Ciência
25/02/2023 às 05:00•3 min de leitura
Uma das características mais notórias da medicina antes dos tempos modernos foram as amputações. Em uma época em que pouco se sabia sobre anatomia humana, os médicos-barbeiros – em muitos casos – acreditavam que a retirada de um membro era a única solução para que o paciente conseguisse sobreviver – o que nem sempre acontecia.
Por outro lado, nos últimos dois séculos, amputar um membro era a única alternativa salva-vidas possível, e a forma mais comum de tratamento disponível para a presença de infecção avançada, carne morta e ossos quebrados. No período de guerra, principalmente na Guerra Civil Americana, a amputação se tornou a maneira mais fácil e rápida de salvar a vida de uma pessoa.
(Fonte: Hulton Archive/Getty Images)
A amputação mais antiga registrada data de mais de 30 mil anos, e aconteceu em Bornéu, uma ilha na Malásia, conforme identificou um estudo publicado em 2022 na revista Nature a partir de restos ósseos encontrados em uma caverna. Os pesquisadores determinaram que os ossos pertenceram a um jovem de cerca de 19 ou 20 anos, e descobriram que ele foi amputado porque faltava o terço inferior da perna do esqueleto, devido a uma marca na cicatrização do osso.
Os cientistas estimam que o corte aconteceu pelo menos 6 anos antes da morte dele, durante sua infância. Esse jovem foi uma das curvas das estatísticas que desafiavam a morte no tempo pré-histórico, em que amputações foram usadas como remédio para tudo. Muitos não sobreviviam devido às condições, porém registros deixam claro de que isso não impediu que os povos daquele tempo continuassem fazendo – e que alguns sobrevivessem.
Mas nem todas as amputações feitas nos tempos antigos foram por razões médicas, ela também atuou como método punitivo em várias partes do mundo. Na Babilônia, por exemplo, crimes graves eram punidos com amputações; já no Peru, crimes dos mais brandos, como mentir e ter preguiça, até o ato de roubar, eram punidos com amputações.
(Fonte: Tim Maloney/Griffith University/AP/Reprodução)
Os romanos antigos engataram na prática de "amputação punitiva" durante o império de Constâncio Aurélio, embora tenha sido reservada aos escravos. Quando Focas assumiu o poder, a amputação estava cada vez mais alta, e ele acrescentou a tortura e cegueira como punição por qualquer tipo de crime.
A prática caiu entre os séculos XIV e XVI, na era do Renascimento, e só foi introduzida novamente no século XIX, quando os europeus embarcaram na colonização da África. Os belgas ficaram conhecidos por deceparem as mãos dos escravos congoleses com frequência só por não estarem processando a borracha na velocidade exigida.
Apesar do teor altamente ultrapassado, a amputação punitiva ainda é praticada em alguns países, como Irã e Afeganistão.
(Fonte: Harper's Weekly,/MET Museum/Reprodução)
Com base em registros, a Guerra Civil Americana é considerada o ponto de partida em que as amputações se tornaram práticas comuns, como consequência do conflito. O American Battlefield Trust estima que 75% das cirurgias realizadas naquele período foram amputações, com uma média de cerca de 1.250 por mês.
O volume de soldados feridos necessitando de cuidados implicou na necessidade de medidas rápidas. Ou seja, os médicos não tinham muito tempo – tampouco recursos – para procurar por opções alternativas e menos invasivas, portanto, a amputação era o recurso final para o tratamento de infecções, ossos quebrados, nervos ou músculos rompidos – deixando mais do que claro de que nem sempre o procedimento era necessário. Muitas pessoas perderam membros desnecessariamente.
(Fonte: Wikimedia Commons)
Ainda assim, a amputação, como nos tempos antigos, não era garantia de que eles fossem sair vivos da mesa de cirurgia, sobretudo porque, geralmente, os soldados já chegavam gravemente feridos e subnutridos devido às condições adversas no campo de batalha.
Em 2018, foi descoberto durante a escavação de um conhecido campo de batalha da Guerra Civil em Virgínia, uma imensa vala comum para membros retirados dos combatentes do conflito. Por muito tempo os historiadores não faziam ideiam de para onde eles foram parar, apenas que se tornaram um grande problema para os hospitais de campanha da época.
(Fonte: Graham E. Welch/FPG/Archive Photos/Getty Images)
No século XX, amputação continuou a ser uma cirurgia de controle de danos comum durante a Primeira Guerra Mundial. Em seu livro Dismembering the Male: Men's Bodies, Britain and the Great War (1996), Joanna Bourke relata que 41 mil soldados britânicos tiveram membros amputados durante o conflito, sendo que 3% deles perderam mais do que um membro.
Os grandes casos estão associados ao armamento moderno e mais danoso usado pelos exércitos da Primeira Guerra Mundial, e também devido ao pé de trincheira – uma condição grave causada por ficar com os pés na água por um longo tempo. O problema se tornou tão preocupante que mais de 75 mil soldados britânicos morreram de infecções oriundas da condição.
A amputação foi a técnica mais eficaz e rápida que os médicos encontraram para evitar o pior. Mas o horror da amputação rudimentar não terminou com a guerra. As vítimas tiveram que voltar para casa e lidar com todas as limitações. Incapazes de trabalhar, muitas vezes com dores ou viciados em analgésicos, a maioria sucumbiu à depressão ou acabou tirando a própria vida.
As próteses disponibilizadas na época não facilitaram a vida dos amputados, muito pelo contrário, sua estética rudimentar limitava ainda mais e dava uma sensação de que a pessoa não deveria se esforçar tanto assim para viver.