Cocullo, uma comuna de 350 habitantes localizada na região de Abruzzo, na Itália: a estátua do padroeiro Santo Domenico Abate percorre as ruas, coberta de cobras vivas. Embora a festa do santo seja fixada pela Igreja Católica em 15 de fevereiro, o ritual está ligado a antigas práticas pagãs relacionadas ao culto das serpentes.

Ligada à celebração da chegada da primavera, a preparação da festa tem início no final de março, tão logo a neve começa a derreter. Quando isso ocorre, grupos de pessoas descendentes dos andarilhos medievais, chamados de serpari, juntamente com os encantadores de serpentes ciaralli sobem o monte Catini à procura de cobras não venenosas.

Usando suas habilidades de caça e manejo de serpentes, os serpari evitam as víboras peçonhentas que vivem na região e capturam apenas répteis não venenosos. Eles os mantêm em caixas de madeira especialmente preparadas para esse fim, onde as cobras são alimentadas com ovos cozidos e ratos vivos.

Rito das Serpentes

A festa de San Domenico Abate e o Rito das Serpentes são tratados como um evento único.

No dia 1º de maio, pouco antes da missa das 8h, os fiéis se reúnem na capela de San Domenico para puxar o sino com os dentes. Isso porque, além de proteger contra mordidas de cobra e raiva, o santo também cura as dores de dente. Ao meio-dia, os serpari chegam à praça principal, onde mostram orgulhosamente todas as serpentes que farão parte da procissão.

Da igreja, quatro carregadores chegam com a estátua do santo em um andor, para que as cobras sejam colocadas sobre ela. De acordo com a tradição, se as cobras se enrolarem na cabeça do santo, esse é um bom presságio para o ano, mas se caírem, o pior pode acontecer. Enquanto o cortejo com a estátua e as cobras passam, a multidão aguarda ávida para tocar a imagem sagrada.

Segundo a tradição, 2023 será um bom ano, pois as cobras se enrolaram à cabeça do santo.

Por que o rito pagão foi incorporado à tradição católica?

Pesquisadora das festividades em Cocullo, a professora de Antropologia Cultural da Università degli Studi Chieti e Pescara, Lia Giancristofaro, rejeita as teorias de que os rituais tenham se originado em culto a Hércules (que esmagou duas cobras em seu berço) ou à deusa Angizia. Para a antropóloga, a origem da festa é mais recente e é um produto do próprio cristianismo.

Falando ao Atlas Obscura, ela afirma que o fenômeno “nasceu na Idade Média e está relacionado com a prática dos curandeiros em nome de São Paulo”. O chamado Apóstolo dos Gentios teria sobrevivido a uma picada de cobra em Malta. Nesse sentido, "o contato com a cobra inofensiva representa uma espécie de libertação da angústia", afirma Giancristofaro.