Artes/cultura
20/11/2020 às 15:00•3 min de leitura
Ao longo dos séculos, a sobrevivência do homem provou que ele está constantemente se sentando sobre a própria história e a do mundo. Muitas civilizações foram extintas, e seus destroços ficaram soterrados nas areias dos desertos, como Iram dos Pilares e Abidos.
Cemitérios de mais de 7 mil anos com múmias ainda são escavados em várias partes do mundo, e isso é apenas a ação natural do tempo. Em contrapartida, há milhares de povos que nunca foram sepultados e que a causa de sua morte não passa de um retumbante mistério. Na Índia, por exemplo, há um local em que restos humanos são “regurgitados” até hoje.
Roopkund é um lago glacial localizado no estado de Uttarakhand, em um dos três picos das montanhas Trisul no Himalaia. Sua área está a aproximadamente 5 mil metros de altura e é cercada por rochas cobertas de neve.
Foi durante uma escalada em 1942 que o guarda florestal Hari Kishan Madhwal, da reserva de caça Nanda Devi National Park, descobriu não só o lago remoto e esquecido como também que ele estava cheio de esqueletos congelados. Assim que o verão atinge o norte da Índia, o derretimento do gelo faz mais esqueletos brotarem das águas e serem carregados até as margens do lago, como acontece com a ilha italiana de Poveglia.
Em meio à Segunda Guerra Mundial, rapidamente o governo supôs que aqueles eram os restos mortais de soldados japoneses que morreram de frio enquanto avançavam com seu plano de invadir a Índia, o que aconteceria em 20 de dezembro de 1942. Contudo, os cientistas que investigaram as ossadas atestaram que elas não pertenciam aos soldados pois não eram “frescas” o suficiente.
A ideia sugerida foi que eram ossos de membros de alguma civilização que morreram em evento catastrófico há mais de mil anos, visto que a água do lago fazia boiarem pontas de lanças de ferro, chinelos de couro, anéis, artefatos de madeira e outros objetos.
Uma lenda local aponta que o rei Raja Jasdhaval, de Kanauj, e sua esposa grávida Rani Balampa estavam em peregrinação ao santuário Nanda Devi com um enorme grupo de servos quando foram atingidos por uma tempestade e acabaram morrendo próximo ao lago Roopkund. Outra suposição foi que os ossos eram de um exército ou grupo de mercadores que morreram por causa de uma intempérie ou foram vitimados por uma epidemia desconhecida.
De acordo com o Anthropological Survey of India, foram encontrados restos de mais de 300 pessoas no lago.
Segundo um artigo científico publicado na Nature Communications, cientistas da Índia, da América e da Alemanha realizaram um estudo de DNA através de perfuração em 38 restos mortais encontrados no lago. O resultado do sequenciamento genético apontou que 23 ossos, de homens e mulheres, tinham ancestrais típicos do sul-asiático.
Foi o método de Análise de Componentes Principais que conseguiu determinar que esses indivíduos no fundo do lago Roopkund pertenciam, em sua maioria, ao sul da Ásia (Índia, Paquistão, Nepal, Butão, Bangladesh, Maldivas e Butão). No entanto, muitos tinham ancestralidade genética em povos do Mediterrâneo, mais precisamente da região da Grécia, muito embora nenhum dos indivíduos testados aparentasse grau de parentesco.
Para tentar explicar como aquelas pessoas foram parar nas águas de Roopkund, pesquisadores sugeriram que o lago estivesse situado em uma antiga rota popular usada pelos peregrinos hindus modernos, o que poderia significar que alguns deles morreram durante uma expedição. Contudo, consideraram pouco provável que esse também seja o motivo para a presença de povos do Mediterrâneo Oriental no local. Se eles de fato viajaram até a Ásia Meridional, as razões são totalmente desconhecidas.
Cat Jarman, bioarqueóloga da Universidade de Bristol, na Inglaterra, vislumbrou a possibilidade de os esqueletos terem sido levados para um enterro no lago. Ou talvez que fossem os restos mortais de exploradores genuínos em expedições que não deram certo, visto que a Cordilheira do Himalaia sempre foi um motivo de curiosidade.
Em entrevista à National Geographic, o arqueogeneticista Niraj Rai, do Instituto de Paleociências Birbal Sahni, em Lucknow, na Índia, afirmou: “Nós tentamos encontrar respostas para todas as perguntas, mas não conseguimos saber o motivo de os povos mediterrâneos terem viajado para o lago de Roopkund naquele período, muito menos o que estavam fazendo lá”.
Os pesquisadores da Universidade de Oxford conseguiram determinar através da datação por radiocarbono dos ossos que cada grupo estava separado no tempo por aproximadamente mil anos, sendo alguns dos séculos VII a X a.C. Uma análise também apresentou que os indivíduos em Roopkund eram muito saudáveis quando vivos, apesar de três deles apresentarem fraturas por compressão que não foram curadas devidamente e alguns terem traumatismo craniano, provavelmente causado por algum objeto que os acertou instantes antes da morte, durante ou depois.
O lago de Roopkund rapidamente ficou conhecido como Lago dos Esqueletos e entrou para o roteiro de agências de turismo como uma espécie de “turismo macabro”, apesar de o único teor do local ser totalmente histórico. Os pesquisadores se preocupam com o desaparecimento crescente dos ossos dos esqueletos durante o verão, quando os turistas invadem a área para roubá-los.
Vários órgãos governamentais da Índia têm movido esforços para desenvolver um perímetro de conservação da área e a estabelecer como um destino de ecoturismo, a fim de proteger os esqueletos, mas ninguém do Distrito de Chamoli parece tomar alguma medida para que isso aconteça logo. Enquanto isso, cientistas de outras nações temem que esse patrimônio histórico seja diluído até deixar de existir.