Artes/cultura
09/10/2024 às 03:00•2 min de leituraAtualizado em 09/10/2024 às 03:00
Em 2016, uma surpresa gelada chamou a atenção dos cientistas na Antártida: um buraco gigantesco se abriu no gelo marinho do Mar de Weddell, atingindo uma área quase do tamanho da Suíça. Embora o fenômeno das polínias — áreas abertas de água rodeadas por gelo — seja conhecido, a Maud Rise Polínia foi a maior já registrada em 40 anos e deixou os especialistas intrigados.
Inicialmente, meteorologistas atribuíram o surgimento desse buraco descomunal a uma combinação de condições oceânicas nada comuns e uma tempestade intensa. Para investigar melhor o fenômeno, eles contaram com uma ajuda inesperada: elefantes-marinhos equipados com sensores. Com esses “cientistas marinhos improvisados” coletando dados, os pesquisadores começaram a desvendar o enigma. Mas, em 2023, novas pesquisas trouxeram à tona um fator inesperado que parecia ter passado despercebido anteriormente.
Uma das peças principais do quebra-cabeça está relacionada ao Giro de Weddell, uma corrente circular no Oceano Antártico que, entre 2015 e 2018, se mostrou surpreendentemente forte. Isso fez com que uma camada profunda de água salgada e mais quente subisse à superfície, facilitando o derretimento do gelo. "À medida que o gelo derrete, a água doce que se forma na superfície deveria interromper a mistura, então outro processo deve estar acontecendo para a polínia persistir”, disse o professor Fabien Roquet, da Universidade de Gotemburgo.
Usando os dados fornecidos pelos elefantes-marinhos e flutuadores autônomos, os cientistas identificaram que o sal subia em redemoinhos turbulentos enquanto a corrente passava pela Maud Rise, uma elevação submarina que deu nome à polínia. Esse processo criou uma concentração de sal que estabilizava a água na superfície, mantendo a área livre de gelo.
No entanto, o buraco não se formou diretamente sobre o pico da elevação, mas em sua face norte. Isso aconteceu por conta de um fenômeno chamado transporte de Ekman, onde a água se desloca em ângulos retos à direção do vento. Segundo o professor Alberto Naveira Garabato, da Universidade de Southampton, “o transporte de Ekman foi o ingrediente essencial que faltava para equilibrar a quantidade de sal e manter a mistura de sal e calor na água superficial”.
Embora o aquecimento global não seja apontado como o causador direto da polínia de Maud Rise, o fenômeno não está completamente desvinculado das mudanças climáticas. O gelo age como um isolante natural, bloqueando a troca de energia entre o oceano e a atmosfera. Sem essa proteção, há um aumento no fluxo de calor e de dióxido de carbono.
“A marca deixada pelas polínias pode permanecer na água por muitos anos, alterando a movimentação das correntes e o transporte de calor para o continente”, destacou a professora Sarah Gille, da Universidade da Califórnia em San Diego. Isso mostra como o impacto de um evento desse tipo pode reverberar por anos, influenciando a circulação oceânica global e os padrões climáticos.
Embora as condições para a formação de grandes polínias tenham diminuído desde 2018, o surgimento da Maud Rise Polínia deixou muitos questionamentos ainda no ar. Afinal, o que mais a Antártida guarda de surpresas sob seu manto gelado? Esses são mistérios que a ciência ainda deverá desvendar.