Sons do Inferno: o barulho misterioso captado por russos

29/05/2020 às 14:003 min de leitura

Há séculos estudiosos tentam encontrar provas empíricas da existência do Inferno. Mas o que é o Inferno? É físico, espiritual ou abstrato? Em meio a uma miríade de opiniões, algumas pessoas, como o poeta Arthur Rimbaud, acreditam que o Inferno é si mesmo. Outras, como T. S. Elliot, creem que ele é a própria Terra. Em um de seus ensaios, Jorge Luis Borges indica que tanto o Paraíso quanto o Inferno seriam fora de proporção para as ações dos homens, uma vez que estes não são dignos de nenhum dos dois. Albert Einstein, ainda, defendia a completa inexistência do Inferno.

A Bíblia Sagrada descreve-o como um local cheio de fogo e danação localizado bem abaixo de nós, em meio a um mar fervente de magma que acomoda as placas tectônicas. Outras doutrinas, como o Espiritismo, sugerem que o Inferno (chamado também de Umbral ou Purgatório) acontece em uma dimensão espiritual paralela a este mundo.

Invariavelmente, prevalece uma necessidade igual à dos biólogos que querem descobrir as milhares de espécies escondidas em zonas oceânicas, onde o oxigênio é deficiente, ou à de exploradores com insaciável vontade de encontrarem mundos naufragados nos entresseios das fossas marinhas.

Em 1989, surgiu a história de que um grupo de geólogos russos desceu um microfone em um poço de 14 mil metros de profundidade para detectar as perturbações sonoras do tectonismo das placas. Porém, eles afirmaram ter registrado muito mais do que isso.

Sussurros infernais

(Fonte: Pinterest/Reprodução)(Fonte: Pinterest/Reprodução)

Foi em meados de 1970 que os cientistas russos começaram a perfurar a superfície da Terra para tentar extrair mais informações sobre o comportamento da crosta terrestre. Eles se instalaram na Península de Kola, no noroeste da Rússia, e nomearam o poço de "Kola Superdeep Borehole".

Ao longo de 20 anos, eles conseguiram cavar mais de 12 mil quilômetros para baixo, porém tiveram que interromper os estudos em 1992 devido às altas temperaturas, que alcançaram até 1,1 mil graus Celsius. Nesse processo, os pesquisadores descobriram 24 novos tipos de organismo unicelular mortos há séculos e extraíram fragmentos rochosos com mais de 2,7 bilhões de anos.

Em dezembro de 1989, uma história revirou a mídia. Um grupo de geólogos foi até o Kola, a fim de colher pesquisas sobre as movimentações das placas tectônicas, e introduziu uma sonda pelo buraco perfurado. Porém, eles afirmaram ter detectado sons de gemidos e vozes em vez de a terra se acomodando.

O equipamento derreteu, mas a gravação estava pronta e tinha sido ouvida pelo chefe das pesquisas, o Dr. Dmitri Azzacov, e os funcionários locais. Em entrevista a uma revista finlandesa científica chamada Ammennusastia, o doutor revelou que antes do ocorrido não acreditava na Bíblia ou no Paraíso, mas que a partir de então certamente passou a crer no Inferno. Todos eles se mostraram convencidos do que ouviram e descartaram qualquer interferência na transmissão por conta do superaquecimento do equipamento depois que realizaram uma série de testes.

Uma questionável veracidade

(Fonte: Pinterest/Reprodução)(Fonte: Pinterest/Reprodução)

Essa foi a divisão impressa da Trinity Broadcasting Network (TBN), uma rede cristã de televisão que começou a noticiar matérias com manchetes como “Cientistas descobrem o Inferno. Foram registrados relatos e entrevistas do Dr. Azzacov e de seu time de pesquisadores detalhando ainda mais o que foi ouvido no Kola.

No início de 1990, outras fontes religiosas passaram a disseminar a descoberta, e logo o mundo inteiro estava falando dela. Portanto, não demorou muito para que jornalistas fossem mais a fundo ainda nisso e erguessem as bases ocas do acontecimento. Por incrível que pareça, foram os próprios jornais cristãos que promoveram essa odisseia.

Em julho de 1990, em um artigo intitulado "Well to Hell", o jornal Christianity Today revelou a total inexistência de rastros sobre a carreira ou a vida pessoal de Dmitri Azzacov. Dois meses depois, a Biblical Archaeology Review contestou o fato de o mundo nunca ter ouvido a suposta gravação em áudio dos tais sons infernais. A TBN não transmitiu isso em seus boletins. Foi exposto que a revista científica finlandesa Ammennusastia, que descreveu o feito, não tinha nada de científica. Na verdade, era uma pequena revista evangélica luterana de 1974. Quando contatado, o editor-chefe da revista disse apenas que um de seus funcionários surgiu com essa “história bombástica”, mas ele não podia revelar as suas fontes.

Um incerto som

(Fonte: Bandwidth/Reprodução)(Fonte: Bandwidth/Reprodução)

A história esfriou e só voltou em 2002, arrebentando os tabloides do mundo quando o programa Art Bell, da rádio Coast to Coast AM, recebeu a gravação dos sons infernais de um ouvinte durante a discussão da pauta no programa 1 dia antes. Assim que o arquivo foi tocado ao vivo em rede nacional, a história se estabeleceu finalmente.

Especialistas analisaram o áudio e descobriram tanto manipulações como um loop da faixa em intervalos mínimos. Não passava de uma farsa, mas ainda assim se tornou uma espécie de lenda urbana. O mais curioso é que nas duas vezes em que o governo russo foi contatado não houve retorno, ou seja, eles preferiram apenas não se manifestar sobre o assunto.

Existem fatos mais sólidos (do que a própria terra que os russos cavaram) indicando que tudo não passou de um efeito Sputnik, visto que o poço parece ter representado uma espécie de corrida geológica contra os norte-americanos. Nesta, a disputa era de quem faria a primeira descoberta mais significativa antes ou cavaria o buraco mais fundo já feito na Terra.

Talvez os russos quisessem a glória de ter os seus nomes vinculados à descoberta de uma das maiores questões existenciais do mundo, mas deveriam ter feito isso de uma maneira mais organizada.

Fonte

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