Ciência
03/08/2020 às 09:00•3 min de leitura
Mesmo que você não seja ligado em aviação já deve ter ouvido falar no Concorde, o belo avião supersônico, com suas asas enormes e aerodinâmicas e seu bico longo, que baixava para auxiliar na decolagem e pouso.
Faz quase 20 anos que ele saiu de circulação, com seu último voo acontecendo em 2003. Desde então, nós nunca mais tivemos a chance de viajar em outro avião supersônico comercialmente — e provavelmente não teremos tão cedo...
Mas, para entender melhor porque isso aconteceu, é preciso voltar um pouco no tempo, para o nascimento do Concorde.
O Concorde é um dos aviões mais famosos da história... Então o que deu errado? (Fonte: Wikimedia Commons)
Hoje em dia, a maioria das viagens comerciais é feita em aviões a jato, porém, nem sempre foi assim: até a década de 50, os aviões tinham motores comuns a pistão, o que os tornavam bem mais lentos e desconfortáveis. Foi com a jet age (era dos jatos) que a aviação comercial realmente decolou (ha-ha!).
Quando a ideia dos voos supersônicos surgiu poucos anos depois dos jatos, parecia lógico que esse seria o próximo passo da evolução: voos ainda mais rápidos, para encurtar ainda mais as distâncias e conectar todo o mundo. Mas, na prática, as coisas eram bem mais complicadas.
Como você deve imaginar, fazer algo tão pesado como um avião se locomover rapidamente demanda bastante potência. E para chegar no modo supersônico, as aeronaves precisariam de mais que o dobro de potência dos modelos a jato — que já eram velozes o bastante para a maioria das pessoas. Isso sem contar a aerodinâmica necessária para vencer a resistência do ar, e os materiais que não pegassem fogo com a fricção que ocorre.
(Fonte: Wikimedia Commons)
Mesmo com os desafios técnicos envolvidos na criação de um avião supersônico, a França e o Reino Unido resolveram investir na ideia. A BAC (British Aircraft Corporation) e a Sud Aviation — que com o passar do tempo formariam o que hoje é a Airbus — estavam trabalhando em projetos individuais, quando resolveram unir forças.
Especialmente para os britânicos, havia uma questão de orgulho nacional na criação da primeira aeronave supersônica: o país criou o primeiro avião a jato, o Comet, mas perdeu a liderança no setor depois de uma série de acidentes que fizeram o modelo ficar fora de circulação por alguns anos. Ou seja, o Concorde era a chance de recuperar um posto prestigiado.
Assim que os mais brilhantes engenheiros franceses e britânicos começaram a apresentar os primeiros detalhes do projeto, companhias aéreas fizeram pedidos para mais de 70 unidades, sendo que as encomendas poderiam chegar a 200 em 10 anos — na época, isso era vender igual pão quente.
O nariz do Concorde baixava para não atrapalhar em pousos e decolagens (Fonte: Wikimedia Commons)
Mas nos anos que se seguiram, até o Concorde entrar em operação, tudo começou a dar errado. Em todas as cidades por onde o avião passava, havia protestos contra o barulho de seus motores (o dobro dos aviões a jato) e os booms sônicos — os estouros produzidos ao ultrapassar a barreira do som e que são ouvidos por qualquer pessoa embaixo de sua trajetória.
Tanto que muitos países simplesmente proibiram o modelo de voar em seu espaço aéreo, inclusive os Estados Unidos. Por isso que um dos dois voos inaugurais do projeto supersônico, em 1976, veio aqui para o Brasil, fazendo a rota Paris-Rio de Janeiro.
Nesses anos entre a empolgação inicial e o início das operações do Concorde, outra coisa muito importante aconteceu: a Crise do Petróleo de 1973, que fez os preços dos combustíveis aumentarem exponencialmente. O avião supersônico gastava quatro vezes mais combustível para levar menos passageiros que um modelo a jato. Ou seja, era prejuízo na certa para as companhias aéreas.
Dos 70 pedidos de várias empresas, só 14 aeronaves entraram em operação, na British Airways e na AirFrance, que eram controladas pelos dois países envolvidos em sua criação... Ambas tinham prejuízo cada vez que um Concorde levantava voo, mas continuavam a operação para evitar o fiasco de abortar o projeto. Já o resto do mundo preferiu ficar com os aviões mais lentos, mas que davam lucro.
Interior do Concorde, com espaço para muito menos passageiros que outros aviões (Fonte: Wikimedia Commons)
O negócio só começou a dar menos errado nos anos 80, quando as duas companhias entenderam que os voos supersônicos não iam mostrar a mesma revolução para a aviação que os jatos trouxeram nas décadas anteriores. Então, elas colocaram o preço das passagens lá em cima, tornando o Concorde em uma experiência de luxo.
Além disso, como eram poucos modelos, não havia muitas decolagens barulhentas e estouros sônicos para as pessoas se incomodarem. Os aviões supersônicos deixaram de ser vilões para se transformarem em símbolo de glamour e orgulho nacional para britânicos e franceses, até saírem de circulação em 2003, após 27 anos de serviços.