Grande Seca de 1877: o horror que destruiu o Nordeste brasileiro

03/10/2022 às 11:003 min de leitura

Não tem um ano que passe sem que os jornais noticiem o quanto a seca está castigando alguns dos municípios do nordeste brasileiro. No ano passado, 500 municípios decretaram situação de emergência e isso significa uma verdadeira luta pela sobrevivência para os moradores.

“Todo mundo pega água. Quem pegou, pegou. Quem não pegou, fica sem pegar”, disse a agricultora Gilvanilza Pinheiro da Paz, moradora de Pedra Branca (Fortaleza), em entrevista ao Jornal Nacional, sobre quando o carro-pipa começa a abastecer a caixa d’água comunitária da cidade.

Normalmente, a seca começa entre maio e junho e termina entre setembro e outubro, porém essa não é mais a realidade do sertão, onde há partes que enfrentam uma estiagem de 5 anos. O resultado é a falta de recursos econômicos, fome, morte e miséria; amplificados pelo descaso em larga escala que acompanha o fantasma histórico desde a Grande Seca de 1877 que iniciou essa história horrenda no Brasil.

Empurrados para o abismo

(Fonte: Fortaleza em Fotos/Reprodução)(Fonte: Fortaleza em Fotos/Reprodução)

O histórico de secas na região Nordeste data desde o século XVI, no período da colonização portuguesa. O primeiro fenômeno registrado aconteceu entre 1580 e 1583, quando as capitanias tiveram seus engenhos prejudicados, fazendas destruídas pela falta de água e a migração de cerca de 5 mil indígenas do sertão, fugindo da morte que acompanhava a fome extrema devido ao território inóspito.

Foi só no século seguinte que os denominados "sertanejos" começaram a ocupar a região que mais tarde seria conhecida como Polígono das Secas, onde há Alagoas, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe, o Norte de Minas Gerais e Ceará –, após a Carta Régia de 1701 da coroa portuguesa proibir a criação de gado a menos de 10 léguas do litoral da costa do Brasil, forçando essas pessoas a se aprofundarem nos sertões.

(Fonte: Pinterest/Reprodução)(Fonte: Pinterest/Reprodução)

Ao longo de todo esse período, as estiagens começaram a deixar um rastro traumático pelas capitanias, apresentando seus horrores para homens, mulheres e famílias que se refugiavam na região; ceifando rebanhos e vidas em larga escala. A falta de infraestrutura nessa configuração, que não acompanhou a migração massiva da população, causou fome de maneira generalizada com a chegada de cada onda da seca. Mas o pior ainda estava por vir. 

No primeiro período de estiagem de 1877, uma sucessão de fatores climáticos culminou na primeira Grande Seca, que não durou apenas 3 meses, mas 2 áridos anos, abrangendo toda a região equatorial do globo. Apesar de todos os recantos mais isolados do Nordeste terem sido afetados, o Ceará foi o que mais pereceu.

A falta de chuva, combinada com a epidemia de varíola que se deflagrou, matou 5% da população do Brasil nos dois anos de estiagem, ou seja, 500 mil pessoas, com base no primeiro censo de 1872. Só no Ceará, em 1878, 119 mil pessoas morreram em suas casas, cerca de 400 vidas por dia; e 55 mil foram obrigadas a migrar, temendo acabarem como seus vizinhos, colegas, amigos ou familiares.

A avalanche de morte

(Fonte: Governo Federal/Reprodução)(Fonte: Governo Federal/Reprodução)

Foi puramente a fome que matou essas pessoas. Quando não por inanição, então por ingestão de vegetais venenosos, tamanho era o desespero. No momento em que palmeiras, amêndoas e entrecascas dos cocos já não eram o suficiente, as pessoas recorreram à carne de animais, indo de cães a abutres.

Até 1878, mais de 80 mil retirantes chegaram à Fortaleza, então com uma população de apenas 19 mil habitantes. Lânguidos, esquálidos, descalços e seminus, eles ocuparam ruas e praças, com os olhos encovados implorando por comida. Eles se tornaram o pior pesadelo da elite, que os enxergava como verdadeiros animais.

O êxodo alarmou o governo, gerando desentendimento entre os estados de Pernambuco e Alagoas, por exemplo, porque ambos julgavam não ter responsabilidade sobre um contingente de 9 mil sertanejos na fronteira. Os alagoanos se queixavam que os migrantes só estavam ali porque tentavam alcançar o depósito de alimentos pernambucano em Taracatu; enquanto os pernambucanos alegavam que as pessoas ainda estavam em solo alagoano.

(Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural/Reprodução)(Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural/Reprodução)

Foi em meio a esse caos que o fotógrafo Joaquim Antônio Corrêa capturou as imagens mais emblemáticas da história da seca brasileira ao fotografar crianças e adultos em pele e osso, em uma tentativa desesperada de sensibilizar a opinião pública, enquanto mulheres se prostituíam por um prato de comida e outras se matavam por carcaças de ossos em sacos de lixo na porta dos fundos dos açougues.

A tragédia alcançou nível internacional, adicionando um capítulo no estilo Victor Hugo à narrativa brasileira, e a campanha de sensibilização acabou dando certo. Na capital do Império e nas províncias do sul, foram organizados bailes e banquetes beneficentes para as vítimas da seca – embora essa atitude estivesse muito longe de enxergá-los como o que eram: seres humanos.

Não é para menos que nessa época o governo já tomava uma atitude para manter “esse tipo de gente” em seu "devido lugar": os currais da seca. O nome fazia sentido para as autoridades, visto que animais bestializados como os sertanejos precisavam ser confinados em instalações neolíticas desprovidas de qualquer estrutura.

Quando a seca teve fim e sua onda de horror recuou, o imperador D. Pedro II chegou a declarar: "Não restará uma única joia na Coroa, mas nenhum nordestino morrerá de fome", como uma maneira de demonstrar preocupação com o assunto. Foi criado até mesmo uma comissão imperial para lidar com futuras secas, bem como vários projetos, de construção de ferrovias a açudes.

Nada disso se concretizou e quando a onda da seca se levantou, em 1915, os sertanejos sucumbiram mais uma vez, só que de maneira pior.

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