Estilo de vida
01/10/2021 às 06:30•3 min de leitura
O relato do biólogo Everton Miranda ao G1 traça um panorama muito cruel do que acontece nos bastidores da fauna brasileira: segundo ele, 181 harpias foram mortas em 2 anos no Mato Grosso. A caça predatória ocorreu em uma região de 3 quilômetros quadrados pertencente ao chamado Arco do Desmatamento.
Ao entrevistar moradores, o pesquisador descobriu que 80% das mortes aconteceram por "curiosidade" e 20% por retaliação contra ataques a animais da região, uma vez que a harpia é o predador natural de macacos e bichos-preguiça.
Como esse tipo de prática prejudica o meio ambiente? O que é feito no Brasil e no mundo para que os seres humanos parem de destruir a natureza?
(Fonte: Wikimedia Commons)
Entre todos os crimes ambientais que acontecem no Brasil, a caça predatória pode ser qualificada como um dos maiores. Caçadores se tornam mais ativos em áreas de proteção ambiental, e o número de espécies em extinção aumenta a cada ano. Nambus, perdizes, preás, veados, aves e todos os tipos de animais exóticos são atacados diariamente na fauna brasileira. O motivo? Longe de ser a alimentação de humanos. A maior parcela de animais atingidos pela caça predatória é morta para fornecer matéria-prima para o mercado clandestino de couro.
Desde 1998, o art. 29 da Lei n. 9.605 ressalta que é crime contra a fauna matar, perseguir, caçar, capturar ou utilizar espécimes da fauna silvestre, nativas ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente. Infratores correm risco de 6 meses a 1 ano de detenção, além do pagamento de multa.
De acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), comprar animais exóticos e incentivar a caça predatória também é considerado crime, sendo necessária autorização prévia. Mesmo assim, as medidas não coíbem completamente esses crimes.
(Fonte: Pixabay)
Estima-se que 26 mil espécies de animais estejam em extinção no mundo. Quais perigos esse número representa? Quando uma criatura deixa de existir na natureza, instaura-se um desequilíbrio natural e toda a cadeia alimentar é prejudicada em larga escala — passando a existir mais presas que predadores e vice-versa.
Uma vez que os seres humanos começam a invadir o habitat dessas criaturas, torna-se mais comum que animais selvagens sejam vistos migrando para áreas urbanas, onde podem entrar em contato com animais domésticos e espalhar doenças. Para piorar a situação, a caça de espécies selvagens em centros urbanos é permitida pela legislação brasileira.
Ou seja, uma onça-pintada que parar no meio da civilização em busca de alimento pelo fato de os seres humanos terem desequilibrado seu espaço natural poderá ser morta sem que alguém sofra qualquer tipo de consequência por isso.
(Fonte: Pixabay)
Apesar da existência da Lei de Crimes Ambientais, a Justiça parece andar devagar no Brasil. Dados mostram que em 2017 o Ibama aplicou R$ 3,2 bilhões em multas por infrações contra a natureza. No entanto, a média histórica mostra que apenas 5% desse valor realmente foram pagos para recompensar os danos causados.
Dessa soma, 80% do dinheiro são destinados ao Tesouro Nacional e somente 20% vão para o Fundo Nacional do Meio Ambiente, que implementa a Política Nacional do Meio Ambiente. Sendo assim, pouquíssimo do que se perde por conta de crimes ambientais de fato é revertido para políticas de proteção ao meio ambiente.
A grande taxa de inadimplentes também pode ser culpada pela lentidão no sistema punitivo brasileiro, e a questão começa internamente: em 2019, uma auditoria da Controladoria-Geral da União na estrutura interna do Ibama constatou que 96,4 mil processos estavam parados, o que totalizava R$ 20,8 bilhões em multas.
Quando esses processos de fato chegam à Justiça, tramitam devagar. Um exemplo claro disso é o rompimento da barragem de Mariana (MG), em 2015. Embora a Samarco, mineradora responsável pela região, tenha sido multada em R$ 350 milhões pelo Ibama, a empresa recorreu a 25 autos de infração e não os pagou até o momento.
(Fonte: Unsplash)
Segundo um relatório feito pela Organização das Nações Unidas (ONU), o número de leis ambientais no mundo aumentou 38 vezes desde 1972. Mesmo assim, o órgão indica que o fracasso em aplicar essas leis e fiscalizar os infratores tem sido um real desafio para a maioria dos países.
Nesse meio-tempo, 350 tribunais ambientais foram instaurados em 50 países e pelo menos 60 Estados têm disposições legais sobre o direito dos cidadãos à informação ambiental. O estudo ressalta que a má coordenação entre agências do governo, a fraca capacidade institucional, a corrupção e o pouco envolvimento cívico ainda são fortes responsáveis pela impunidade em crimes ambientais.
Existe uma pressão na ONU para que o ecocídio, ou destruição ambiental em massa, seja considerado crime internacional. Recentemente, o presidente francês Emmanuel Macron e demais líderes importantes sinalizaram apoio à criminalização em âmbito internacional.