Artes/cultura
03/10/2023 às 11:00•2 min de leitura
No fim de junho, um homem caminhava em uma praia de rio em Khortytsia, na cidade de Zaporizhzhia, no sudeste da Ucrânia, quando notou uma espécie de tronco saindo da água. Logo descobriu que se tratava de uma peça de um barco, que provavelmente existia há muitos séculos.
Ele chamou as autoridades, que acabaram encontrando ali um verdadeiro tesouro arqueológico. Acontece que isso só foi possível porque, cerca de um mês antes, uma explosão levou à destruição da barragem de Kakhovka, dando vazão a 4,8 trilhões de galões de água rio abaixo.
A barragem foi explodida em junho, provavelmente por uma ação de forças russas que tentavam inundar as tropas ucranianas para bloquear uma passagem. A catástrofe levou a consequências terríveis, como a destruição de colheitas e isolamento de várias comunidades.
(Fonte: Atlas Obscura)
Ou seja, a tragédia trouxe um resultado bastante inesperado para a Ucrânia. O arqueólogo Anatolii Volkov, que esteve no local, avaliou alguns objetos descobertos e concluiu que eles devem ser da Idade do Bronze, com pelo menos 3 mil anos.
Os pesquisadores acharam no lugar vários objetos importantes: pedaços de machados de pedra com pelo menos 1 mil anos; alguns capacetes da era nazista; resquícios de uma antiga ponte; balas de canhão cossacos do século XVII; e armas usadas nas guerras russo-turcas do século XVIII.
De acordo com Yevhen Synytsia, presidente da Associação Ucraniana de Arqueólogos, nunca houve antes uma descoberta arqueológica desta mesma proporção. O fato mais curioso é que a guerra com a Rússia impossibilitou justamente a realização de escavações arqueológicas, limitando muito o trabalho desses profissionais. Agora o governo está debatendo se reconstrói a barragem ou se preserva o achado arqueológico na região do rio Dnipro.
(Fonte: GettyImages)
Este achado chega em um momento oportuno, uma vez que a guerra levantada pela Rússia contra a Ucrânia é, basicamente, uma batalha pela identidade. Vladimir V. Putin, presidente da Rússia, várias vezes menosprezou a independência da Ucrânia, e costuma colocar o país como um apêndice russo, sem uma história ou cultura próprias.
Por isso, o tesouro arqueológico ucraniano se soma aos esforços de cimentar esta identidade do país. “Estamos encontrando pedaços de uma cultura antiga, da nossa cultura antiga. Pedaço por pedaço, estamos nos distanciando da Rússia. Isso é extremamente importante para nós”, afirmou Viacheslav Sarychev, secretário científico da Reserva Nacional de Khortytsia.
De acordo com Anatolii Volkov, todos os objetos estão agora sendo examinados, classificados e catalogados. A equipe de arqueólogos que trabalha nesta descoberta está sendo ampliada, uma vez que é uma espécie de corrida contra o tempo. Há muitos oportunistas que estão tentando se infiltrar no local para pegar objetos no intuito de comercializá-los no mercado clandestino de antiguidades.
Além disso, há também uma pressão para que a história do passado ucraniano não venha à tona. Há o risco, inclusive, de que as autoridades ucranianas façam a barragem ser reconstruída após a guerra, o que fará com que uma parte dessa história seja de novo enterrada.
O local foi submerso em 1956, quando a barragem foi levantada. Ela fazia parte de uma usina hidrelétrica. De acordo com Yevhen Synytsia, isso ocorreu porque “ninguém prestava atenção à identidade ucraniana naquela época”, o que fez com que muitos tesouros fossem perdidos.