Estilo de vida
03/09/2019 às 13:00•4 min de leitura
Infelizmente, apesar de todos avanços científicos e tecnológicos das últimas décadas, ainda existem muitos problemas de saúde cujas causas são desconhecidas e para os quais não existe tratamento. No entanto, a parceria fortuita formada entre um pai inconformado em não encontrar um diagnóstico para a doença do filho e um geneticista especializado em bioinformática vem mudando esse cenário. Isso porque a “odisseia diagnóstica” vivida pelos 2 deu origem a uma abordagem revolucionária baseada no mapeamento do genoma dos pacientes e seus pais para não só identificar a origem do problema, mas também ajudar na seleção do melhor tratamento.
De acordo com Sarah Elizabeth Richards, do site Wired, tudo começou há cerca de 10 anos, quando o sistema nervoso de Massimo, de apenas 11 meses, entrou em colapso e nenhum médico conseguia encontrar uma causa para o problema. Em um período de somente 90 dias, o bebê perdeu a habilidade de engatinhar ou sentar sozinho e não conseguia mais se comunicar. O garotinho foi submetido a toda classe de exames, incluindo tomografias e biopsias musculares, teve tubos inseridos em seu corpinho e sabe-se lá quantas injeções, anestesias e picadas o pobrezinho levou enquanto os mais variados especialistas tentavam descobrir o que ele tinha.
Os médicos concluíram que o menino possivelmente sofria de uma classe de leucodistrofia, uma doença genética que causa a degeneração da substância branca do cérebro. Mas, cansado de ver o filho sofrer e inconformado de não saber qual, exatamente, era a causa do problema, Stephen Damiani, pai de Massimo – e especialista de gestão de riscos de profissão – se lançou na missão descobrir o que estava por trás da devastadora doença do filho.
Mesmo sem saber o que fazer com os dados, Stephen investiu US$ 10 mil na época para que o genoma de Massimo fosse mapeado. O pai da criança começou a trabalhar sobre a imensa quantidade de informações geradas a partir do DNA do menino – tanto para tentar descobrir quais eram as mutações responsáveis pela condição do pequeno, como para saber se ele e sua esposa eram portadores dos genes e podiam passar o problema para outros filhos, caso viessem a expandir a família – e, totalmente por acaso e por pura sorte, sua história caiu nos ouvidos do geneticista e especialista em bioinformática Ryan Taft.
Se hoje em dia o sequenciamento do genoma de uma pessoa pode ser realizado em 1 dia, há 10 anos, o Genome Analyzer, máquina que era utilizada para esse tipo de trabalho, era capaz de mapear por volta de 10 genomas ao ano. O custo dos exames era bastante proibitivo e, além disso, as bases de dados genéticos – espécies de catálogos contendo informações sobre o DNA de milhares de indivíduos que podem ser usados para fins científicos – disponíveis ainda estavam em sua infância. Isso sem falar que a capacidade de processamento de computadores e disponibilidade de softwares, algoritmos etc. era dramaticamente inferior à atual.
Mas os 2 homens se lançaram em uma verdadeira odisseia para tentar descobrir qual era o problema com Massimo e, depois de cerca de 3 anos de pesquisas, contatos com especialistas de várias partes do mundo, testes, desenvolvimento de novas tecnologias e muita, muita dedicação e persistência, Taft e Damiani conseguiram definir o diagnóstico de Massimo: 2 variações em um gene chamado DARS que jamais haviam sido associadas com doenças em seres humanos. Depois da descoberta, por volta de 20 crianças foram diagnosticadas com a mesma mutação de Massimo no mundo.
Graças à definição do diagnóstico, os especialistas que tratavam de Massimo puderam propor e testar tratamentos para o menino, assim como estabelecer um prognóstico de sua condição. Mas não foi só isso. A identificação das variações genéticas permitiu que os pais da criança saíssem do isolamento e encontrassem outras famílias sofrendo percalços parecidos e estabelecessem redes de apoio e troca de informações. O casal Damiani também descobriu que a leucodistrofia de Massimo não era causada por herança genética, o que significa que eles não corriam o risco de transmitir a mutação a outros filhos.
Infelizmente, Massimo faleceu em 2015, aos 9 anos, mas a odisseia para descobrir a causa de sua condição deu origem a uma revolução que, apesar de ainda estar dando os primeiros passos, promete, através do mapeamento genético, não só ajudar no diagnóstico de síndromes super-raras, como na identificação de doenças antes mesmo de que elas se manifestem e no desenvolvimento de terapias específicas para tratar cada caso.
Para se ter ideia, a estimativa é de que 400 milhões de pessoas no mundo sofram com algum tipo de condição rara e, dessas, 80% convivem com síndromes causadas por genes defeituosos. Até bem recentemente, o incentivo para se pesquisar e descobrir curas para muitas dessas doenças era pequeno devido ao número reduzido de indivíduos afetados, e só 5% desses problemas de saúde contam com algum tipo de tratamento. Mas isso vem mudando rapidamente com o aumento no interesse em se desenvolver novas terapias e cada vez mais medicamentos estão chegando aos pacientes.
Hoje, Taft está no comando de uma companhia em San Diego, na Califórnia, chamada Illumina, e sua missão é a de proporcionar a todas crianças – e pessoas – do mundo portadoras de doenças raras acesso ao sequenciamento genético e processamento de dados para que suas condições sejam devidamente diagnosticadas, fazendo com que esses exames saiam dos laboratórios e possam chegar a hospitais, clínicas e consultórios em escala global.
Os fabricantes de equipamentos para o mapeamento do genoma garantem que o custo dos dispositivos deve cair nos próximos anos, tornando a tecnologia mais acessível. Ademais, com a possibilidade de se escalar especialistas em IA e machine learning para se unir à iniciativa de usar as máquinas para vasculhar o DNA em busca de genes que não funcionam como deveriam certamente levará a um grande avanço nessa nova abordagem de se obter diagnósticos. E, no fundo, o investimento que vem sendo realizado agora pode significar que, em um futuro próximo, a investigação e tratamento de doenças raras se tornará menos frustrante, oneroso e doloroso para os pacientes e suas famílias.
Mapeamento genético deve revolucionar o diagnóstico de doenças super-raras via TecMundo