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01/03/2021 às 15:00•4 min de leitura
Se vivesse nos tempos de hoje, Mary Cecilia Rogers seria o equivalente a uma Kardashian. Nascida por volta de 1820 em Lyme, Connecticut (EUA), ela perdeu seu pai, James Rogers, aos 5 anos em uma explosão de barco a vapor. Vivendo em uma situação de penúria, ela acabou se mudando com a mãe, Phoebe, para Nova York, onde esta passou a administrar uma pensão localizada na rua Nassau, que atualmente é um intersecção com a Broadway e a Wall Street, perto da ponte do Brooklyn.
Aos 20 anos, Mary já era o centro das atenções por onde quer que passasse por causa de sua beleza – e isso lhe trouxe certo prestígio, principalmente nos círculos da alta sociedade. Alta, de cabelos escuros e pele sem imperfeições, a mulher encantava a todos porque também era uma pessoa agradável e muito sorridente. Todos falavam de Mary, e as mulheres ficavam enciumadas com a quantidade de atenção que uma “garota sem graça” recebia dos rapazes.
Todo mundo a conhecia e falava sobre Mary por causa de sua beleza, apesar de a jovem não oferecer nada a mais, nem mesmo o status social que era tão valorizado na época. Foi dessa forma que, no início da primavera de 1840, John Anderson, o dono da famosa loja de charutos Anderson’s Tobacco Emporium, localizada entre a Broadway e a Thomas Street, ficou encantado por essa série de atributos da mulher e resolveu contratá-la como balconista da loja.
Mas é claro que Anderson tomou essa decisão também pensando no marketing que a presença da jovem atrairia para a sua loja, sem falar no aumento de clientes que frequentariam o lugar só para poder desfrutar da beleza dela. Naquela época, a loja de charutos já era frequentada por nomes importantes, como os escritores Washington Irving e James Fenimore Cooper.
A iniciativa de Anderson foi um sucesso instantâneo, e logo Mary Rogers ficou conhecida pela imprensa nova-iorquina como “a linda garota dos charutos”, que estampava a capa de vários jornais pela cidade. Um entrevistado declarou que passava a tarde inteira na loja de charutos apenas para trocar “olhares provocativos” com a jovem, enquanto o poeta Fitz-Greene Halleck chegou a publicar um poema no New York Herald exaltando o sorriso “celestial” e os “olhos de estrela” de Mary.
Ela, por sua vez, reagia como uma modelo, agradecendo os elogios, mas repelindo todos os avanços indevidos dos homens. Depois de 10 meses trabalhando na loja sem faltar um só dia, na manhã de 5 de janeiro de 1841 ela não apareceu. Horas depois, o jornal The Sun já noticiava que Mary Rogers tinha desaparecido de sua casa e que sua mãe encontrara um bilhete de suicídio.
Uma verdadeira histeria se espalhou pela sociedade, causando grande comoção. No dia seguinte, o Times and Commercial Intelligence declarou que o desaparecimento foi uma farsa e que Mary só havia ido visitar alguns amigos. Logo, os jornalistas investigativos levantaram a hipótese de que o boato teria sido criado por Anderson para atrair mais publicidade à loja.
Seis dias depois, Mary voltou para o trabalho, mas ela parecia séria e preocupada. Para quem perguntou a ela sobre o sumiço, a jovem disse apenas que tinha ido visitar alguns amigos. Contudo, isso logo foi posto em prova quando surgiu o boato de que ela havia sido vista com um oficial da marinha alto e bonito andando pela cidade.
Em seguida, a mulher se demitiu e voltou a morar com a mãe. Um mês depois, a mídia anunciou que Mary Rogers estava noiva de Daniel Payne, um jovem escriturário que morava na pensão de sua mãe.
Os admiradores da jovem não receberam bem a notícia.
Às 10h de 25 de julho de 1841, Mary Rogers informou Payne que passaria o dia com sua tia, Sra. Downing, que morava na Bleecker Street. Conforme o dia foi passando, o céu ensolarado deu lugar a uma tempestade que se estendeu noite adentro. Mary não voltou para casa, e Payne culpou a tempestade.
Porém, no dia seguinte, quando ele foi buscar a esposa na casa da tia, descobriu que ela nunca tinha chegado lá. “Onde estava Mary Rogers?” foi o que Payne se perguntou e o que os jornais começaram a noticiar em suas manchetes, causando um frenesi maior do que no primeiro sumiço da jovem.
Até que na manhã de quarta-feira de 28 de julho, pescadores de Hoboken encontraram o cadáver deformado de Mary Rogers após lançarem suas redes no rio Hudson, perto de Castle Point, onde havia um bar famoso chamado Caverna Sybils.
O lindo rosto da jovem havia sido espancado e se transformara em uma bola inchada por causa da água. Ela tinha uma corda amarrada ao redor de sua cintura e atada a um pedregulho. Foi enroscado um pedaço de renda de seu vestido rasgado em seu pescoço, indicando um possível estrangulamento. Havia marcas de corda em seus pulsos e vários sinais de violência, e os médicos descobriram na autópsia que ela foi brutalmente estuprada.
Tudo sugeria que Mary Rogers havia sido assassinada, e os tabloides adoraram isso assim como seus espectadores. Com a notícia se espalhando como um vírus, e o rosto impecável da jovem sob manchetes sensacionalistas, Anderson, Payne e até a mãe da jovem foram acusados de homicídio.
Cada suspeita e pista foi relatada sem pudor para os jornalistas, mantendo a “linda garota dos charutos” em alta por toda a cidade. O caso adquiriu um bizarro enredo de novela, com os jornais esgotando feito água nas prateleiras, deixando claro que só a fofoca era o que importava.
Foi especulado estupro em gangue, homicídio por amante e até mesmo um aborto malsucedido cometido por uma aborteira chamada Madame Restell. Apesar disso tudo, Payne foi interrogado como o primeiro suspeito, porém ele tinha Phoebe como álibi e apresentou um depoimento sólido.
Uma semana depois, sem nenhum capítulo para a história, a mídia passou a cobrar as autoridades por uma solução. Então, a polícia anunciou uma recompensa a quem apontasse o culpado pelo crime, mas nada adiantou. De repente, a imprensa focou na inépcia e incapacidade do sistema policial, ressaltando a falta de uma estrutura de defesa efetiva para os, então, 320 mil habitantes da cidade, que estavam à mercê de guardas noturnos para fazer a segurança dos bairros. Essa queixa fez o estado repensar o sistema e fundar o Departamento de Polícia de Nova York, em 1845.
Em 7 de outubro de 1841, Payne cometeu suicídio por overdose de láudano (medicamento à base de ópio) em um banco próximo de onde o corpo de sua esposa foi encontrado. Ele deixou um bilhete que dizia: “Para o mundo: aqui estou eu no local. Que Deus me perdoe por minha vida desperdiçada”.
E então o frenesi se esgotou com a decepção e a falta de emoção. O assassinato de Samuel Adams se tornou a nova sensação, e Mary Rogers caiu no esquecimento.
John Anderson, porém, delirou pela jovem até a sua morte, assim como Edgar Allan Poe, que ficou obcecado pelo crime e o contexto. O mistério inspirou-o a escrever o livro O Mistério de Mary Rogêt, que se tornou a primeira obra da história baseada em um crime real. Foi só lá que o caso ganhou um fim.