Artes/cultura
09/01/2022 às 09:00•3 min de leitura
As ferrovias oferecem diversas vantagens em relação ao transporte por estradas: levam mais passageiros e carga com menos emissões de poluentes, são mais rápidos e confortáveis para longas distâncias, além de compensarem financeiramente a longo prazo, mesmo com custos de construção mais altos. Porém, no Brasil, cerca de 2 terços das cargas são transportadas por caminhões, e a quantidade de pessoas que viaja de trem é irrisória.
Não é que o Brasil não tenha ferrovias: com 30 mil km, estamos entre as 15 maiores malhas ferroviárias do mundo — embora 1 terço disso não seja utilizado e algumas linhas estejam totalmente sucateadas. O problema é que isso é pouquíssimo para um país do tamanho do nosso: os Estados Unidos, não são muito maiores e têm 10 vezes mais linhas férreas; a Alemanha, que é bem menor, tem mais trilhos do que nós.
(Fonte: Biblioteca Nacional)
Claro que as rodovias têm suas vantagens, como menor custo de implantação e manutenção, mas por que o Brasil não investe mais em ferrovias para cobrir suas distâncias continentais? É possível entender isso olhando para a história do país.
Os trens já foram bem importantes no Brasil, entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Ferrovias começaram a ser construídas no Segundo Reinado, com incentivo do governo de Dom Pedro II. Muitos trilhos usados até hoje, aliás, são dessa época.
Além de transportar passageiros, as ferrovias eram usadas para transportar o principal produto de exportação do país: o café. Por isso, muitas linhas eram operadas por empresas privadas, que tinham ligação com a cafeicultura. Bem, aí é que começa o problema.
Com a crise de 1929, que se estendeu pela década de 1930, os consumidores do café brasileiro pararam de comprar — e nós paramos de produzir. As empresas não tinham mais receita nem motivos para operar as ferrovias, como também não tinham recursos para investir em manutenção e modernização da malha ferroviária.
(Fonte: Wikimedia Commons)
A partir disso, tudo só piorou. Para se ter ideia, o Brasil já tinha mais de 30 mil km de ferrovias nos anos 1940, e esse número se mantém até hoje, sendo que 1 terço disso não é utilizado, ou seja, só "andamos para trás".
Na década seguinte, as ferrovias já estavam antiquadas, e as concessões para empresas privadas estavam terminando — sem que ninguém tivesse muito interesse em renová-las. Nesse cenário, em 1957, foi criada a Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA), que iria operar o problemático transporte por trens no país.
Porém, nessa mesma época, o governo do presidente Juscelino Kubitschek (JK) queria crescer 50 anos em 5 e buscou a indústria automobilística para modernizar o Brasil. Carros e caminhões precisavam de estradas para andar, e estradas são muito mais rápidas de construir do que ferrovias.
É fácil fazer essa conta, né? No governo JK as rodovias pavimentadas triplicaram — de 2,5 mil km para 9,5 mil km —, e os trilhos ficaram ainda mais em 2° plano.
Mas os 50 anos em 5 não são os únicos culpados pelo esquecimento das ferrovias no Brasil. A verdade é que governos posteriores, inclusive na ditadura militar, viam mais vantagem em fazer grandes obras rodoviárias (como a ponte Rio-Niterói e a Transamazônica) do que conservar os velhos trilhos dos tempos do Brasil Império.
Na verdade, muitos dos problemas das nossas ferrovias começaram lá atrás. Por exemplo, não foi definido um padrão de bitola (distância entre trilhos), inviabilizando a criação de uma malha unificada. Para piorar, o governo imperial ofereceu uma grana alta por quilômetro construído, o que gerou muitas ferrovias cheias de curvas só para se ganhar um pouco mais.
(Fonte: Unsplash)
Além disso, grande parte das ferrovias existentes estão na Região Sudeste. Aí, quando chegou a hora de investir pesado na integração do Brasil, ficou difícil defender os trens. O Brasil virou um país de estradas, e os passageiros, quando precisam ir de um lado a outro, vão de avião, carro ou ônibus mesmo.
Um dos argumentos é que as ferrovias são deficitárias, isto é, não dão lucro; porém, a verdade é que os trens compensam no longo prazo e para longas distâncias. Além disso, prestam um serviço à população, que não precisa enfrentar dias de viagem — e isso é mais importante do que o lucro financeiro, puro e simples. Em meados do século XX, ninguém pensou nisso.
A partir da década de 1960, linhas de passageiros deficitárias começaram a ser desativadas. O que restou foram trens metropolitanos, como parte das linhas da CPTM em São Paulo ou da Super Via no Rio de Janeiro. Para viagens intermunicipais, há pouquíssimas opções, como a Estrada de Ferro Carajás, entre o Maranhão e o Pará.
Nas décadas seguintes, o Brasil foi afundando cada vez mais em crises econômicas e inflação, então simplesmente não havia recurso para investir em um tipo de transporte que não "andava" muito bem — nem para conservar o que já existia, quem dirá para ampliações. Assim, nos anos 1990, as ferrovias foram entregues à iniciativa privada, novamente.
(Fonte: Biblioteca Nacional)
Hoje, mais da metade da malha ferroviária brasileira pertence à Rumo Logística, que é ligada a empresas de minérios de ferro. Outros 2 mil km, aliás, são operados pela Vale. Quando nossos trens não transportam ferro, eles levam soja e, para as empresas, está tudo bem assim.
Por fim, vale mencionar que o Brasil também poderia aproveitar melhor seus rios e lagos para transporte: de 29 mil km de rios navegáveis, somente 13 mil são utilizados, levando cerca de 1% das cargas. O transporte aquaviário demora mais, é claro, porém também poderia ser mais usado.