Artes/cultura
01/04/2023 às 06:00•3 min de leitura
Não é por acaso que a medicina é considerada a ciência mais incerta que existe. Mesmo após cerca de 2.500 anos, quando a medicina moderna se formou na Grécia Antiga com os primeiros experimentos e relatos de Hipócrates, nem todo o avanço consegue prever que tipo de anomalia existe no mundo. Não é para menos que a taxa de mortalidade bruta anual para pacientes com doenças raras seja de 12,04 por 100 mil habitantes por ano.
No último 10 de março de 2023, o mundo testemunhou isso de perto com a notícia perturbadora de uma mulher originária do Congo internada em um hospital dos Estados Unidos, onde os médicos descobriram um feto calcificado embutido em seu abdômen. Com o tamanho de uma alface, o feto não-nascido comprimiu os intestinos da mulher, causando uma obstrução intestinal grave seguida por desnutrição severa.
O mais chocante, porém, é que a criança estava dentro da mulher por quase 9 anos, e teria sido o nono filho da paciente. Ela morreu por recusar tratamento, acreditando que a doença era resultado de bruxaria lançada sobre ela ao ter se refugiado nos EUA.
O que ela não sabia, porém, é que sua doença tinha nada de maligno, mas, na verdade, se tratava de um caso raro chamado litopedia.
(Fonte: Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia/Scielo/Reprodução)
O termo “bebê de pedra” é também usado para definir casos da rara condição que é a litopedia, uma evolução da gravidez ectópica. Causada por algum tipo de patologia, como endometriose ou doença inflamatória pélvica (DIP), a gravidez ectópica é caracterizada por uma gestação que acontece fora do útero, quando o embrião, resultante da fecundação do óvulo pelo espermatozoide, se adere e começa a se desenvolver fora da cavidade uterina.
O quadro é impossível de ser revertido e, se não tratado, pode evoluir para uma litopedia. Uma vez que o feto morre, ele não pode ser reabsorvido pelo corpo da mãe e fica retido na cavidade abdominal, formando uma casca de cálcio ao seu redor.
Desde que foi descrita pela primeira vez, no século X, há apenas cerca de 330 casos relatados na literatura médica até o momento.
Feto calcificado retido na cavidade abdominal. (Fonte: Wikimedia Commons)
A doença rara já foi identificada em mulheres com idade entre 23 a 100 anos, sendo que dois terços delas tem mais de 40 anos. O período de retenção do feito já foi de 4 a 60 anos. Em 2020, uma mulher de 80 anos apresentou queixa de dor no quadril direito após uma queda, e a radiografia da pelve identificou, acidentalmente, uma massa calcificada alojada na região abdominopélvica dela. A idade do bebê de pedra era de 8 meses.
Assim como no quadro da congolesa, a maioria dos casos permanecem assintomáticos e são frutos de achados acidentais em exames de imagem, cirurgia ou necropsia. A radiografia abdominal, tomografia computadorizada e a ressonância magnética são exames capazes de identificar a condição.
"Bebê de pedra" de 2 anos. (Fonte: Wikimedia Commons)
Quatorze meses antes de morrer de desnutrição severa, quando amparada por uma equipe médica, a congolesa disse que não estava com medo da morte mesmo diante do prognóstico se recusasse o tratamento.
O estudo de caso publicado na revista BMC Women’s Health também revelou que a mulher havia se mudado do Congo para Burundi e depois para a Tanzânia, onde deu à luz oito filhos, dos quais três morreram logo após o parto. A primeira vez que ela visitou uma clínica médica foi em um campo de refugiados, após perceber que seu bebê parou de se mexer. Os médicos constataram que o feto não tinha batimentos cardíacos, recomendando que ela voltasse em duas semanas se não conseguisse abortá-lo de maneira natural em casa.
Contudo, ao retornar, ela foi acusada por eles de "trabalho maligno" e de assassinar o bebê, o que a fez a voltar para casa, orar e nunca mais procurar qualquer ajuda médica.
Muito além de qualquer superstição ou crença religiosa, o caso da mulher revisitou os problemas que envolvem a desconfiança médica, sobretudo de pessoas refugiadas que convivem com o medo, e também a falta de assistência para o tratamento dessas pessoas.