Artes/cultura
22/02/2021 às 15:00•4 min de leitura
Apesar de a maioria das pessoas ter em mente que esportes radicais e de contato são os tipos mais perigosos do mundo, tudo é determinado a partir do que se considera como mais arriscado. Se for levado em consideração o número de lesões, de acordo com um estudo realizado em 2019 pelo Conselho Nacional de Segurança (NSC) dos Estados Unidos, o ciclismo é a prática que gera cerca de 417 mil lesões em atletas em 1 ano, em contraste com 292 mil lesões causadas pelo futebol. Já pensando no grau de fatalidade, a escalada é a responsável por causar 1 óbito a cada 10 pessoas.
O NSC também detectou que ser atingido por um objeto ao praticar algum esporte é a principal causa de acidente não intencional entre pessoas com idades entre 15 e 24 anos. No entanto, são os abalos que essas colisões causam que preocupam os pesquisadores. Segundo o Brain Injury Research Institute, estima-se que 1,6 milhão a 3,8 milhões de atletas chegam a hospitais com um quadro de concussão. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA apontou que, só em 2016, mais de 273 mil pacientes foram atendidos com lesões cerebrais traumáticas após serem atingidos por algo durante uma prática esportiva.
É um tanto comum que espectadores presenciem momentos em que os atletas se machucam enquanto estão competindo; embora seja raro vê-los morrerem, é terrivelmente possível acontecer.
Não era novidade que Ray Chapman estava destinado a ter um futuro brilhante. Nascido em 15 de janeiro de 1891 em Beaver Dam, no Kentucky (EUA), ele foi criado no bairro de Herrin, em Chicago, e sempre foi totalmente apaixonado por beisebol. Aos 21 anos, conseguiu entrar como o rebatedor principal do Cleveland Indians na liga profissional norte-americana.
Chapman se tornou um fenômeno, estabelecendo recordes que levaram até 63 anos para serem quebrados e acumulando vitórias para sua equipe. Além de um excelente jogador, era bem-humorado e o mais adorado entre os fãs, que o seguiam aonde quer que ele fosse. O esportista era prestigiado também pelos companheiros de equipe, e dizia-se que tinha amigos em todos os lugares pelos quais passava.
Em 1920, aos 29 anos, ele conheceu a deslumbrante Kathleen Daly, filha de um famoso empresário, e seu relacionamento com ela deixou claro que ele se aposentaria ainda naquele ano, afinal o jogador demonstrava interesse em assumir o negócio da família de Daly com o sogro e começar a própria família.
A partida de 16 de agosto de 1920 seria uma das últimas da carreira de Ray Chapman — em todos os sentidos —, por isso aproximadamente 21 mil pessoas lotaram as arquibancadas do Polo Grounds, um dos principais estádios de Nova York, notório pelos jogos de beisebol e de futebol americano, para assistir a Cleveland Indians contra Yankees.
Às 15h daquela fatídica tarde abafada de segunda-feira, o céu anunciava uma tempestade forte. Quando o jogo começou, as condições visuais eram semelhantes às de um crepúsculo, apesar das fortes luzes do estádio.
O adversário direto de Chapman era o arremessador Carl Mays, que estava em seu auge nos Yankees e era o rival declarado do rebatedor. Mays era conhecido por ser uma pessoa odiável e de bem poucos amigos, principalmente dentro de um jogo.
No meio da partida, Mays fez o arremesso de uma bola rápida que atravessou o ar a aproximadamente 150 km/h e encontrou seu alvo com um som oco. O arremessador declarou à polícia que o barulho foi tão alto que ele achou que a bola havia atingido a ponta do taco de Chapman.
O rebatedor chegou a correr, porém cambaleou e caiu próximo à segunda base, sendo socorrido por seus companheiros. A bola de Mays atingiu em cheio o lado esquerdo da cabeça do jogador, logo acima da orelha, em vez de seu taco, gerando uma fenda que jorrava sangue.
Com as condições climáticas e a velocidade da bola, alguns comentaristas se perguntaram se Chapman ao menos viu a bola atravessar o campo em sua direção.
Chapman foi levado às pressas para o Hospital St. Lawrence, em Manhattan, onde foi diagnosticado com traumatismo craniano. Ele foi submetido a um procedimento cirúrgico que durou mais de 1 hora e teve um pedaço de 7,5 centímetros removido do lado esquerdo de seu crânio.
Às 3h, o quadro piorou, uma vez que a pancada da bola lançada por Mays fez o cérebro se chocar contra o crânio, formando diversos coágulos. Às 4h40 de 17 de agosto de 1920, Ray Chapman foi declarado morto pelos médicos, deixando uma carreira brilhante e uma esposa grávida pronta para iniciar um novo capítulo de sua vida.
Enquanto o mundo do beisebol lamentava a morte de Chapman com um suspiro de horror, o histórico conturbado e a má fama de Mays caíram como uma bomba em seu colo. Além de ser interrogado por longas horas pela polícia, ele foi questionado pelo astro Ty Cobb, considerado um dos maiores jogadores de beisebol de todos os tempos e amigo íntimo de Chapman, se lançou a bola com má intenção.
“Se você acha isso, então é tudo o que importa”, respondeu Mays, de modo desafiador. Para as autoridades, no entanto, ele expressou seu imediato remorso pelo que aconteceu: “Foi o incidente mais lamentável de minha carreira, e eu daria qualquer coisa para poder reverter o que aconteceu”. Ele revelou que, apesar de tudo, sua consciência estava limpa e culpou apenas a bola, que estava surrada e molhada demais.
O repúdio que já existia por Mays apenas cresceu. Na época, surgiu uma campanha de boicote de jogadores contra ele, para que todo mundo se recusasse a pisar no campo se ele estivesse na equipe, porém isso acabou se dissipando.
Com a trágica morte de Chapman, foram testados capacetes de couro que eram parecidos com os usados no futebol americano da época, mas que acabaram sendo descartados por falta de adaptação.
Apenas em 1956 a Liga Nacional passou a exigir equipamentos de proteção completos para todos, independentemente da posição na equipe. Finalmente, em 1971, a Major League Baseball (MLB) tornou obrigatório o uso de capacetes no esporte, diminuindo as chances de jogadores terem o mesmo trágico fim que do grande Ray Chapman.