Artes/cultura
30/07/2020 às 08:00•3 min de leitura
"É intelectualmente belo confirmar uma das previsões fundamentais da teoria da estrutura estelar", disse o astrofísico Marc Pinsonneault, da Ohio State University em Columbus. Esse é o sentimento geral dos pesquisadores que conseguiram captar neutrinos emanados do núcleo do Sol – a primeira detecção direta dessas partículas e a prova para previsões de décadas sobre como a fusão nuclear acontece em estrelas.
"Com esse resultado, desvendamos os dois processos que alimentam o Sol", disse o físico da Università di Milano Gioacchino Ranucci, um dos autores do estudo, durante a conferência virtual Neutrino 2020.
No núcleo do Sol, a reação CN funde quatro prótons para formar um núcleo de hélio, liberando algumas partículas subatômicas – entre elas, dois neutrinos, as partículas elementares mais leves conhecidas da matéria – e quantidades abundantes de energia. Essa fusão é responsável por menos de 1% da energia do Sol, mas é o processo que sustenta estrelas maiores.
O experimento foi levado a cabo pelo Borexino, um detector de neutrinos instalado no Laboratori Nazionali del Gran Sasso (nomeado por conta do maciço de montanhas Gran Sasso, que se ergue 1,4 km acima do laboratório, no interior da Itália), o maior centro de pesquisa subterrânea do mundo.
Poucos meses antes de ser desativado, depois de uma década de funcionamento, o Borexino conseguiu confirmar que parte da energia do Sol é produzida por uma cadeia de reações envolvendo núcleos de carbono e nitrogênio (CN).
O processo para capturar os neutrinos é, em tese, simples: dentro do Borexino, há um balão gigante de nylon, que é inflado com 278 toneladas de água com hidrocarbonetos. Os neutrinos produzidos pelo Sol seguem em linha reta atravessando a Terra, mas uma pequena parte, em seu trajeto pelo Borexino, ricocheteia ao encontrar os elétrons dos hidrocarbonetos, produzindo flashes de luz que são, por sua vez, captados por sensores de fótons que revestem o tanque com água.
Parece fácil e rápido, mas não é: esses neutrinos são relativamente raros e facilmente confundidos com as partículas produzidas pelo decaimento radioativo do bismuto-210, um isótopo que vaza do nylon do balão para a mistura de hidrocarbonetos.
Mesmo que essa contaminação seja mínima (algumas dúzias de núcleos de bismuto por dia), separar neutrinos por sua origem ocupou os pesquisadores desde 2014. O trabalho consistiu então em ignorar o que ocorria nas bordas do balão, área onde a ocorrência do bismuto-210 era quase certa.
Para que não houvesse mistura, o tanque foi envolto em um cobertor isolante, mantendo a sopa de hidrocarbonetos sempre com a mesma temperatura para evitar correntes de convecção. "O líquido deve estar extraordinariamente parado, movendo-se no máximo alguns décimos de centímetros por mês", explicou o astrofísico Aldo Serenelli, do Instituto de Ciencias Espaciales (CSIC-IEEC).
Na imagem, pode-se ver o Borexino, com o balão inflado, sendo enchido de água em 2006.
Os resultados só apareceram em 2019, quando finalmente o bismuto foi retirado da equação e os neutrinos do Sol se destacaram. Em janeiro deste ano, já havia registro suficiente de partículas para que os pesquisadores afirmassem que tinham sido detectados neutrinos da cadeia de fusão nuclear CN.
"É a primeira evidência realmente direta de que a queima de hidrogênio através da reação CN opera em estrelas", comemorou Serenelli.
Para o físico Mainz Michael Wurm, da Johannes Gutenberg-Universität, "esses resultados confirmam nosso entendimento dos processos de fusão dentro do Sol e aprofundam nosso conhecimento sobre os estágios iniciais da vida da estrela, antes do surgimento dos planetas".
Neutrinos raros mostram como o Sol produz energia via TecMundo