Artes/cultura
08/01/2021 às 15:00•4 min de leitura
A corrida espacial soviética foi assombrada por erros e negligências ao longo de seu trajeto para ocupar o poderio do espaço antes que seu maior inimigo da época: os Estados Unidos.
Em 12 de abril de 1961, tudo mudou assim que o cosmonauta Yuri Gagarin foi anunciado oficialmente ao mundo como o primeiro a realizar uma viagem para fora da Terra.
Antes da catástrofe que foi a missão Soyuz 11 e que Vladimir Komarov fosse lançado ao espaço para morrer, surgiu a possibilidade ao redor da conquista de Gagarin de que ele talvez não tivesse sido o primeiro a chegar ao espaço.
Foi no final de 1959 que um comunista tcheco confessou que a União Soviética realizou diversos lançamentos não oficiais para o espaço e que foram tão fracassados que eles fizeram de tudo para abafar.
De acordo com o homem, muito antes de Yuri Gagarin cair nas graças do mundo e se tornar o “primeiro homem no espaço”, os cosmonautas Aleksei Ledowsky, Serenty Schriborin, Andrei Mitkow e Maria Gromova teriam sido lançados para o espaço em um foguete Pobeda R-5A, convertido em uma missão-teste cuja existência jamais foi reconhecida formalmente pelas autoridades soviéticas. Os quatro tripulantes teriam morrido sob circunstâncias desconhecidas fora da Terra.
A empresa de notícias italiana Continentale reforçou essa hipótese quando confirmou as informações vazadas pelo homem tcheco, que supostamente trabalhava no alto escalão da União Soviética na época. Nenhuma identificação ou registro dos cosmonautas foram encontrados, por isso a informação adquiriu um forte caráter de teoria da conspiração, além de ser uma forma direta de enxovalhar ainda mais o nome dos soviéticos perante os governos mundiais.
Os “cosmonautas perdidos”, como ficaram conhecidos, ganharam certo descrédito quando um artigo do New York Journal American de 1963 afirmou que, entre os quatro mortos em voos suborbitais, também estavam Pyotr Dolgov, Ivan Kachur, Alexey Grachov e Grennady Zavadosky. Contudo, esses homens não passavam de paraquedistas que faziam testes de equipamentos e que em nada tinham a ver com voos espaciais – além de que apenas Dolgov havia morrido entre os nomes anunciados.
Os jornais Izvestia e Krasnaya Zvezda chegaram a publicar matérias com depoimentos dos paraquedistas sobreviventes e fotografias deles para refutar as alegações do jornal norte-americano. William Randolph Hearst Junior, então editor-chefe do New York Journal American, ignorou as cartas que lhe foram endereçadas sobre a mentira que havia publicado.
O escritor de ficção científica Robert A. Heinlein, cujos livros até hoje vendem anualmente mais de 100 mil cópias pelo mundo, publicou uma polêmica alegação em seu artigo intitulado Pravda (“verdade” em russo). Segundo o escritor, em 15 de maio de 1960, ele cruzou o caminho de cadetes do Exército Vermelho durante uma viagem a Vilnius, na Lituânia soviética, e eles lhe revelaram que a União Soviética havia colocado um homem em órbita naquele exato dia. Contudo, horas mais tarde, oficiais soviéticos entraram em contato com Heinlein para desmentir a informação.
Heinlein não deixou de publicar o que ouviu, especificando que o lançamento foi feito na cápsula Korabl-Sputnik 1 e que ela teria sofrido uma falha mecânica em seu sistema de orientação, seguindo para uma direção errada e impossibilitando a recuperação da cápsula. Em declaração oficial, a União Soviética afirmou que o lançamento foi de um voo de teste não tripulado.
Foi então que os irmãos Judica-Cordiglia surgiram para apoiar as afirmações de Henlein e também tentar dar alguma base a toda a teoria dos cosmonautas perdidos. No final da década de 1950, os dois irmãos Achille e Giovanni, que moravam nos arredores de Turim (Itália) e eram entusiastas de rádio, decidiram montar em um bunker uma espécie de posto amador de transmissões de rádio.
Eles alegaram que captaram uma série de transmissões soviéticas sobre lançamentos espaciais que fracassaram antes de o rosto de Yuri Gagarin ser anunciado para o mundo. Os italianos identificaram pedidos de socorros durante as missões de cosmonautas condenados, ouviram seus batimentos cardíacos acelerados, comunicações com a central de comando e mensagens finais.
Coletada em 23 de maio de 1961, a gravação mais emblemática teria sido a de uma missão tripulada apelidada de “Ludmila”, que se reportou em desespero à central de controle enquanto sua cápsula entrava em chamas na reentrada à Terra. Além desses horrores finais de cosmonautas cujas identidades são desconhecidas, os irmãos também registraram mensagens relacionadas à Sputnik 1 e ao Explorer 1 (o primeiro satélite americano).
Em 23 de fevereiro de 1962, o coronel Barney Oldfield confirmou que a NASA divulgou que havia uma cápsula espacial sem rosca orbitando a Terra desde 1960. Segundo o Catálogo Mestre NSSDC da NASA, a cápsula Korabl Sputnik 1, também chamada de Vostok 1P, foi lançada em 15 de maio de 1960.
Entretanto, a União Soviética fez a sua parte negando todas as acusações. Eles ainda alegaram que a cápsula Korabl-Sputnik 1 não tinha escudo de reentrada (fato confirmado por engenheiros da NASA), mostrando que nunca houve planos para que a cápsula sobrevivesse à viagem.
A biografia de Yuri Gagarin apontou que toda a teoria da conspiração foi apoiada em duas missões Vostok que, na verdade, teriam sido equipadas com manequins. Já no que diz respeito às transmissões de rádio captadas pelos irmãos Judica-Cordiglia, tudo não passava de gravações para teste de rádio como parte de simulações.
Com o fim da Guerra Fria, a queda da Cortina de Ferro e a dissolução da União Soviética, boa parte das informações altamente sigilosas acerca dos programas soviéticos, incluindo o Programa Espacial, foram publicadas para o mundo todo. Em nenhum documento desclassificado consta nada sobre os cosmonautas desaparecidos ou qualquer tipo de missão tripulada malsucedida antes de Gagarin.
Sendo assim, pelo menos aparentemente, ficou mais do que claro que a história toda não passou de mais de um dos muitos mitos que surgiram durante o período da Guerra Fria. Por outro lado, no entanto, ainda há especialistas em inteligência que não descartam a hipótese de que a teoria da conspiração tenha sido muito bem escondida.