Ciência
01/04/2020 às 05:00•3 min de leitura
Durante este período de quarentena devido à pandemia de coronavírus, muitas pessoas estão preocupadas que o isolamento possa causar uma uma forte retração econômica. Isto inclui o presidente Jair Bolsonaro, que vem contrariando a orientação de epidemiologistas e tentando convencer a maioria dos brasileiros a retomar suas atividades normais.
(Fonte: Getty Images/Reprodução)
Porém, uma pesquisa publicada na última quinta-feira (26) sobre os efeitos da epidemia de gripe espanhola sobre cidades dos Estados Unidos em 1918 indica que, no século passado, as medidas preventivas de isolamento social foram essenciais não só para prevenir mortes, mas também ajudaram a amenizar o impacto da doença sobre a economia.
Os autores do estudo, Sergio Correa, do Banco Central americano, Stephan Luck, do Banco Central de Nova York, e Emil Verner, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, analisaram como foi a recuperação econômica em 43 cidades norte-americanas após o fim do surto de gripe espanhola.
Eles concluíram que as atividades econômicas se restabeleceram mais rapidamente em locais onde as autoridades adotaram medidas para conter a expansão da epidemia, em comparação com áreas que não tentaram reduzir o contágio.
Segundo o estudo, diversas cidades adotaram na época estratégias de distanciamento social muito parecidas com as que estamos vivenciando atualmente no mundo todo contra o coronavírus, como o fechamento de escolas, teatros e igrejas, além da proibição de reuniões de massa. Outras medidas aplicadas incluíam o uso obrigatório de máscaras, isolamento dos infectados e adotar medidas públicas de desinfecção e higiene.
Desfile na Filadélfia durante a pandemia da gripe espanhola. (Fonte: U.S. Naval History and Heritage Command/Reprodução)
Porém estas precauções não foram seguidas de forma uniforme em todo país, de acordo com a pesquisa “As autoridades da cidade de Filadélfia intervieram apenas muito tarde e até permitiram a realização de grandes reuniões públicas, como o Liberty Loan Parade (um desfile patriótico para angariar fundos durante a 1ª Guerra Mundial), amplamente frequentado. Como consequência, a Filadélfia teve um aumento considerável na mortalidade relacionada à gripe espanhola durante o outono de 1918. As autoridades da cidade de Saint Louis, por outro lado, intervieram rapidamente, e a taxa final de mortalidade foi substancialmente mais baixa”.
(Fonte: Pixabay/Reprodução)
Comparando o modo como as 43 cidades adotaram as medidas, os economistas perceberam que ações preventivas precoces e mais intensas não agravaram a crise econômica.
“Pelo contrário, cidades que intervieram antes e mais agressivamente experimentam um aumento relativo do emprego na indústria, da produção industrial e dos ativos bancários em 1919, após o fim da pandemia”, afirmam os autores.
De acordo com o estudo, as medidas preventivas que restringem a interação social realmente causam um impacto na economia. Mas também ressaltam que a expansão da epidemia quando ações deste nível não são adotadas causam impactos econômicos negativos, pois as famílias tendem a reduzir por conta própria seu consumo e trabalho para diminuir a chance de contágio.
Ações para reduzir a expansão da doença “podem reduzir a mortalidade e, ao mesmo tempo, serem economicamente benéficas”, observam os economistas.
(Fonte: Library of Congress/Reprodução)
Os responsáveis pela pesquisa acreditam que “há lições importantes da gripe de 1918 para a pandemia atual de COVID-19”. Mas também reconhecem que existem limitações na comparação do contexto atual com o de um século atrás.
Elementos importantes da economia atual, como: tecnologias de comunicação, o crescimento do setor de serviços e a grande complexidade da cadeia mundial de fornecedores, não estavam presentes durante a pandemia da gripe espanhola, então não puderam ser mensurados na análise econômica.
Porém, as estimativas indicam que a taxa de mortalidade da gripe de 1918 é maior que a de coronavírus, especialmente entre trabalhadores mais jovens, o que sugere que o impacto econômico desta pandemia do século passado pode ter sido maior.
Marcelo Medeiros, pesquisador e professor visitante na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, apontou limitações no estudo para entender a crise do coronavírus no Brasil, já que a economia do país nos dias atuais é muito diferente da norte-americana em 1918.
(Fonte: Pixabay/Reprodução)
“Estamos vivendo uma crise sem precedentes. Por isso, nada do passado serve de referência exata para o nosso futuro. Ainda sequer conhecemos os detalhes dessa epidemia, que pode progredir em várias direções diferentes”, disse Medeiros.
Mas o pesquisador também acredita que é preciso prestar atenção ao recado que o estudo passa, além de analisar como diferentes países estarão posicionados para se recuperar após a pandemia.
Segundo o professor, “o país que tomar a decisão de se proteger bem agora, controlar a epidemia o máximo possível, vai ter uma vantagem em termos globais. Ao sair mais rápido e menos abalado da crise, vai entrar numa posição de vantagem na economia internacional”.