Artes/cultura
04/07/2022 às 13:00•2 min de leitura
Quando o famoso Napoleão Bonaparte foi atacado por milhares de coelhos domesticados em 7 de julho de 1807, nada disso tinha a ver por serem criaturas raivosas e malignas, como já haviam sido amplamente descritos em textos e gravuras da Idade Média.
Antes de Johannes Gutenberg inventar a imprensa, em meados de 1440, os livros eram copiados à mão, e muito desse trabalho foi realizado por diversos monges, que também se dedicavam a ilustrar alguns livros para exemplificar melhor a mensagem. Assim surgiu a marginália, que consistia em anotações, comentários pessoais e também iluminuras presentes no rodapé ou ao redor das páginas dos textos medievos do século XIII.
Imagens de monstros, bestas, animais, cenas expositivas de assassinatos e tudo o que foi considerado grotesco presente na marginália, foi chamado de drollerie. E foi lá que os coelhos passaram de símbolos de pureza e desamparo para criaturas perturbadoras.
(Fonte: Ancient Origins/Reprodução)
Munido de foices, machados, espadas e até arpões, os coelhos descritos nos drolleries matavam pessoas e outros animais de maneira muito sofisticada, sempre com um requinte de crueldade que ninguém esperava de uma criatura de aspecto tão dócil e afável. Eles se mostraram donos de um arsenal de armas grande que os proporcionavam travar batalhas sérias com os humanos, que pareciam não ser páreos para a mente rebuscada escondida por trás de seus miúdos olhos.
Mas esse sadismo todo, obviamente, não foi verdade, apenas alegoria. A característica surgiu como parte do Renascimento, entre meados do século XIV e o fim do século XVI, responsável por desestruturar a seriedade, dogmatismo e misticismo de uma sociedade medieval inflexível e repleta de barreiras. Ao exaltar o lado cômico e relativo das verdades absolutas pregadas pelo período, os drolleries ressaltaram a ambivalência da realidade, representando o poder da verdade e da farsa.
(Fonte: Open Culture/Reprodução)
O filósofo russo Mikhail Bakhtin cunhou o termo "carnavalesco" exatamente como um pressuposto do estilo ou atmosfera em que o humor e o caos prevalecem, e esse mundo subversivo onde os coelhos eram cruéis é um exemplo perfeito dessa representação. Além disso, essa vingança animal também foi usada para mostrar a covardia ou estupidez da pessoa ilustrada, em um momento de submissão, sendo que não era comum ver caçadores durões se encolhendo à sombra das armas dos coelhos.
Esses desenhos permitiram que o povo medievo risse, principalmente da própria realidade ou até de si mesmos, ultrapassando a linha estrita do que deveria ser correto e normal. Muito embora parecesse que os coelhos assassinos nos drolleries não passassem de um "meme" da era medieval, eles significaram um dos passos consistentes, de muitos, em direção a uma era moderna.