Ciência
03/09/2020 às 15:00•3 min de leitura
Após as cidades de Hiroshima e Nagasaki terem sido mortalmente bombardeadas no final da Segunda Guerra Mundial, a década de 1950 ficou marcada pela corrida armamentista nuclear entre os Estados Unidos e a União Soviética, no intuito de descobrir qual país desenvolveria o próximo dispositivo nuclear que poderia ser imprescindível em algum momento na Guerra Fria.
Enquanto os soviéticos trabalhavam em seu Polígono no meio do deserto do Cazaquistão, os norte-americanos traçavam o escopo da Operação Castelo. Eles elaboravam uma bomba termonuclear, ou bomba de hidrogênio, cujo poder de detonação estava previsto para ser mil vezes mais forte do que as lançadas sobre o Japão. Contudo, um erro fatal durante a sua concepção teve graves consequências.
(Fonte: Atomic Shadows/Reprodução)
A principal diferença entre uma bomba atômica e uma de hidrogênio está em sua composição e processo de detonação. As bombas atômicas liberam uma onda de energia causada pela fissão (separação) dos núcleos de um elemento químico pesado, como o plutônio ou o urânio. Por outro lado, uma bomba de hidrogênio começa com a explosão de uma bomba atômica para que a temperatura de milhões de graus crie energia suficiente para forçar a aproximação de dois núcleos leves, causando a fusão nuclear – nesse caso, de isótopos de hidrogênio.
O Laboratório Científico de Los Alamos projetou um invólucro que carregava um cilindro com combustível sólido, ou “seco”, de deutereto de lítio sob uma vela de ignição de plutônio que seria utilizada para “inflamar” a reação de fusão. Assim, ao redor de uma bomba atômica primária de fissão, foi adicionado um casco de urânio.
O resultado foi de um dispositivo nuclear que pesava 10,7 toneladas, media quase 5 metros de comprimento e 137 centímetros de diâmetro. Foi chamado de Bravo e era a primeira bomba termonuclear da Operação Castelo.
(Fonte: The Nuclear Secrecy Blog/Reprodução)
Em 1º de março de 1954, os cientistas e os militares do Exército dos Estados Unidos levaram Bravo até o Atol de Bikini, localizado no oceano Pacífico, nas Ilhas Marshall. A bomba foi montada em uma plataforma que possuía um arco de espelhos ao seu redor, onde foram posicionados instrumentos de medição e câmeras.
A detonação ocorreu às 6h45 do horário local e formou uma bola de fogo com quase 7,2 quilômetros de diâmetro que pôde ser vista do Atol Kwajalein, a mais de 400 quilômetros de distância de Bikini. Em apenas 1 minuto, a nuvem em formato de cogumelo alcançou 40 quilômetros de altura e teve cerca de 11 quilômetros de diâmetro. Em aproximadamente 10 minutos, a nuvem se expandiu a mais de 100 metros por segundo, totalizando uma velocidade de 360 quilômetros por hora.
No local onde a bomba foi posicionada, formou-se uma cratera com 2 mil metros de diâmetro e 76 metros de profundidade. A radiação espalhada contaminou 18 mil quilômetros quadrados do oceano Pacífico.
(Fonte: Insider/Reprodução)
Cerca de 5 horas após a explosão da bomba, a precipitação radioativa chegou até os habitantes dos atóis vizinhos, em Rongelap, Ailinginae e Utrik. Uma vez que a Operação Castelo era ultrassecreta, os 236 moradores dessas ilhas não foram alertados, tampouco evacuados da área. O resultado da exposição à radiação se manifestou nas pessoas através de vômito, diarreia e queda de cabelo imediata.
“Eu estava brincando quando o resíduo venenoso da bomba caiu sobre mim. Sei o que era, mas como parecia neve, eu comecei a brincar com ela, mas de repente meus olhos e minha boca queimaram. Mais tarde, à noite, eu fiquei muito doente, todos ficaram. Minha pele rachou inteira e ficou coberta por feridas, tive queimaduras muito fortes e meu cabelo caiu todo. Ficamos comendo alimentos e bebendo água contaminados até sermos enfim evacuados do local”, relatou em 2012 uma das testemunhas que morava na ilha ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
(Fonte: Bulletin of Atomic Scientists/Reprodução)
A Marinha dos Estados Unidos transferiu os habitantes para receberem tratamento somente 50 horas após a explosão. Quatro dias depois, pessoas que estavam a 500 quilômetros do epicentro ficaram expostas a um índice radioativo entre 14 R e 3,3 mil R (roentgens), sendo que doses de 5 R já são suficientes para causarem doenças e mutações genéticas a longo prazo.
No bunker de controle do teste, localizado na Ilha Eneu, a 2,5 quilômetros do marco zero, o deslocamento de ar foi tão desmesurado que uma porta de 20 toneladas feita para isolar a radiação foi lançada contra outra parede a 4,6 metros de distância. Em 15 minutos, o nível de radiação atingiu 40 R.
Os 23 tripulantes do navio pesqueiro japonês Daigo Fukuryu Maru (Quinto Dragão da Sorte), que passava a quilômetros do atol quando a Bravo foi detonada, foram altamente contaminados com 300 R de radiação. Isso causou uma crise diplomática internacional com o Japão.
(Fonte: The Nuclear Secrecy Blog/Reprodução)
Um erro teórico na concepção da bomba Castle Bravo foi o motivo de ela ter explodido com a força de 15 em vez de 6 megatons. Os cientistas consideraram apenas o trítio, o deutério e o lítio-6 como substâncias combustíveis, portanto não se importaram de deixar o lítio-7, que constituía 60% da bomba. O resultado foi uma produção de trítio além do normal, o que aumentou a taxa de fusão nuclear e, consequentemente, a de fissão. O cálculo errado se repetiria com a Castle Romeo, mas a sucessão de erros não parou por aí.
A detonação da Bravo foi a maior explosão nuclear já feita na história dos Estados Unidos e causou o pior desastre radiológico nele também. Apesar de os cientistas terem visto na véspera da detonação que os ventos tinham mudado, o que implicava no trajeto da poeira radioativa , o general Percy Clarkson, comandante da força-tarefa militar responsável pela Operação Castelo, e o Dr. Alvin C. Graves, diretor científico do projeto, ordenaram que o teste seguisse como planejado.
Como consequência, vestígios radioativos se espalharam até a Austrália, a Índia, o Japão, a Europa e até algumas partes dos Estados Unidos. Milhares de pessoas foram afetadas para sempre.