Zika: bactéria duplica destruição de neurônios

06/09/2019 às 08:142 min de leitura

Uma toxina encontrada em reservatórios de água pode ser mais uma vilã do grave surto de microcefalia ocorrido no Nordeste. Estudo realizado no Brasil aponta que essa toxina é capaz de duplicar a morte de neurônios em pacientes infectados pelo Zika vírus. A pesquisa realizada pelo Instituto D'Or (IDOR), pela Fiocruz e pelas universidades federais do Rio de Janeiro (UFRJ) e Rural de Pernambuco (UFRPE) demonstrou que a destruição de células cerebrais foi duas vezes maior quando a toxina e o Zika agiram juntos.

Na mesma análise, o grupo descobriu que a prevalência da bactéria Raphidiopsis raciborskii e de sua toxina, a saxitoxina (STX), era significativamente maior nos reservatórios de água do Nordeste quando comparado com outras regiões. De 2015 a 2018, 63% dos casos de síndrome congênita pelo Zika (que inclui a microcefalia) foram registrados nos estados do Nordeste, embora Sudeste e Centro-Oeste tenham sido as regiões com maior número de infectados pelo vírus.

A possível culpada

Os pesquisadores analisaram os dados referentes ao período de 2014 a 2018 no Sistema de Informação de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (SisAgua) e verificaram que 50% dos municípios do Nordeste tinham saxitoxina em seus reservatórios. No Sudeste, o índice foi de 25%; nas demais regiões, menos de 5% das cidades apresentavam a toxina.

A saxitoxina é uma neurotoxina produzida por cianobactérias, o que caracteriza exatamente o tipo da bactéria (Raphidiopsis raciborskii) encontrada em maior número de reservatórios do Nordeste. Elas se multiplicam em ambientes de águas calmas, sem correnteza ou turbulências. Além disso, o estudo revela que períodos de seca favorecem a proliferação de cianobactérias, deixando a população das regiões com estiagem mais vulneráveis ao consumo dessa água.

aProliferação de cianobactérias em reservatórios de água. (Fonte: Wikimedia Commons/Christian Fisher)

A STX também pode ser encontrada em mariscos, como ostras, mexilhões e vieiras, quando estão contaminados por certos tipos de algas. Se a concentração da toxina for alta, sua ingestão pode causar intoxicação, levando a uma paralisia flácida dos músculos.

O horizonte

O Ministério da Saúde ressaltou que adota "padrões internacionais para a potabilidade da água, incluindo diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), com obrigatoriedade de os prestadores de serviços de abastecimento realizarem o monitoramento constante de substâncias presentes nos mananciais de abastecimento e na água tratada, como cianobactérias e cianotoxinas". Nesse caso, o Brasil foi o primeiro país a inserir a obrigatoriedade do monitoramento de cianotoxinas e estabeleceu valores máximos permitidos, de acordo com o ministério.

Nessa fase da pesquisa, não se pode afirmar que o efeito potencializador do Zika pela SXT afete humanos, por isso os pesquisadores pretendem investigar como a STX deixa os neurônios mais vulneráveis ao vírus. Caso a correlação entre a toxina e a microcefalia seja comprovada, até mesmo os padrões internacionais sobre concentração de toxinas podem ter que ser revistos.

"Por mais que esses valores máximos sejam considerados seguros hoje, de forma isolada eles podem deixar de ser seguros em uma situação de interação com outro fator, como a circulação do vírus Zika", destaca Stevens Rehen, pesquisador da UFRJ e do IDOR.

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