Artes/cultura
03/03/2020 às 14:00•5 min de leitura
No dia 13 de dezembro de 1985, cerca de 21h do horário local, o vulcão nevado de quase 6 mil metros de altura chamado Nevado del Ruiz, situado a cerca de 130km da capital da Colômbia, em Bogotá, entrou em erupção depois de 69 anos de dormência e também após demonstrar sinais de que explodiria um ano antes. Foi sobre esse aspecto que milhares de pessoas teriam sobrevivido e a catástrofe não teria se tornado uma das mais notórias da História mundial, se o governo tivesse os realocado para um terreno mais elevado quando a boca da montanha começou a lançar a sua fumaça de aviso para a atmosfera.
Em menos de 3 horas depois dos primeiros sinais, a montanha lançou uma mistura destruidora de cinzas e lava a 30 metros de altura, arrancando um ronco grotesco das profundezas da Terra. A alta temperatura degelou a neve de uma das geleiras que cobriam o vulcão e fez desprender uma massa de rocha, lama, detritos vulcânicos e água pelos flancos da montanha, descendo numa velocidade de 50km por hora, atravessando árvores, rios e tudo o que havia pelo caminho até alcançar o sopé do vulcão.
A partir das 23h30, as três ondas de detritos de 30 metros de altura que se sucederam, assaltaram a pequena cidade de Armero, pulverinando cerca de 20 mil dos seus 28.700 habitantes, num total de 4 horas de duração, percorrendo mais de 100 quilômetros. O fluxo de lama dizimou pontes, aldeias, campos agrícolas, aquedutos, linhas telefônicas, 50 escolas, dois hospitais e mais de 5 mil casas. Cerca de 60% do gado foi morto pela avalanche, 30% de grãos e meio milhão de sacas de café. 7.500 pessoas perderam os seus lares, 5 mil ficaram feridas e a tragédia contabilizou 23 mil mortos com o fim da última onda, que durou apenas dez minutos.
A erupção do Nevado del Ruiz se tornou o pior desastre natural da Colômbia, sendo o segundo vulcânico mais mortal do século XX, ficando atrás apenas da erupção do Monte Pelée, em 1902, e o quarto mais mortal da história. Em meio a essas estatísticas, um nome enquadrou uma das 100 fotos mais marcantes da História, segundo a revista Times, e também foi o rosto encarregado por carregar toda a tragédia: Omayra Sánchez. Foi a sua agonia de morte que horrorizou o mundo todo.
Omayra Sánchez era uma garota de apenas 13 anos de idade que morava no bairro de Santander, na cidade de Armero, com os seus pais, Álvaro Enrique, María Aleida e a sua tia, María Adela Garzon. Depois de deixar a mãe no aeroporto, a menina havia passado o dia todo tensa com a chuva de cinzas que não parara de cair ao longo do dia. Quando chegou a noite, nenhum membro da família conseguia pegar no sono, pois eles temiam que algo de muito ruim pudesse estar prestes a acontecer.
Foi então que eles ouviram, ainda ao longe, o gorgolejo da avalanche de detritos abocanhando tudo pela sua frente. A família chegou a pegar algumas coisas parar correr, mas o tamanho da cidade não se comparava com a fúria da natureza, e eles foram atingidos antes que pudessem deixar a casa.
Em meio ao turbilhão mortal, Omayra Sánchez conseguiu sobreviver, embora o seu pai e sua tia não tivessem tido o mesmo destino. No entanto, metade do corpo da garota ficou preso sob uma porção massiva de concreto de sua casa e outros detritos arrastados pela onda. Se não fosse pela vontade de sobreviver, Omayra não teria conseguido empurrar o corpo para cima e alcançar uma fenda entre os escombros, onde pôde se apoiar e colocar a cabeça para fora da água.
Quando as equipes de segurança chegaram ao local e perceberam os seus gritos por socorro e apenas o seu nariz além da linha da água barrosa, eles trataram de puxá-la um pouco mais pra cima até que ficasse liberta da cintura para cima. Eles consideraram puxá-la à força, mas notaram que seria impossível fazer isso sem quebrar as pernas dela no processo. Com Omayra a todo o momento afundando, sem forças para se segurar, os bombeiros, desesperados, colocaram um pneu na falta de uma boia para que mantivesse a garota estabilizada na superfície da lama.
