Artes/cultura
08/04/2023 às 08:00•3 min de leitura
A Guerra do Vietnã está entre aquelas que mais marcaram a história. Na manhã de 16 de março de 1968, o tenente Calley e seu pelotão foram levados de helicóptero para My Lai, uma pequena aldeia situada em Song My, na província de Quang Ngai, no Vietnã. Eles estavam se preparando para uma ação ofensiva contra o 48º batalhão vietcongue, junto com outras tropas dos EUA.
Os norte-americanos acreditavam que o 48º batalhão tinha um acampamento base perto de Song My e que a Companhia Calley enfrentaria uma forte resistência, com uma desvantagem numérica de mais de dois para um. Fora isso, os vietcongues tinham a vantagem de conhecer o terreno, considerando que os guerrilheiros controlavam a área há vinte anos.
No entanto, Calley e seu soldados foram surpreendidos ao entrar em My Lai sem ouvir nenhum tiro, sem encontrar minas ou armadilhas, e sem precisar de morteiros ou apoio direto de artilharia. Em vez disso, o pelotão de Calley encontrou apenas idosos desarmados, mulheres, crianças e bebês, que estavam dando início nas atividades rotineiras daquela manhã. Não havia nenhum soldado do 48º batalhão vietcongue no lugar.
(Fonte: Ronald L. Haeberle/Wikimedia Commons)
Essa história começou porque a inteligência dos EUA sugeriu que o 48º Batalhão estava em My Lai, quando, na verdade, eles estavam bem distantes dali. Em 15 de março, o comandante da Charlie Company disse que eles teriam a chance de lutar contra o inimigo. Acreditando que os civis já tinham ido embora, ele ordenou que qualquer pessoa encontrada fosse tratada como um inimigo – e que os soldados poderiam atirar em qualquer coisa que se movesse.
As tropas receberam ordens para destruir plantações e edifícios, e matar os animais. Quando o restante da companhia chegou, por volta das 7h50, Calley liderou um grupo para o leste de My Lai. Embora não houvesse resistência, eles mataram vietnamitas indiscriminadamente.
Na hora seguinte, mulheres, crianças e idosos foram reunidos e mortos a tiros. Soldados americanos também cometeram estupros. Outro grupo matou dezenas de pessoas que oravam em um pequeno templo com incenso nas mãos e os olhos cheios de lágrimas. Um terceiro grupo praticamente destruiu o vilarejo enquanto atiravam nos sobreviventes. Às 9h, Calley ordenou a execução de até 150 civis vietnamitas que haviam sido levados até uma vala.
Por volta do meio-dia, aproximadamente 500 civis vietnamitas já tinham sido assassinados. O Capitão Ernest Medina deu ordens para que a Charlie Company fizesse uma pausa para o almoço e relatou a seus superiores que muitos “combatentes” vietcongues haviam sido neutralizados na operação. Do lado dos EUA, apenas um ferido: um soldado acabou atirando em seu próprio pé ao tentar consertar uma arma com defeito.
(Fonte: Ronald L. Haeberle/Wikimedia Commons)
Durante os eventos, o sargento Ronald Haeberle, fotógrafo do Exército dos Estados Unidos que estava com a Charlie Company, tirou fotos para o registro oficial em preto e branco do exército. No entanto, ele também usou sua câmera pessoal para filmar em cores. As imagens em preto e branco mostravam soldados realizando operações típicas de busca e destruição, como revistar prisioneiros e propriedades, além de queimar cabanas. Embora essas ações fossem contra as diretrizes do comando militar dos EUA, elas não provavam diretamente crimes de guerra.
Por outro lado, as imagens coloridas pessoais de Haeberle, que não foram entregues ao Exército, mostravam cenas chocantes de mulheres, crianças e bebês mortos, assim como de um grupo de mulheres e crianças prestes a serem baleados. Essas fotos foram publicadas em revistas e jornais e ajudaram a mobilizar o movimento anti-Guerra do Vietnã que crescia nos EUA. As imagens se tornaram algumas das mais famosas e icônicas de guerra.
(Fonte: National Archives and Records Administration/Wikimedia Commons)
A carnificina poderia ter sido maior, porém, se não fosse a intervenção de um combatente dos EUA. Durante o massacre em My Lai, o Subtenente e piloto Hugh Thompson estava sobrevoando a área com seu helicóptero de reconhecimento em baixa altitude. Ele percebeu o que estava acontecendo ao avistar civis feridos, chegando a sinalizar suas localizações com granadas de fumaça, pedindo que outros helicópteros se dirigissem ao local para ajudar na retirada.
No entanto, sua aeronave estava ficando sem combustível. Após reabastecer, Thompson voltou a My Lai apenas para descobrir que os civis feridos que tinha visto haviam sido mortos. Ele viu então um esquadrão de soldados americanos indo em direção a um grupo de mulheres e crianças, e pousou seu helicóptero entre os dois grupos.
Então, Thompson ordenou que o chefe de equipe Glenn Andreotta e o artilheiro Lawrence Colburn manejassem as suas armas para impedir o avanço dos próprios companheiros, caso desobedecessem à ordem de cessar-fogo. Enquanto isso, Thompson chamava os civis para seu helicóptero para transportá-los para um local seguro.
Em reconhecimento à tal ato e coragem que demonstraram, Thompson, Colburn e Andreotta receberam a Medalha do Soldado em 1998, mesmo não entrando em combate direto com o inimigo e que tenham apontado suas armas contra os próprios colegas.
(Fonte: Ronald L. Haeberle/Wikimedia Commons)
Após o massacre de My Lai, uma investigação foi aberta e 14 oficiais foram implicados de forma direta ou indireta na operação, incluindo dois generais. No entanto, três oficiais, o tenente-coronel Frank A. Barker, o capitão Earl Michaels e o tenente Stephen Brooks, já haviam falecido antes do início da investigação.
As implicações da operação foram amplamente divulgadas e geraram um grande escândalo, tanto nos Estados Unidos quanto internacionalmente. O massacre se tornou um símbolo das atrocidades cometidas durante a Guerra do Vietnã e aumentou ainda mais a oposição ao conflito.
As consequências do massacre de My Lai são sentidas até hoje e servem como um lembrete dos horrores da guerra e dos danos causados por uma liderança militar inadequada.