Cooma: a penitenciária usada para prender homens homossexuais

09/10/2022 às 09:005 min de leitura

Oprimidos, perseguidos, assassinados e condenados. A purgação das pessoas LGBTQIAP+ ainda é uma chaga crônica rasgada através da História, começando no século XII, quando os homossexuais que viviam na Europa dominada pelo cristianismo eram castrados, decapitados, afogados em pântanos e queimados na fogueira em praça pública.

Até a ascensão de Hitler na Alemanha da década de 1930, existia uma tolerância razoável sobre ser homossexual, com uma cena gay florescente em Berlim. Porém, a seção 175 do Código Civil da Alemanha determinava a relação entre pessoas do mesmo sexo ilegal no país. Em 1935, o regime nazista ampliou essa lei, aumentando a pena para atividades homossexuais de 6 meses para 5 anos, fazendo a prisão de 8 mil homens em 2 anos. Foi assim que o Holocausto chegou até os gays.

Estima-se que 15 mil homens tenham sido encarcerados em campos de concentração, dos quais 60% foram assassinados, pereceram nas câmaras de gás ou durante trabalho escravo. Fora daquele horror, houve uma onda de denúncias sistemáticas, em que muitos foram alvo de investigações e perseguidos pelo governo.

(Fonte: Steve Nesius/Reuters/Reprodução)(Fonte: Steve Nesius/Reuters/Reprodução)

E apesar das leis e revoluções, os tempos modernos ainda são uma dificuldade para a comunidade. De acordo com dados levantados pela Organização Stonewall, dos Estados Unidos, uma em cada oito pessoas LGBT (13%) já sofreu alguma forma de tratamento desigual em sistemas de saúde. Mais de um terço dos funcionários LGBTs (35%) escondem sua orientação sexual no trabalho por medo de discriminação. Dois terços (64%) das pessoas LGBTQIAP+ sofreram violência ou abuso em sua vida.

Atualmente, 70 países criminalizam relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, sendo que em 11 deles a pena de morte para essas pessoas é permitida, tendo como exemplo o Irã e a Arábia Saudita. Um quarto da população mundial acredita que ser LGBT+ deveria ser crime.

Na década de 1950, a Austrália foi bem específica sobre declarar ser contra os homossexuais ao reabrir a penitenciária de Cooma para prender homens gays.

Incitando uma guerra

(Fonte: The Greatest Menace/Reprodução)(Fonte: The Greatest Menace/Reprodução)

Quando o jornalista Patrick Abboud, responsável por trazer a história da prisão à tona no podcast investigativo The Greatest Menace, ouviu seu colega de trabalho, Simon Cunich, dizer que havia recebido a pauta de uma história bizarra sobre uma prisão destinada para homens gays, ele imaginou que fosse em algum lugar da Rússia, Alemanha Oriental ou do sul dos Estados Unidos, mas estava errado.

Os propósitos e horrores da única instituição prisional do mundo destinada a prender homens gays foram estabelecidos nos confins da Austrália, em uma pequena cidade chamada Cooma, em Nova Gales do Sul.

A instituição foi erguida para ser um sanatório e depois usada como a prisão da cidade, ficando desativada do início dos anos 1900 até 1957, quando foi reaberta com o propósito de perseguir homens gays. O projeto foi ideia do então ministro da Justiça de Nova Gales do Sul, Reg Dowming, que assumiu com orgulho o que considerou seu "projeto de estimação".

“Em nenhum lugar da Europa ou da América encontrei prisões onde homossexuais foram separados de outros prisioneiros”, revelou ele ao Sydney Morning Herald, em 1957.

Reg Downing. (Fonte: Wikimedia Commons)Reg Downing. (Fonte: Wikimedia Commons)

No ano seguinte à abertura do Centro Correcional de Cooma, um comunicado liberado pela imprensa definiu os homossexuais como "infratores", portanto, o local era destinado as suas práticas "hediondas". Todos os homens foram lá encarcerados por simplesmente exercerem sua orientação sexual ou por cometerem "crimes" relacionados a ser gay, o que envolvia viver com alguém do mesmo sexo, ter relações sexuais ou flertar com essa intenção.

Em 1955, as leis estaduais para reprimir a homossexualidade foram tão severas que mais tarde foram comparadas com a constituição draconiana, do final do século VII a.C. Todas as cláusulas seguiram de perto as ideias sociais do comissário de polícia do estado, Colin Delaney, que sentia que a legislação corretiva era uma necessidade urgente para combater "aquele tipo de mal".

Portanto, um homem poderia ser preso ou encarar um interrogatório simplesmente por conversar com outro em local público, atacando de maneira abrangente as liberdades civis dos homens, tanto cuja orientação sexual era gay, quanto aqueles que não eram. Isso aumentou o ódio dos homens heterossexuais pelos homossexuais, pois sentiam como se estivessem sendo punidos pela conduta "desviada" de terceiros, reforçando a ideia de criminalidade do "comportamento gay". 