Mergulhadores profissionais foram rapidamente acionados para analisar a situação da garota e a notícia foi aterradora: era impossível salvar Omayra Sánchez com vida. As pernas dela estavam presas sob os escombros do telhado de sua própria casa, com as mãos de sua tia morta a segurando firmemente pelos tornozelos, e se a amputassem naquele momento, ela não resistiria e morreria instantaneamente. Eles também não possuíam o equipamento necessário e adequado para realizar aquele tipo de procedimento. Então, de acordo com os médicos, a única coisa e também a mais humana a se fazer era abandonar Omayra à própria sorte, ou melhor, à própria morte.
Apesar da situação na qual estava, com o nível da água subindo e os membros inferiores esmagados naquela inundação, Omayra Sanchéz tentou se manter positiva o máximo que conseguiu, muito embora isso fosse demais para uma criança de sua idade, que havia acabado de perder uma parte substancial de sua família e também recebido a notícia de que a sua saída daquela lama seria dentro de um caixão.
A descida da garotinha para a sua morte iminente foi intercalada por episódios de humor, em que Omayra fazia piadas e comentários aleatórios, chegando até a cantar para Germán Barragrán, um jornalista que trabalhava como voluntário na tragédia de Armero. Ela também pediu comida, doces e refrigerante. Omayra queria absolutamente tudo, como se aos poucos estivesse se despedindo das coisas supérfluas da vida e que, na sua idade, ela ainda não tinha desfrutado o suficiente para abandonar tudo de uma maneira tão cruel e repentina.
O mundo estava com os olhos no desastre, mas principalmente na pobre garotinha, que conversava com as câmeras e jornalistas na maior tranquilidade que conseguia. Contudo, quando o excesso de exposição às perguntas e a todo aquele cerco midiático, a atravessava, Omayra Sánchez caía na sua dura realidade de morte e começava a se apavorar, chorando, pedindo socorro e clemência a Deus, por vezes implorando o conforto para a sua mãe que a assistia de outra cidade, incapaz de alcançá-la.
Após cerca de 60 horas, no terceiro dia que seguia soterrada, Omayra fez um último apelo por uma ajuda que jamais viria. Então, exausta, ela se despediu do que lhe sobrara de sua família e pediu para que os trabalhadores e jornalistas a deixassem em paz para que pudesse fazer a sua caminhada final, pois já sentia a morte bem próxima a ela.
À essa altura, os olhos da garota já haviam se tornado vermelho por conta de infecções. As suas mãos incharam como o seu rosto e esbranquiçaram. Com a pele esticada e enrugada, ela começou a sofrer de alucinações, gritando que se atrasaria para a escola e que por isso precisavam tirá-la dali o mais depressa o possível.
No dia 16 de novembro de 1985, às 9h45, Omayra Sánchez se despediu com um breve e sussurrado “adiós” para todos os espectadores de sua vida e morreu em decorrência de gangrena, hipotermia e um colapso pulmonar.
Frank Fournier, um fotógrafo francês, foi o responsável por capturar os últimos momentos de dor da garota em uma emblemática fotografia em seu leito de morte, intitulada como “A agonia de Omayra Sánchez”. A foto foi mundialmente premiada e entrou para a lista das 100 maiores capturas da História da revista Times. Fournier ainda expressou o seu sentimento de impotência e total tristeza enquanto batia as imagens, incentivado pela a garota que encarava a morte com paciência, coragem e dignidade.
Em decorrência de um sistema que foi incapaz de olhar pelas vidas dos habitantes e evacuar as cidades enquanto ainda havia tempo, a morte estampada no rosto de Omayra Sánchez foi a responsável por transmitir ao mundo todo a mensagem que as pessoas tanto protestavam nas ruas da Colômbia: “Não foi o vulcão que matou Omayra e as 23 mil pessoas, foi o governo”.