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30/10/2020 às 15:30•3 min de leitura
No fatídico verão de 1969, os seguidores de Charles Manson torturaram e cometeram assassinatos para demonstrarem lealdade ao seu líder, crentes de que ele era o messias escolhido por Deus que salvaria a todos eles de um ataque nuclear que daria início a uma guerra racial.
Em 18 de novembro de 1978, em um dos episódios mais doentios da humanidade, o pastor Jim Jones incentivou o suicídio em massa de mais de 900 pessoas em uma fazenda em Georgetown, capital guianense.
Em meados de 1950, a ideia do pecado e a iminência de um arrebatamento cristão como o momento de separação do “joio do trigo” antes do Juízo Final fez com que surgisse o conceito da denominada “seita apocalíptica”. Sempre com um líder que afirma seu poder messiânico, esses cultos tendem a apoiar dogmas religiosos em uma espécie de justiça social para atrair seus fiéis, abusando da suscetibilidade de indivíduos alienados e psicologicamente vulneráveis para promover suas mensagens.
Com cultos usando até o novo coronavírus como ferramenta de recrutamento de novos membros, muitas pessoas se perguntam: como alguém pode se manter tão fiel a uma causa mesmo quando essas “profecias” se revelam falsas?
Para Leon Festinger, um famoso psicólogo social, a explicação é um mecanismo denominado “redução da dissonância”, uma forma de racionalização que consiste na crença de que essas pessoas evitaram esses supostos “desastres programados” apenas com o poder de sua fé e dedicação.
Foi com base no culto A Fraternidade dos Sete Raios, que possuía um conceito de arrebatamento cristão com religião ufológica, originado em 1953 por Charles Laughead, que Festinger observou que esses grupos não interpretam mal as evidências, mas sim mudam a forma de processar as informações para reconfigurar a crença. Quando os pensamentos se tornam inconsistentes e abalam a fé do grupo, as pessoas mudam o seu comportamento para retornar a um estado harmonioso, ou seja, eles criam uma nova maneira de se enganarem.
A crença em seitas apocalípticas pode promover o isolamento social completo, confinamento em lugares inóspitos, o desenvolvimento de subtipos de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) — como a acumulação apocalíptica — e também incentivar o assassinato como meio de libertação espiritual ou forma de ingresso para esses grupos, igual acontece em algumas facções do Estado Islâmico.
Em 13 de outubro de 2019, um jovem de 25 anos entrou em um pub localizado em Ruinerwold — uma espécie de aldeia no norte da Holanda, a cerca de 130 quilômetros de Amsterdã, com uma população média de 4 mil habitantes. Chris Westerbeek, proprietário do local, disse que o garoto parecia completamente confuso.
Com cabelo comprido, roupas sujas, barba grande e uma aparência doentia, o jovem disse que “precisava de ajuda e que nunca tinha ido à escola”. “Ele falou que estava ali porque precisava de alguém para dar um fim na situação na qual ele se encontrava”, informou Westerbeek em entrevista ao jornal RTV Drenthe.
A polícia foi chamada, e o garoto a conduziu até uma fazenda nos arredores da aldeia, em uma área rural chamada de Berghuizen, onde aproximadamente 200 pessoas viviam. A propriedade estava escondida em meio à vegetação alta, e o acesso era apenas através de uma ponte sobre um pequeno canal. Eles se depararam com uma horta, viveiros e um cachorro quando chegaram.
Dentro da casa velha, atrás de um armário da sala, ficava uma escada que levava a um porão. Lá, os policiais encontraram um homem de 58 anos e mais 4 jovens, com idades entre 18 e 25 anos, convivendo em um espaço extremamente apertado, sem ventilação adequada, sujo e escuro. Eles estavam ali há 10 anos “esperando pelo fim do mundo”, segundo informou o próprio homem mais velho.
O carteiro local disse que nunca entregou nenhuma correspondência naquele endereço. Vizinhos relataram à mídia holandesa que só tinham visto um homem na fazenda, mas nenhuma criança ou sinal de família. Em quase 10 anos tinha sido assim.
“Eu nunca vi nada parecido”, confessou o prefeito Roger de Groot. Ele revelou que nenhuma daquelas pessoas estavam registradas no município, não possuíam documentos e que o homem mais velho não era o pai dos garotos, muito embora todos eles se considerassem uma espécie de família.
A polícia confirmou que prendeu um homem que era o proprietário da fazenda, porém disseram pouco sobre sua identidade. O jornal Algemeen Dagblad identificou o homem como sendo Josef B, um carpinteiro austríaco. A mídia foi atrás de seu irmão, Franz B, o qual afirmou que Joseph era egoísta e sempre só se importava com o próprio sucesso.
“Quando nosso outro irmão ligou dizendo que nosso pai havia morrido, Josef falou que não se importava, tanto que nem foi ao funeral. Quando nossa mãe morreu, no ano passado, ele também não se importou de aparecer”, explicou Franz B.
Josef fazia parte de uma seita apocalíptica de culto à Lua, onde conheceu a sua esposa, com quem teve duas filhas e abandonou. Ele teria herdado a fortuna de uma tia, vendido a propriedade dela em Viena e se mudado para a Holanda, provavelmente após comprar a fazenda em Berghuizen.
Apesar de a mídia ter ido atrás de várias repostas, a história permanece com diversas lacunas que a polícia não quis dar detalhes. Não se sabe como aqueles garotos chegaram à fazenda, visto que não estavam lá de maneira voluntária, pois um deles teve que fugir para poder denunciar todo o caso de confinamento. Também parece meio incerto o destino dos jovens após terem sido levados para um hospital local.
Tudo o que se sabe é que a mãe dos garotos morreu muito antes de eles chegarem na fazenda. Fora isso, tudo é uma grande incógnita. E, para intensificar a aura de mistério, o caso parece ter sido abafado pela polícia holandesa, que passou a ser evasiva quando se trata do assunto, lidando com o acontecimento como se ele nem tivesse acontecido.