Ciência
22/12/2020 às 15:00•4 min de leitura
ATENÇÃO: esse texto pode trazer conteúdos sensíveis por abordar um caso real.
Até hoje as pessoas querem entender: de onde vem o sadismo de Jane Toppan? Como alguém pode ter tanto prazer no ato de matar? A psiquiatria define o instinto assassino da mulher como algo incomum para o modus operandi da mente limítrofe de um serial killer. Para Toppan, matar dava um prazer similar ao do orgasmo e lhe causava uma emoção que ela nunca encontrou em lugar nenhum do mundo – e sem a qual não conseguia mais viver.
Jane Toppan, na verdade, nasceu Honora Kelley, em 31 de março de 1854, em Boston, Massachusetts (EUA) e era a mais nova entre as quatro filhas do casal de imigrantes irlandeses Peter e Bridget Kelley. A mãe morreu de tuberculose quando ela tinha um ano e o pai a criou à base de espancamentos – potencializados pelo alcoolismo – e abuso sexual.
Talvez Toppan tenha absorvido a loucura de Peter, que se deformou tanto psicologicamente que chegou a tentar costurar as pálpebras dos olhos enquanto trabalhava como alfaiate. A sua loucura e a situação de extrema miséria na qual a família vivia eram conhecidas pelas pessoas do bairro.
Em 1863, quando Toppan tinha apenas 6 anos, ela foi levada por Peter junto com suas irmãs para o orfanato Boston Female Asylum, de onde elas só foram adotadas quando fizeram 10 anos. No entanto, só Toppan “venceu as estatísticas”, visto que as demais sucumbiram ao alcoolismo, prostituição ou acabaram em um sanatório depois que cresceram.
Talvez tenha sido a mente meticulosa de Toppan que a tenha feito não “desviar do caminho”, muito mais do que seu instinto de sobrevivência. Ela foi adotada pela sofisticada Ann C. Toppan, moradora de Lowell, Massachusetts. Para parentes e amigos, devido ao preconceito contra os irlandeses, ela era uma garota italiana cujos pais morreram em um acidente no mar.
Na escola, no entanto, Toppan se sentia livre para poder inventar a própria realidade. Ela mentiu dizendo que seu pai viajava muito ao redor do mundo, que sua irmã havia se casado com um nobre inglês e que seu irmão foi condecorado por Abraham Lincoln em Gettysburg. Mentir se tornou uma compulsão e a maneira que ela encontrara de cativar quem quisesse, típico comportamento de uma mente com traços de sociopatia.
Assim que completou 18 anos, Toppan deixou de ser filha para se tornar empregada da casa onde morava. Dez anos mais tarde, ela acabou se mudando depois que sua mãe adotiva morreu e sua irmã de consideração se casou com um diácono da igreja.
Em 1887, aos 33 anos, a mulher decidiu começar um treinamento para se tornar enfermeira no Hospital Cambridge. Apesar de ser mentirosa, maldosa e fofoqueira, Toppan era discreta e dissimulada, por isso os colegas de classe e funcionários da instituição gostavam dela. Foi nessa época que ela começou a explorar suas habilidades misturando atropina nas injeções de morfina de pacientes idosos.
Além disso, ela desenvolveu um fascínio mórbido e doentio por autópsias, fazendo questão de se infiltrar em salas e fazer observações perturbadoras aos professores, mas que eram lidas apenas como “interesse profissional”. Apesar disso ter despertado a atenção da administração do hospital, o seu jeito gentil logo amenizou esse sinal de alerta, permitindo que ela continuasse a assediar seus pacientes após dopá-los, como aconteceu com Amelia Phinney.
Toppan foi contratada pelo Hospital Geral de Massachusetts, mas acabou sendo demitida por administrar opiáceos de maneira imprudente. No entanto, os médicos a recomendaram como enfermeira particular para muitos clientes ricos, e foi assim que ela começou a matança.
O modus operandi dela consistia em envenenar lentamente os pacientes mais fracos e idosos com morfina ou atropina, para ver seus sistemas nervosos entrarem em colapso. Toppan nunca os matava de vez, ela criava uma planilha para fazê-los criar e perder a consciência repetidamente. Depois que estavam mortos, ela se deitava ao lado deles para aliviar a carga erótica que sentia enquanto os acariciava.
Toppan também fez vítimas que não eram seus pacientes, por isso os investigadores determinaram que sua obsessão estava além de uma aproximação macabra pelo ambiente médico, era algo insano. Um exemplo disso foi ela ter voltado até a casa de sua família adotiva e envenenado com estricnina Elizabeth Toppan Brigham, sua irmã de consideração, no verão de 1899.
“Eu a segurei em meus braços e a observei com prazer enquanto ela engasgava”, revelou a assassina. O deleite em ver alguém morrendo sempre foi um traço de sua personalidade doentia. Toppan fez isso porque tentou conquistar o marido da irmã: ela chegou a envenená-lo aos poucos para que ficasse doente e pudesse cuidar dele, mas não adiantou. Frustrada, ela tentou suicídio, e essa foi a primeira vez que não matou alguém, mesmo quando podia.
Em 1901, um detetive de Massachusetts começou a seguir a mulher depois de suspeitar que ela tivesse matado toda a família Alden Davis – o que de fato ela fez – depois que se hospedara em um dos chalés deles. Foi o sogro de Minnie Gibs, filha de Alden Davis, que contratou o detetive. Ele estranhara a morte repentina de sua nora, por isso ordenou que o juiz exumasse o corpo dela e fizesse um exame toxicológico, onde foram encontradas morfina e atropina.
Jane Toppan foi presa em 29 de outubro daquele ano, em Amherst, Massachusetts. Ela se declarou culpada e ainda admitiu 31 assassinatos dos quais ela conseguia se lembrar, porém confessou que o número chegava a 100. A mulher ainda explicou que um amor frustrado em sua adolescência foi o que a motivou a começar a matar, por causa do sentimento de rejeição e tortura que sentia.
Sua declaração final foi: “Eu mataria mais. Eu amo matar. Velhos, jovens, crianças, homens ou mulheres. É o que me faz sentir viva”. O júri levou apenas 27 minutos para declará-la inocente por motivo de insanidade e o juiz a condenou à prisão perpétua no hospital psiquiátrico Taunton Insane Hospital. Lá ela ameaçou as enfermeiras e outros internos de que começaria a matar novamente. Naquela época, não havia tratamento ou melhora para o seu caso, e os psicólogos de hoje duvidam que a mente de Toppan pudesse ser salva.
Até sua morte, em 17 de agosto de 1938, aos 85 anos, os funcionários ouviram a mulher falar todas as vezes que entravam no quarto: “Vamos, pegue um pouco de morfina, querido, e vamos para a enfermaria. Você e eu vamos nos divertir muito vendo eles morrerem”. Ela sempre dizia isso sorrindo.