O chamado "crime de sodomia" foi punido com 14 anos de prisão em Cooma, enquanto a tentativa de sodomia tinha pena de 5 anos. Para piorar, estava previsto em Lei que o homem poderia ser preso se confirmado crime de sodomia com ou sem o consentimento de outro homem, ou seja, assim não havia arestas para que uma defesa pudesse ser constituída.

O conluio de Cooma

(Fonte: Carl Purcell/Hulton Archive/Getty Images)(Fonte: Carl Purcell/Hulton Archive/Getty Images)

Existe um motivo pelo qual o comissário de polícia do estado foi tão considerado durante toda a purgação gay que aconteceu naquele pedaço da Austrália. A prisão gay de Cooma foi um esforço coordenado entre o governo e a polícia local para experimentação de uma cura para a homossexualidade, portanto, haviam agentes provocadores para incitar homens a cometerem atos homossexuais. E isso foi feito de todos os jeitos, desde colocando homens bonitos em bares para flertarem, quanto nos banheiros públicos para tentar fazer outros homens cederem às seduções predatórias.

No ano seguinte à abertura da instituição, o governo de Nova Gales do Sul anunciou sua comissão de inquérito para o tratamento da homossexualidade, que envolveria médicos, psiquiatras, e especialistas em penalogia e bem-estar social e moral – o que incluía reverendos. Foi dessa forma que a existência de uma prisão foi inclusa na cena, com a desculpa não muito velada de que "facilitaria a investigação dos criminosos homossexuais".

“O governo considera que o problema deve ser atacado com vigor após uma avaliação científica e uma possível solução”, disse Downing em seu comunicado à imprensa.

Em The Greatest Menace, Abboud explica que as conclusões psiquiátricas da época para a causa da homossexualidade era o excesso de zelo ou convivência com a mãe, e excesso de autoridade maternal, que teria gerado o overmothering. Dessa forma, o homem gay teria desenvolvido uma antipatia por outras mulheres, sendo forçado a recorrer a outros homens para se relacionar afetiva e sexualmente.

O relatório que atestava isso foi encoberto nos registros históricos após o desmanche da instituição.

A história se repete

(Fonte: New York Daily News Archive/Getty Images)(Fonte: New York Daily News Archive/Getty Images)

O que acontecia por de trás dos altos muros da prisão gay de Cooma não foi muito diferente do que ainda acontece em centros de terapia de conversão espalhados em lugares remotos da Europa.

Abboud relatou registros sobre terapia de aversão e psicocirurgia, uma espécie de lobotomia, que eram usados em prisioneiros a fim de descobrir o que causava a homossexualidade. Mas nada disso adiantou. O líder do projeto na prisão, o professor William Trethowan, teve que enterrar os relatórios por algum motivo – ou por não conseguir encontrar a cura, ou pelas coisas horríveis que fizeram lá que não podiam aparecer em detalhes.

O que se sabe, porém, é que a prisão não conseguiu coibir nem sequer as relações dos prisioneiros entre si, que acontecia em larga escala, como relatam antigos funcionários que também não sabiam a verdadeira razão pelo qual esses homens estavam lá.

“Cooma era uma instituição de proteção. Nós carimbávamos os prisioneiros homossexuais com N/A: 'não associação com prisões convencionais'. Eles corriam risco de violência em prisões maiores, como em Long Bay”, disse Les Strzelecki, de 66 anos, à BBC. Durante o tempo em que foi oficial de serviços de custódia na prisão, ele acreditou que os presos eram enviados para lá para sua própria segurança.

Patrick Abboud. (Fonte: Facebook/Reprodução)Patrick Abboud. (Fonte: Facebook/Reprodução)

É incerto até quando os prisioneiros foram enviados para o Centro Correcional de Cooma devido ao encobrimento das evidências e destruição de arquivos, mas é possível que até o início dos anos 1980, quando a instituição foi fechada – hoje atua como prisão de segurança mínima e média.

Em 1984, a relação homoafetiva foi descriminalizada em Nova Gales do Sul, contudo, nada ironicamente, a investigação de Abboud foi lançada uma semana após o governo federal tentar aprovar um projeto de lei de descriminação religiosa.

“O uso da vergonha como arma é algo intrínseco à vida de jovens queer hoje em dia. E na Austrália, as sementes disso foram plantadas naquela prisão gay em Cooma”, argumenta o jornalista. 

Portanto, Abboud não está errado em dizer que ainda acontece pelo mundo o mesmo que em 1957 em Cooma, só que sob uma roupagem diferente – e mais cínica.

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