Estilo de vida
17/06/2024 às 12:21•3 min de leituraAtualizado em 17/06/2024 às 12:21
O Congresso brasileiro está atualmente discutindo um projeto de lei que tem sido chamado popularmente de "PL do Estupro". Trata-se de um projeto que tenta aprovar uma mudança na legislação, acabando com o acesso das mulheres ao aborto legal quando a gestação passar das 22 semanas.
Caso o projeto seja aprovado, mulheres que fizessem aborto nessa condição poderiam ter que responder na justiça por homicídio simples. Ou seja, no caso de elas terem sido estupradas, a pena pode ser maior do que dada ao seu estuprador.
O fato é que o Brasil tem já uma legislação bastante restritiva quanto ao direto ao aborto, e só o autoriza em três condições: em casos de gravidez por estupro, de risco de vida à mulher e de anencefalia fetal. Se aprovada, o país pode se equiparar a outros países que possuem legislação semelhante.
Em 2022, nove juízes do Supremo Tribunal dos Estados Unidos votaram para reverter a decisão Roe vs. Wade, de 1973, que era vista como a mais importante no direito ao aborto e do direito das mulheres sobre os seus corpos. Isso passou a dar liberdade aos estados para que mudassem suas leis quanto ao aborto.
Dos estados americanos que mais impõem restrições à interrupção da gravidez, há 14 que proíbem o procedimento em todos os casos ou com poucas exceções: Alabama, Arkansas, Dakota do Norte, Dakota do Sul, Idaho, Kentucky, Louisiana, Mississippi, Missouri, Oklahoma, Tennessee, Texas, West Virginia e Wisconsin.
A Irlanda está entre os países que, até 2013, tinha uma das legislações mais rigorosas do mundo contra o aborto. Uma mulher que engravidasse ao se tornar vítima de estupro ou incesto, por exemplo, poderia pegar até 14 anos de prisão caso abortasse.
Um começo de mudança se deu por conta da comoção popular ocorrida pela morte de Savita Halappanavar, uma dentista de origem indiana, residente na Irlanda, que morreu de sepse depois que seu pedido de aborto foi negado por motivos legais. Caso sua gestação tivesse sido interrompida, ela poderia ter sido salva.
Na Polônia, uma lei foi introduzida em 2021 que provoca uma proibição quase completa do aborto, que passou a ser permitido apenas para casos de anomalias fetais graves e irreversíveis. Isso levou à ocorrência de manifestações em massa na Polônia em novembro de 2021, depois que uma mulher aos 22 anos morreu por não ter direito a um procedimento que salvaria a sua vida.
De acordo com o mapa do Centro para os Direitos Reprodutivos, que é uma organização global de defesa jurídica, há 24 países no mundo onde o aborto é completamente proibido. Eles incluem Andorra e Malta, na Europa, e Chile, República Dominicana, El Salvador e Nicarágua, na América Latina.
Já no Oriente Médio, todos os países autorizam o aborto caso a vida da mãe esteja em perigo. O Afeganistão – um país que pratica a violação dos direitos das mulheres pelo governo do Talibã – promove penas variadas à mulher que provocar o aborto, que podem chegar a sete anos de prisão.
A Indonésia também é conhecida pela rigidez na criminalização do aborto, podendo condenar uma mulher a até quatro anos de prisão, caso ela não esteja entre as exceções legais. Quem pratica o aborto em uma mulher grávida pode receber até 12 anos de pena, no caso de haver agravantes.
As leis da Indonésia permitem a realização do aborto para salvar a vida da mulher, caso ela esteja em risco. Entretanto, no caso de estupro ou na inviabilidade fetal, mas sem colocar a mulher em risco, é necessário pedir a autorização do cônjuge para realizar o procedimento.
A legislação brasileira considera que o aborto é ilegal, exceto quando envolve três situações: ocorrida em casos de estupro, por causar riscos para a vida da mãe ou quando o feto tem anencefalia (essa última situação foi incluída na legislação em 2012, por conta de uma decisão do Supremo Tribunal Federal).
Nessas situações, a mulher tem direito ao aborto legal. Para isso, ela precisa passar por uma avaliação feita por um médico e por pelo menos três outros especialistas clínicos. Entretanto, os últimos anos de governo de extrema direita no país trouxeram episódios que expuseram a intenção de restringir esse direito, como um regulamento do Ministério da Saúde que exigia que os profissionais médicos recolhessem provas e denunciassem à polícia qualquer pessoa que pretenda a interrupção legal de uma gravidez após um estupro.
O PL que está sob análise pode ter ainda mais efeitos nocivos, uma vez que há pessoas vulneráveis, como as crianças, que nem sabem que foram estupradas ou só têm a gestação constatada após as 22 semanas. Por isso, caso aprovada, a lei deverá jogar o Brasil entre as nações mais atrasadas neste direito das mulheres.