Artes/cultura
20/03/2023 às 10:00•4 min de leitura
A reforma do Ensino Médio é um projeto do governo Temer, de 2017, que se tornou obrigatória em 2022 — com implementação gradual até 2024. Mas só um ano depois da obrigatoriedade, antes mesmo de concluir o calendário, diversas entidades pedem sua revogação. A verdade é que, para muitos estudantes, o Novo Ensino Médio se tornou bem pior que o antigo.
Entre os principais críticos do novo sistema, estão os professores e aluno de escolas públicas. Mas, para entender essa polêmica, é importante entender o que é o Novo Ensino Médio.
Estudantes de escolas públicas pedem a revogação do Novo Ensino Médio (Fonte: Agência Brasil/EBC)
O primeiro ponto polêmico do Novo Ensino Médio é como foi implementado: por uma MP (medida provisória). Então, o governo Temer simplesmente redigiu a lei e colocou em vigor — coube ao Congresso Nacional apenas aprovar ou revogar. Aprovou, mas sem ter nenhuma conversa com a população ou especialistas.
Dito isso, a própria proposta é repleta de problemas, segundo os críticos.
A carga horária mínima passa de 2.400 horas (nos três anos) para 3.000 horas/aula. Com isso, todas as escolas de Ensino Médio no Brasil serão integrais. Isso pode até ser positivo para as escolas com salas de aulas disponíveis e para os alunos que têm tempo. Mas não considera que muitos jovens estudam à noite para trabalhar de dia, nem que muitas escolas fazem três turnos (manhã, tarde e noite) para dar conta da demanda.
Mas apesar desse aumento da carga horária, o tempo dedicado aos estudos, na realidade, vai diminuir. Isso porque as 13 disciplinas que existiam antigamente passam a ser agrupadas em 4 áreas do conhecimento:
Novo Ensino Médio não tem matérias, mas sim áreas do conhecimento, como no ENEM (Fonte: Agência Brasil/EBC)
E uma quinta área do conhecimento foi incluída na reforma: formação técnica e profissional. A nova área também é polêmica, uma vez que parece se preocupar com a formação de mão de obra para o mercado de trabalho — em vez da educação e formação crítica do aluno, que seria o principal papel de uma escola.
Além disso, as quatro áreas do conhecimento, que abrigam as matérias "tradicionais", só terão 1.800 horas/aula no Novo Ensino Médio. Na prática, muitos jovens do terceiro ano já estão com menos aulas de assuntos que serão cobrados deles no ENEM e nos vestibulares.
Isso sem falar que essa separação por áreas do conhecimento obriga os professores a criarem conteúdos interdisciplinares — mas sem a formação e o investimento necessários para isso. Se um professor se formou em geografia, como ele vai ministrar aulas que envolvem biologia?
E se os conteúdos obrigatórios correspondem a só 1.800 horas, o que será feito com as outras 1.200? Aí vem outra grande polêmica: os itinerários formativos. Nas propagandas dos governos Temer e Bolsonaro, isso foi colocado como a grande possibilidade de escolha dos jovens.
A ideia dos "itinerários formativos" é permitir que os jovens escolham em quais áreas querem focar seus estudos, com matérias optativas. Mas isso gera diversos problemas.
Para começar: se os alunos podem escolher, é preciso ter opções de disciplinas, certo? Então, serão formadas mais turmas menores, com os alunos que escolheram aquela área... Mas como implementar isso em escolas que não têm salas e professores suficientes nem para as matérias obrigatórias? Que tipo de matérias optativas poderão ser oferecidas?
Bom... Há trechos da lei que pressupõem que essa carga horária optativa não precisa ser dada pela própria escola — abrindo margem para parcerias com instituições privadas. Na realidade, não precisam nem ser ministradas por professores, mas sim por "pessoas com notório saber", além de poderem ser aulas à distância.
Como fazer brigadeiro? Em algumas escolas, isso virou matéria do Novo Ensino Médio (Fonte: GettyImages)
Na prática, esse Ensino Médio da escolha está sendo limitado a uma ou duas opções. Também há escolas oferecendo "disciplinas" de "como fazer brigadeiro" e "mundo pet". Em outras, esse tempo é dedicado ao chamado "projeto de vida", onde os alunos discutem sobre seus sonhos com os professores.
O problema é que os estudantes precisam preencher 1.200 horas de sua carga horária com essas "matérias" — que entram no lugar de aulas de física, química, biologia, história, língua portuguesa e literatura... Sim, porque a ideia do Novo Ensino Médio é que, no terceiro ano, o estudante tenha mais aulas das matérias optativas do que das obrigatórias.
Isso não é um problema para as escolas particulares, que podem oferecer todas as disciplinas obrigatórias, além de um recheado cardápio de optativas: idiomas, robótica, programação... Aí mora outro grande problema do Novo Ensino Médio: a desigualdade.
Para os críticos do novo sistema, ele tende a aumentar as desigualdades. De um lado, alunos que terão todas as matérias essenciais, mais as opções. De outro, estudantes que vão perder conteúdos importantes e terão aulas piores em troca. Até porque, com a aprovação da PEC do Teto de Gastos, também no governo Temer, as escolas não receberam investimento adequado para implementar essas propostas. E o governo Bolsonaro, apesar de "furar" o teto de gastos várias vezes, foi o que mais cortou recursos da educação.
Para as entidades de professores e uniões de estudantes, não tem outro jeito: o governo Lula precisa revogar o Novo Ensino Médio e abrir discussões para criar uma nova proposta.
Já os defensores acreditam que o novo sistema é bom, precisa apenas ser implementado da forma adequada. Vale lembrar que, entre os defensores, estão as escolas particulares, além de empresas que pretendem vender cursos para professores e apostilas para as novas matérias.
O Ministério da Educação, por sua vez, admite que a implementação do Novo Ensino Médio foi equivocada, mas afirma que não vai revogar a lei, por inteiro. Por enquanto, consultas públicas estão sendo feitas para analisar ideias de reforma, para melhorar o Novo Ensino Médio.