A longa trajetória da consolidação do voto no Brasil

25/10/2022 às 02:004 min de leitura

Em um período de extrema polarização política e de turbulências sociais, as eleições de 2022 repetiram o momento de transformação que aconteceu em 2018, quando Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PL) ascenderam às pesquisas de voto com discursos fortemente opostos para a presidência da República, dividindo o país.

Esse ano, com o embate entre Luís Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro pela presidência, as eleições 2022 se tornaram a maior da história do Brasil em volume de pessoas aptas a votar – um contingente de 9,1 milhões a mais comparado a 2018, quando eram 147,3 milhões de eleitores inscritos na Justiça Federal.

Mais do que nunca, o ato de votar constitui mais que um dever ou direito, mas um compromisso político consigo e também com os 212 milhões de habitantes do país. Apesar disso, poucos falam ou pouco se sabe sobre a história do voto no Brasil, um poder-dever tão importante para a sociedade.

O poder na mão de quem tinha poder

(Fonte: Museo Histórico Nacional/Reprodução)(Fonte: Museo Histórico Nacional/Reprodução)

Falar de voto é voltar 490 anos no passado do Brasil, aterrissando no período de 1532, passada a fase em que os portugueses se estabeleceram e flertaram de maneira amigável com os indígenas, iniciando o processo furioso de colonização.

Com este, em 23 de janeiro daquele ano, surgiu a primeira eleição para a Câmara Municipal de São Vicente, a primeira vila inaugurada pelos portugueses no Brasil, que estabeleceram a eleição para eleger indiretamente os oficiais do Conselho Municipal.

A partir desse momento, o ato de votar se tornou comum para determinar representantes locais, de Juiz de paz a vereadores, e só foi desempenhado por grandes donos de terras e proprietários de escravos – ou seja, o voto era censitário, isto é, apenas uma parcela da população tinha direito.

(Fonte: Wikimedia Commons)(Fonte: Wikimedia Commons)

Em 1821, votar ainda era restrito ao âmbito municipal, não existiam partidos políticos e o voto era aberto. Isso só caiu com a Independência do Brasil e o surgimento da Constituição de 1824, que vigorou durante a fase imperial do Brasil, e estabeleceu uma estrutura política em três níveis – municipal, província e governo central.

As eleições foram realizadas indiretamente para cargos na Câmara de Deputados, Senado, Assembleias Provinciais; e diretamente para Câmaras Municipais e Juízes de Paz. Apenas cidadãos com um mínimo de renda podiam exercer o direito ao voto, o que ficava entre 100 mil-réis anuais para ser votante, e 200 mil-réis anuais para ser eleitor.

Sem foto, o título de eleitor surgiu em algum momento de 1881, o que levou a muitas fraudes e mazelas, que já eram facilitadas pela organização eleitoral e política. E essa estrutura, que vigorou até meados de 1889, quando terminou o período imperial do Estado, se apoiou em muito nas transformações mundiais que mostraram que o processo eleitoral brasileiro era algo fundamental para manter a política organizada.

O cabresto

(Fonte: Sérgio Motcha/ArtStation/Reprodução)(Fonte: Sérgio Motcha/ArtStation/Reprodução)

A partir da Proclamação da República, seguida pelo início do presidencialismo, o voto elegeu pela primeira vez um civil para presidiar o Brasil, o advogado Prudente de Morais, em 1894, tendo Manuel Vitorino Pereira como vice-presidente.

Vale ressaltar que antes de Morais, em 1889, Deodoro da Fonseca ascendeu ao cargo federal sem o voto direto, renunciando dois anos depois e sendo sucedido por Floriano Peixoto, em 1891, que permaneceu no cargo até que Morais ganhasse as eleições com votos.

E apesar desse feito creditado ao voto, ter Morais como presidente não significava um desejo da maioria dos brasileiros, visto que o poder de voto ainda se concentrava na mão de poucos. Os menores de 21 anos, as mulheres, analfabetos, mendigos, soldados rasos, indígenas e integrantes do clero eram proibidos de votar – e eles configuravam uma parcela grande e importante da sociedade.

Prudente de Morais. (Fonte: Wikimedia Commons)Prudente de Morais. (Fonte: Wikimedia Commons)

Entre 1889 e 1930, durante a denominada República Velha, a prática sociopolítica do coronelismo dominou o período, quando os chamados coronéis que exerciam o poder local sobre as camadas sociais inferiores se valeram do voto de cabresto a fim de garantir votos em troca de favores das esferas políticas locais, estaduais e federais.

Uma vez que não existia uma Justiça Eleitoral independente e idônea, práticas de coerção como essa eram comuns, fazendo das eleições um processo totalmente unilateral e corrupto que beneficiava quem soubesse jogar o jogo da política. Para vencer, foi usado de todo o tipo de tramoia, como ressuscitar nomes de pessoas mortas ou inventá-los. Foi assim que apenas aquele que tinha cartas na manga permaneceu no poder.

Da opressão à liberdade

(Fonte: Evandro Teixeira/Reprodução)(Fonte: Evandro Teixeira/Reprodução)

A Era Vargas, que predominou de 1930 a 1945, foi caracterizada por um período de progressos e transformações políticas, sociais e econômicas fundamentais para o processo eleitoral no Brasil, principalmente com a inclusão da instituição do voto das mulheres e do voto secreto. Além disso, com a criação do Tribunal Superior Eleitoral e dos Tribunais Regionais Eleitorais para supervisionarem o processo, as eleições se encaminhavam, finalmente, para algo mais amplo e limpo – pelo menos no quesito de votos.

Com o fim do Estado Novo, em 1945, em que as eleições foram suspensas, foi o momento de maior experiência democrática do país, com as mulheres podendo então votar para presidente e os analfabetos também adquirindo seu direito.

O Golpe de 1964, que instaurou a Ditadura Militar por 20 derradeiros anos no Brasil, limitou as eleições a apenas alguns cargos, mas não ocorreu nenhuma eleição direta para Presidência da República. Isso só voltou a acontecer a partir de 1984, quando o país atravessou um longo processo de redemocratização após o movimento pelas Diretas Já.

(Fonte: Roberto Jayme/TSE)(Fonte: Roberto Jayme/TSE)

No ano seguinte, com a morte de Tancredo Neves, que não conseguiu ser empossado como presidente a tempo, José Sarney no cargo de vice ascendeu como o primeiro presidente civil depois de 20 anos, e promulgou a nova Constituição Federal.

Seu governo iniciou uma nova era tanto para o Brasil quanto para o processo eleitoral, consolidando o voto universal e secreto, e garantindo a idoneidade das eleições de maneira ampla, principalmente com a criação das urnas eletrônicas, em 1996, e do trabalho das Justiças Eleitorais.

Desde então, o Brasil se tornou dono do quarto maior eleitorado do mundo, e um modelo no processo de votação e nas eleições para as demais nações.

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