Bhopal: o desastre que matou mais de 25 mil pessoas na Índia

18/12/2020 às 15:004 min de leitura

ATENÇÃO: esse texto pode trazer conteúdos sensíveis por abordar um caso real.

A década de 1960 ficou marcada pelo aumento exponencial na produção e no uso de pesticidas, que incluem herbicidas, inseticidas e fungicidas, tanto para combater os problemas com pragas que as pessoas enfrentavam nas cidades grandes quanto para contribuir para maiores rendimentos e qualidade dos produtos nas lavouras.

Nas últimas cinco décadas, esses produtos químicos, que controlam ervas daninhas, insetos e patógenos de plantas, também ajudaram a reduzir a quantidade de trabalho braçal, maquinário e combustível usado para controle mecânico de invasores.

(Fonte: Growing America/Reprodução)
(Fonte: Growing America/Reprodução)

Por outro lado, os pesticidas em sua maioria possuem propriedades tóxicas que trazem preocupação acerca da saúde da população e de seus impactos ambientais. Um dos componentes usados na síntese da fabricação de inseticidas é o isocianato de metila (MIC) que, no corpo humano consegue dissolver algumas enzimas do organismo, afetar a contração muscular, causar convulsões, torpor, confusão mental e coma.

Quando inalado em forma de gás, o MIC causa uma morte lenta pelo fechamento das vias aéreas e, quando misturado com água, causa cegueira, falência dos pulmões, câncer de boca e nariz. Dessa forma, o isocianato de metila pode se transformar em uma arma de destruição.

Condenada desde o começo

(Fonte: Mint/Reprodução)
(Fonte: Mint/Reprodução)

Em 1970, o governo indiano desenvolveu projetos que incentivavam as empresas estrangeiras a investirem na indústria do país, e foi assim que a Union Carbide Corporation (UCC) foi convidada a construir uma fábrica de Sevin (carbaril), um pesticida bastante usado na Ásia, nascendo a subsidiária Union Carbide India Limited (UCIL).

A empresa então decidiu construir uma indústria em Bhopal, a capital do estado de Madhya Pradesh (Índia), por  sua região central ser muito valorizada e de fácil acesso para transportes, com infraestrutura de carregamentos. A área de instalação dentro da cidade foi cercada e definida como “área industrial não perigosa”, visto que o objetivo era a produção de pesticidas em quantidades pequenas. Contudo, a pressão da concorrência fez o diretor da UCIL passar a fabricar na própria instalação as matérias-primas e outros produtos intermediários para formulação do produto final, um processo mais perigoso e que exigia uma estrutura que eles não tinham.

Para gerar o Sevin (carbaril), usava-se metilamina em reação com fosgênio para formar o MIC, produto intermediário na produção do pesticida, reagindo com naftol.

(Fonte: IBC/Reprodução)
(Fonte: IBC/Reprodução)

Não demorou muito para que os problemas aparecessem. Em 1976, sindicatos locais acusaram a fábrica de poluição e, em 1981, em um período em que o mercado de pesticidas desabou com o pouco capital dos agricultores para investir, um trabalhador morreu durante a manutenção de uma das tubulações da fábrica devido a um vazamento. Dois anos depois, a exposição ao fosgênio causou sequelas em 24 trabalhadores que não foram orientados a usarem equipamentos de proteção.

Entre 1982 e 1984 aconteceram cerca de 5 vazamentos de nível grave, sendo um deles de MIC líquido, o que causou queimaduras em 30% do corpo de um engenheiro químico. De repente, a fábrica se tornou uma bomba prestes a explodir no meio de milhares de habitantes.

A explosão mortal

(Fonte: The Kootneeti/Reprodução)
(Fonte: The Kootneeti/Reprodução)

Em julho de 1984, com a redução de lucros e problemas de brechas de segurança, o gerente da UCIL orientou que a fábrica fosse fechada e colocada à venda. Sem nenhum comprador, os planos mudaram para um desmonte das principais estações de produção da planta para que fossem enviadas para outro país.

O resultado foi uma fábrica operando com equipamentos sucateados e fora dos protocolos de segurança. O governo de Bhopal sempre soube dos riscos, mas preferiu simplesmente se abster da discussão, pois endurecer as normas de segurança industrial poderia resultar na perda dos efeitos econômicos.

(Fonte: India Today/Reprodução)
(Fonte: India Today/Reprodução)

Boa parte dos 1 milhão de habitantes de Bhopal dormia às 23h de 2 de dezembro de 1984, quando um operador da fábrica percebeu um pequeno vazamento de gás no tanque de armazenamento de MIC. Três semanas antes, o sistema de purificação da ventilação do gás, que servia para neutralizar a descarga tóxica do produto, tinha sido desligado.

As válvulas corroídas de um tanque usado para limpar os tubos internos falharam e liberaram litros de água para o maior tanque de MIC, com capacidade para 40 toneladas. O contato da água com o químico causou uma reação exotérmica no tanque, que explodiu através de seu sarcófago de concreto e lançou para o ar uma nuvem mortal de MIC, cianeto de hidrogênio, mono metilamina e outros produtos químicos.

A morte invisível

(Fonte: BAOMOI/Reprodução)
(Fonte: BAOMOI/Reprodução)

O vento carregou os produtos tóxicos até os pulmões de milhares de animais de Bhopal, cujas carcaças amanheceram tombadas em pastos e pelas ruas da cidade. Aproximadamente 3.800 pessoas morreram imediatamente e da pior maneira possível: elas vomitaram sem parar, entraram em convulsão e caíram mortas; algumas ainda agonizaram, só para piorar o destino final.

Em mais algumas horas, cerca de 15 mil habitantes morreram e os hospitais ficaram sobrecarregados com os feridos, que somaram 558 mil. As pessoas enterravam em valas comuns os cadáveres de familiares ou amigos que eles transportavam em carrinhos e em carrocerias de caminhões.

(Fonte: Paragram/Reprodução)
(Fonte: Paragram/Reprodução)

Desde o desastre, estima-se que mais 8 mil pessoas morreram por causa dos efeitos do gás. Em 2008, o governo de Madhya Pradesh indenizou as famílias dos mortos e todos os milhares de feridos.

Como em todos os outros desastres industriais da história, a UCC tentou se eximir da responsabilidade do vazamento de gás e culpar a UCIL pela planta desenvolvida e construída fora dos padrões. A empresa também apresentou a hipótese de que grupos extremistas ou ainda funcionários do sindicato que foram demitidos teriam sabotado as instalações, no entanto nenhuma das alegações se sustentou.

O juiz do Supremo Tribunal da Índia declarou a UCC como culpada e obrigou-a a indenizar em US$ 470 milhões o governo indiano para que a quantia fosse distribuída às vítimas.

(Fonte: Mint/Reprodução)
(Fonte: Mint/Reprodução)

Com a saída de muitos habitantes de Bhopal, o governo não conseguiu mais medir a extensão que a catástrofe causou no organismo dos sobreviventes a longo prazo. Para os que ficaram, porém, esses 36 anos têm sido uma epidemia de distúrbios menstruais, bebês nascendo com deformidades e cânceres.

O local onde ficava a indústria responsável pela pior catástrofe química da história nunca foi adequadamente limpo e continua muito contaminado, revelando a extrema apatia para com as milhares de vítimas que morreram afogadas em uma poça do próprio vômito e aqueles que sequer tiveram a oportunidade de enterrá-los dignamente.

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