'Loucura do tomate': quando ketchup era vendido como remédio

13/07/2022 às 14:002 min de leitura

Se já entre as décadas de 1930 e 1940, os anúncios de cigarro já se aproveitavam da autoridade médica para afirmar que fumar poderia melhorar, por exemplo, uma irritação na garganta, o que levou a um extenso mercado de venda e compra do produto como medicamento —, descobrir que algo similar aconteceu durante o século XIX, quando até sanguessugas eram usadas na medicina, não é de se surpreender.

Até a década de 1830, o famoso ketchup de hoje em dia era feito de cogumelos ou peixe, mas quando o médico Dr. John Cooke Bennet adicionou tomates à receita, ele alegou que também estava acrescentando uma infinidade de vitaminas e antioxidantes ao molho, o que poderia curar indigestão, diarreia, reumatismo e até icterícia.

Mas não era bem assim.

Venenosos e da cor da alma

(Fonte: Ripleys/Reprodução)(Fonte: Ripleys/Reprodução)

Essa informação não foi em nada bem recebida pelos europeus, que desde meados do século XV, estavam convictos que tomates eram venenosos, e que sua cor vermelha estava associada ao sangue das almas que os comiam.

O molho ketchup percorreu um longo caminho, começando na China em algum momento do passado, onde era conhecido como "Ge-thcup" ou "Koe-cheup": um molho fermentado feito das vísceras de peixe e com soja, cujo cheiro era pungente.

(Fonte: Recipe Reminiscing/Reprodução)(Fonte: Recipe Reminiscing/Reprodução)

Em 1732, os marinheiros britânicos faziam o molho fervendo dois litros de cerveja envelhecida e meio quilo de anchovas. Em 1812, o americano James Mease criou a primeira versão do ketchup feito à base de tomate, aprimorada por Henry Heinz, anos depois, adicionando tomates maduros, vinagre destilado, açúcar mascavo, sal e outras especiarias.

Quando, finalmente, tanto os ingleses quanto os americanos, chegaram à conclusão de que os tomates não eram venenosos, embarcaram na obsessão criada por Bennet, entre 1834 e 1850, de que o famoso molho de tomates curava doenças.

A "loucura do tomate"

Dr. John Cooke Bennett. (Fonte: The Joseph Smith Papers/Reprodução)Dr. John Cooke Bennett. (Fonte: The Joseph Smith Papers/Reprodução)

A ideia se tornou tão popular, que Bennet criou até pílulas com ketchup para facilitar a venda como medicamento. Com ajuda do empresário Alexander Miles, na época vendedor de um medicamento patenteado chamado American Hygiene Pill, rapidamente se interessou pelo empreendimento e propôs uma parceria à Bennet, que não hesitou em tornar o produto a Pílula de Extrato de Tomate.

A publicidade nos jornais foi tão pesada, arrebatando milhares de pessoas, que não demorou muito para que despertasse a antipatia dos fabricantes de remédios tradicionais, conforme foram perdendo dinheiro com a nova invenção que não sabiam como superar.

O excesso de popularidade das pílulas atraiu, como moscas, os charlatões, que adicionaram diversos produtos para tentar emular os efeitos do remédio, gerando uma queda na tendência, mas também a impulsionando.

Isso porque mais empreendedores entraram no negócio e passaram a fazer a própria versão das pílulas de Bennet e Miles, inflando o mercado do ketchup exponencialmente, atingindo um ponto tão lucrativo que até os vendedores de remédio passaram a enxergá-lo com bons olhos.

(Fonte: Onedio/Reprodução)(Fonte: Onedio/Reprodução)

Mais uma vez, a popularidade incitou outro campo em toda a indústria: o científico, levando especialistas a pesquisarem os reais benefícios curativos do ketchup, conforme as alegações de Bennet foram ficando cada vez mais absurdas.

A medicina, porém, acabou descobrindo que nada do que o médico havia dito era verdade, e que toda a "loucura do tomate", como esse período ficou conhecido, não passava de uma farsa milionária — ainda que as pesquisas de Bennet tenham sido pioneiras no estudo da fonte nutricional dos tomates, e que ele tenha contribuído para destruir a ideia de que tomates eram venenosos.

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